Danças Brasileiras do Ciclo Natalino: Bate-papo com Renato Mendonça

                                                          Arquivo pessoal do grupo Boidaqui

Queridos seguidores do canal Dança AC, de fato o natal se aproxima e com ele todo o esteriótipo importado dessa data comemorativa: papai noel, neve, pinheiro … Pensando em ampliar nosso conhecimento, convidei Renato Mendonça  para nos por a par das danças brasileiras do ciclo natalino.

 

Renato Mendonça Barreto da Silva/Sobadilê é professor do Departamento de Arte Corporal da EEFD/Dança – UFRJ, membro do Grupo Boidaqui e dançarino do grupo cultural Jongo da Serrinha. Atua no campo investigativo das danças e artes populares, candomblé Bantu e ancestralidades.

Renato Mendonça Barreto da Silva (Sobadilê). Foto de Paulo Raymundo.

 

AC – Nos apresente o contexto das danças brasileiras do ciclo natalino.

Renato – O que é mais valioso de se perceber nessas danças populares brasileiras é o respeito de fato aos ciclos festivos, o que não é diferente nas danças natalinas que estão espalhadas pelo Brasil todo.

É uma dança onde é possível perceber um conjunto de fatores artísticos para compôr a manifestação cultural. Tão importante do que aprender a dança e a técnica do movimento é entender porque as pessoas estão juntas dançando, e uma das respostas é porque esses folguedos se sustentam por uma narrativa, que é o nascimento do menino Jesus e também a peregrinação dos reis magos até esse menino, ou seja, a interpretação popular dessas passagens bíblicas que são fundamentais para o acontecimento das manifestações.

Só no nordeste podemos encontrar inúmeros reisados, uma derivação da ideia dos reis magos. As manifestações denominadas reisados são os GuerreirosPastorilChegançaCavalo Marinho. Já no Sudeste temos as Folias de Reis, as quais concentram a expressão da dança na figura dos palhaços, que são a representação dos soldados de Herodes, que perseguiram o menino Jesus nascido. No Rio de Janeiro temos algumas folias, tanto na capital quanto nos interiores do estado, nas quais os palhaços são verdadeiros acrobatas.

Eu pude acompanhar as Folias de Reis mais de perto, durante uns três ou quatro anos, o Reisado Flor do Oriente de Duque de Caxias. É interessante ver que os foliões visitam as casas, rezam esses lugares, e entre uma casa e outra deslocam-se pelos espaços da rua e promovem coreografias coletivas, que somam o ato de caminhar e cantar usando instrumentos, é o corpo em diálogo com outros objetos em um espaço diferenciado.

 

 

 

 

Também faço parte a dezesseis anos de um grupo chamado Boidaqui, que tem como objetivo entender as manifestações populares a partir de seu contexto de realização. Buscamos vivenciar esses saberes e suas práticas cotidianas a partir de uma convivência mais direta, tendo como foco o Cavalo Marinho, que é um folguedo da Zona da Mata Norte de Pernambuco construída no contexto do natal tendo com personagens principais dois negros, Matheus e Bastião que tomam conta de uma festa.

São personagens que reafirmam uma realidade do negro brasileiro ao mesmo tempo indo a contra ordem, eles jogam o jogo de reafirmar o processo de discriminação e preconceito ao mesmo tempo que mostram posturas de subverter essa lógica. É uma manifestação onde os componentes têm uma grande exigência corporal e espiritual para se manter, pois dependendo do contexto, a dança pode durar trinta minutos ou seis horas. O Cavalo Marinho é um complexo artístico que é possível perceber a energia dos trabalhadores do corte de cana, antigamente era executado somente por homens, hoje temos mulheres referências em alguns grupos.

O Boidaqui é um grupo que se preocupa com o respeito às práticas e as dinâmicas das próprias transmissões dos saberes que os grupos promovem, por isso é muito importante destacar nossas referências nas pesquisas, pois são grupos que estão ativamente produzindo arte no Brasil e no mundo. Grupos como Estrela de Ouro de Condado, na figura do mestre Biu Alexandre, o Cavalo Marinho Boi Pintado, na figura do mestre Grimario, por exemplo.

 

 

 

 

 

 

 

 

Por fim, vejo que a riqueza estética, com cores e brilhos, a dança, é consequência dessa transmissão de saberes que assume uma dinâmica própria em diálogo com o cotidiano, não sendo algo separado. E a dança, quanto movimento artístico e expressão, é o meio utilizado por essas pessoas para reafirmarem sempre quem são no mundo. Pra mim é um grande exemplo poder trabalhar investigando essas danças, me envolvendo intimamente com a dança e histórias de vida de algumas pessoas desses grupos, que são parceiros, muito mais que informantes, são produtores de conhecimento.

O Boidaqui é um grupo que não pretende divulgar essas manifestações, pois já sabemos que eles têm seus divulgadores, e essas pessoas estão aí fazendo, são patrimônios imateriais brasileiros mesmo que instituições não reconheçam ainda isso. E essas pessoas não vão parar de fazer mesmo que não tenham reconhecimento institucionais. Essa é a grande riqueza!

 

 

 

 

Para quem quiser conhecer, o Boidaqui atua mensalmente com um ensaio aberto e gratuito na Casa do Jongo da Serrinha em Madureira: https://www.facebook.com/pages/Casa-Do-Jongo-Serrinha-Madureira/1540358469617576

Casa do Jongo da Serrinha

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Author

Mestre em Artes Visuais, com ênfase em dança – UFRJ (2013), Especialista em Estudos Contemporâneos em Dança –UFBA/FAV 2007 e Bacharel em Dança, Intérprete e Coreógrafa, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – 2006/1. Possui formação em jazz, ballet, ballet moderno – Horton, dança contemporânea, sapateado e canto popular. Qualificada Profissional da Dança, artista-dançarina sapateadora e Instrutora de Dança, seguimento sapateado, pelo SPDRJ, atua como professora de sapateado, jazz e balé desde 2007 em diversos espaços de dança do Rio de Janeiro. Integrou a Cia de Dança Contemporânea Helenita Sá Hearp – 2004/1 a 2005/1, Cia Étnica de Dança e Teatro – 2007 a 2008, Projeto Ateliê Coreográfico do Centro Laban RJ – 2008 a 2009, Projeto de residência internacional da coreógrafa Erica Essner (Erica Essner Performance CoOp) no Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro 2007 e do grupo A.C.Ho com a performance Q _ _ _ _ _ , realizada no eventro Transperformance em 2011. Como cantora atuou na Cia Nós da Dança no espetáculo Bossanossa – 2009. Foi coreógrafa residente no Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro de julho de 2005 a julho de 2006, onde realizou seu primeiro trabalho autoral Chora Corpo Choro, composto pelos solos Rádio e Violão Mudo e pelo quarteto Choro na Feira. Seu segundo solo autoral Ah vai andas?! participou, em junho de 2012, em work in progress do evento Novíssimos da Ocupação Dança pra Cacilda. Em 2015 integrou o corpo de jurados dos festivais de dança Barra Dance e Barra Dance Kids. Sua oficina de Sapateado para Terceira Idade foi contemplada nos anos de 2014 e 2015 nos editais Viva a Cultura e Viva o Talento da secretaria de Cultura do RJ. Hoje atua como professora de balé e sapateado na ONG Projeto Dançarte.

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