Na orelha de seu mais recente lançamento, podemos ler que João Silvério Trevisan tem 14 livros publicados: ensaios, romances e coletânea de contos. É ainda autor do já clássico estudo multidisciplinar Devassos no paraíso. Além disso, recebeu três vezes os prêmios Jabuti e da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), tendo sido, em 2018, finalista dos prêmios Jabuti e Oceanos. Confira nossa entrevista exclusive com o autor de Seis balas num buraco só: a crise do masculino, livro que está sendo relançado numa edição ampliada e atualizada.
ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?
João Silvério Trevisan: Por uma conjunção de fatores: meu gosto pela escrita, os livros que minha mãe (semialfabetizada!) me dava e o ambiente do seminário católico onde estudei. Aos 13 anos comecei a escrever meu primeiro “romance”, mera imitação de uma rádionovela chamada Jerônimo, o herói do sertão. Era minha maneira de escapar de uma infância infeliz.
AC: Seu livro Seis balas num buraco só: a crise do masculino foi lançado em 1998. Agora, está sendo relançado numa edição ampliada e atualizada. O que motivou esse retorno à abra?
JST: A crise do gênero masculino cresceu de importância nos dias atuais, como se vê no recrudescimento da extrema direita em todo o mundo. O culto ao autoritarismo, à violência e ao negacionismo são características tanto dessa onda política quanto daquele masculino tóxico do qual a direita extrai sua energia.
AC: Ainda falando sobre Seis balas (…), num trecho da apresentação, publicado na página da Companhia das Letras, é possível ler: ¨Uma leitura urgente para quem busca compreender melhor o seu tempo e cumprir seu papel histórico.¨ Você poderia explicar melhor o que isso quer dizer?
JST: Considero óbvia a associação entre a direita radical e a toxidade do masculino, mas raramente tenho visto análises apontando para isso. Até mesmo as graves questões ambientais estão relacionadas com a atitude predadora do masculino tóxico que está no poder. É urgente entender esses dois fatores cruciais na contemporaneidade, para desfazer o nó secular do patriarcado falocêntrico que os embasa. O papel histórico é uma questão de sobrevivência, pessoal e coletiva.
AC: Como é sua rotina de escritor? Você escreve todos os dias? Reescreve muito? Pede opinião durante o processo?
JST: Sim, escrevo diariamente, com urgência. Sim, reescrevo obsessivamente. E, claro, não tenho receio em pedir opiniões, quando me sinto inseguro. Nem sempre a gente consegue expressar aquilo que pretendia. Então essas consultas são necessárias para checagem.
AC: Além da Literatura, você também tem um envolvimento forte com o cinema. Fale de sua relação com a sétima arte.
JST: Eu cresci muito mais relacionado com o cinema, no sentido de que me marcou de modo especial. Estudei cinema desde a adolescência, os recursos expressivos da linguagem cinematográfica me encantam. Mas também tenho muito clara a diferença entre a expressão imagética e a literária. Ambas me são necessárias, de diferentes maneiras.
AC: Como você se relaciona com a crítica? Essa relação foi mudando ao longo da carreira?
JST: Acho a crítica fundamental, para intermediação com o público leitor. Com o tempo, fui percebendo uma deterioração no exercício da crítica profissional, especialmente no campo literário. Cultivam-se cada vez mais os modismos, numa atitude que revela oportunismo e manipulação.
AC: Há alguns anos, no SESC Copacabana, tive oportunidade de assistir a uma mesa-redonda em torno de Caio Fernando Abreu que contava com sua participação. O que poderia nos dizer acerca de sua convivência com o autor de Morangos mofados?
JST: Minha amizade com o Caio Fernando, que comportava grande admiração, nunca chegou a um grau de intimidade, mesmo tendo tudo para isso. Penso que minha disponibilidade era maior do que a dele. Se havia entre nós algumas diferenças de personalidade e mesmo de visão de mundo, com certeza tínhamos muito em comum. Apesar das muitas tentativas, eu achava difícil entender o Caio e seu distanciamento.
AC: Algum de seus livros você considera o preferido? Qual seria?
JST: Vários dos meus livros estão até hoje cercados de silêncio, como se não existissem. Minha preferência aqui tem o sentido de privilegiar um dos mais injustiçados: Vagas notícias de Melinha Marchiotti, um romance atrevido, inventivo e transgressivo, de 1984, que amo de paixão. Nunca experimentei tanta liberdade ao escrever ficção quanto nesse caso.
AC: Numa entrevista anterior, você declarou: ¨Sou um coelho, do ponto de vista da produção literária.¨ Qual o segredo para se produzir tanto?
JST: Tenho pastas e pastas (físicas ou virtuais) cheias de projetos rabiscados e rascunhados. Só no computador tenho vários livros prontos, entre ensaios, novelas e contos. Trata-se apenas da urgência em me expressar e me comunicar, consciente de que a literatura me eleva para além de mim mesmo.
AC: Entre os seguidores do canal Literatura do Portal ArteCult, muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles?
JST: Escrevam para buscar se superar.
Até a próxima!