A animação “Meu Tio José”, dirigida por Ducca Rios, poderá ser vista pelo público nos dias 21 e 24 com júri popular, na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um dos principais e mais antigos festivais de cinema do Brasil. Nesses dias, acontecem as sessões presenciais do filme com votação popular.
O projeto conta o assassinato de José Sebastião Rios de Moura, membro do grupo de esquerda “Dissidência da Guanabara”, que se responsabilizou pelo sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 1969, durante a ditadura. O público pode adquirir o ingresso no próprio site da Mostra.
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Poster Meu Tio José
Por conta da pandemia do novo coronavírus a entrada nas salas de cinema só será permitida para pessoas que já tenham tomado as duas doses da vacina, ou pelo menos a primeira dose e que a segunda ainda esteja dentro do prazo. Além disso, é preciso estar de máscara durante toda a sessão e levar a carteira de vacinação ou apresentar o QR Code do Conecte SUS.
Assista o trailer do longa de animação:
Conversamos com o diretor sobre a sua concepção, as gravações e mais detalhes sobre a sua obra.
Confira abaixo a entrevista exclusiva completa
O longa de animação “Meu Tio José” já passou por diversos Festivais ao redor do mundo, como foi a recepção do mesmo nestes países o qual foi exibido? E agora com estreia nacional na Mostra Internacional como está a sua expectativa quanto ao publico brasileiro conferir a sua obra?
A recepção tem sido incrível nos festivais internacionais! O primeiro foi o Guiões, onde participamos na categoria Work in progress, quando o film ainda não estava terminado. Em seguida veio a melhor notícia de todas, com o Annecy Animation Festival, na França, que é a meca da animação mundial, e onde ser finalista é um feito que pouquíssimos filmes conseguem. No Brasil o MEU TIO JOSÉ é o quinto a ser selecionado em competição oficial e o quarto 100% brasileiro. Depois de Annecy fomos premiados no Vancouver Independent Film Festival, um evento que acontece ao longo do ano em concursos contínuos e o filme ainda continua a competir neste. Depois fomos selecionados para o Anima Córdoba, na Argentina, para o Spark Animation, um festival poderoso na cidade de Vancouver que é um dos poucos a qualificar para o short list do Oscar, o Rabat International Author Film Festival, no Marrocos, que é um ótimo festival de filmes de autor, fomos convidados pelo TIAF, em Taiwan, e agora para a nossa estréia nacional estamos em um festival que é para nós muito especial, a MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO. Foi na Mostra que exibimos nosso primeiro curta, A BRUXINHA LILI, premiada depois no Granimado, e será no mesmo festival que estaremos competindo com nosso primeiro longa! Muito bacana!
Por se tratar de uma história baseada em fatos reais e está entrelaçado a sua vida como foi o processo de pesquisa que embasou o seu projeto ?
Eu costumo dizer que meu processo de pesquisa começou ainda criança, amadurecendo em minha cabeça a percepção do assassinato do José, aprendendo o que é uma ditadura a partir dele e buscando entender os contextos em que ele está inserido: político, familiar, pessoal… Mas eu realmente passei a pesquisar seriamente o assunto quando já trabalhava a muitos anos com cinema de animação, quando já tinha feito diversas séries e já tinha minha produtora, Origem, bem estruturada. Decidi em primeiro lugar fazer uma revisão histórica do processo da ditadura e em seguida buscar paralelos com a vida do José e com a minha própria, então surge a ideia de fazer o meu primeiro longa em homenagem a ele e a todas as famílias brasileiras que perderam pessoas queridas para essa monstruosidade que foi a ditadura militar brasileira. Depois disso, passamos a refinar a pesquisa indo em direção a pessoas e elementos que circulavam o cotidiano brasileiro no período dos anos 60 aos 80, o Chico Buarque, o Torquato Neto, a UNB, o movimento punk etc… Finalmente fomos em busca de atores que sustentassem o discurso e a narrativa e vieram os incríveis artistas que temos no filme, a Evelyn Butchegger, o Jackson Costa, o Bertrand Duarte, a Neyde Moura, o Caio Muniz, as maravilhosas crianças e, é claro, o Wagner Moura, o Tonico Pereira e a Lorena Comparato.
Temos grandes nomes na dublagem original do longa “Meu Tio José” como foi o processo de escolha para dar vida a personagens tão marcantes?
O processo foi muito interessante, inicialmente pragmático no sentido de que teríamos que escolher pessoas afinadas com o discurso do filme, mas em seguida foi bastante lúdico e subjetivo. O Wagner, por exemplo, é baiano e temos amigos em comum que nos apresentaram. A voz dele está na minha memória muito próxima da voz do José real e sendo ele o grande ator que é, foi a escolha perfeita. Ter o Tonico trabalhando comigo foi um sonho de criança, pois enquanto ator é uma das minhas grandes referências na dramaturgia. A talentosa Lorena foi um grato presente, que chegou a mim através de um grande amigo, o roteirista Doc Comparato. Os outros atores, todos incríveis, são ouro da casa, baianos competentes, valentes e talentosos, cuja maioria já conhecia e admirava por suas carreiras muito bem sucedidas e consolidadas em teatro, cinema e televisão. Já as crianças, partes fundamentais neste filme, foram as melhores surpresas que pude encontrar em todo o processo de gravação das vozes originais. Eles entenderam toda história e o contexto dela e a partir daí evoluíram naturalmente para os seus personagens. Foi uma experiência muito boa e divertida!
Mesmo a trama se passando em uma época do golpe militar e trazendo um personagem com uma importância histórica para aquele contexto, a temática abordada traz uma correlação extremamente atual com o cenário que o nosso país se encontra. A arte nos inspira a questionarmos. O que você espera em termos de reflexão do seu público alvo ao conferir sua obra?
Infelizmente descobrimos recentemente que a abjeta ideia de viver sob um cruel regime militar que cerceia liberdades e direitos é ainda defendida por uma parcela da população brasileira, pequena certamente, mas intransigente, incomodada com a democracia e por vezes ignorante quanto ao efeito prático de um regime de excessão sobre suas vidas. Sem dúvida o MEU TIO JOSÉ torna-se um filme cíclico, que revisita o período da ditadura e é retroalimentado por esse retorno farsesco, esse saudosismo embolorado, que a extrema direita traz no momento atual. Minha vontade é que quem assista o filme, entenda a partir de um drama familiar real, de uma tragédia que deixou sequelas em quem a viveu, o que é o horror de uma ditadura militar para que nunca mais volte a acontecer.
“O filme começou a ser produzido quando ainda Dilma Roussef era presidente do país, então algumas coincidências no macroambiente que se iniciam com o golpe parlamentar que a retirou do poder executivo e culmina hoje com um governo que para dizer o mínimo desafia a ordem democrática sempre que pode, acabam por criar um efeito na obra, como se o filme fosse meio “premonitório”. É lógico que não sabíamos que estaríamos hoje preocupados novamente com o monstro da ditadura, mas os fatos e a nossa produção acabaram por se encontrar nesse momento e também é bastante natural que aproveitássemos alguns dos últimos acontecimentos para contextualizar a obra. No fundo é realmente incrível que O Meu Tio José esteja tão atual nesse momento, o que faz com que sua importância enquanto mensagem, de que não podemos deixar que o autoritarismo nos roube mais uma vez a cidadania e a liberdade, seja muito maior.”
“O olhar da criança se deve à minha própria história, é um resgate de sentimentos, lembranças e sensações de um período que me marcou profundamente na minha infância. O assassinato do José foi um acontecimento trágico que a família tentou na época afastar do dia dia das crianças, no caso de mim e do meu irmão Pedro. Assim, eu também faço essa tentativa de mostrar que as crianças têm percepção do que ocorre no entorno delas e que é uma percepção muito aguçada ainda que mais poética que pragmática da forma como a apresento. Os fatos se mesclam a sonhos, vivências e ideias na imaginação do Adonias e sim, acaba por produzir uma narrativa mais suave de um acontecimento tão Bruto. Temos outros exemplos disso em filmes como Persépolis, A Vida é Bela e O ano em que meus pais saíram de férias.”
“O Wagner é um grande ator, um dos melhores atores brasileiros da contemporaneidade, o que é mais do que uma justificativa. Mas além disso ele tem um pensamento que se afina com o meu em relação à política, tem idade próxima à do José e, por incrível que pareça, possui uma voz que a minha memória diz ser muito semelhante à do meu tio.”
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