Carlos Eduardo Novaes (@novaes.carloseduardo) é carioca, mas viveu muitos anos em Salvador. É formado em Direito e iniciou sua carreira jornalística no jornal Última Hora. No Jornal do Brasil, passou a se dedicar à crônica. É ainda autor de teatro e de TV. Exerceu o cargo de secretário de Cultura do Rio de Janeiro e foi presidente da Sociedade Brasileira dos Autores. Confira a entrevista exclusiva que preparamos pra você.
ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?
Carlos Eduardo Novaes: Entrou pela janela do jornalismo. Até os 25 anos de idade, quando me formei em Direito, jamais havia pensando em botar os pés – ou as mãos – na Literatura. A janela que se abriu foi a do antigo Jornal do Brasil onde entrei como repórter de esportes e sai cronista! A ponte entre o jornalismo e a Literatura quem fez foi o Humor, através dos textos sobre a Loteria Esportiva. Daí para a crônica foi um pulo e lembro que no dia seguinte à publicação da primeira – com ilustrações do querido Lan – o editor da Nórdica, Jaime Bernardes, apareceu na redação dizendo querer publicar um livro com “todas essas suas crônicas!” – Sinto muito – respondi – mas só tenho essa! Pela orientação do JB, eu faria uma crônica por mês. Era janeiro. Jaime Bernardes então disse que voltaria no final do ano. Voltou, recolheu as crônicas e transformou-as no livro O caos nosso de cada dia, que permaneceu 32 semanas entre os mais vendidos da revista Veja. A partir daí, todo ano, Jaime selecionava 30 crônicas – eu escrevia umas 100 – e produzia um livro. De todos eles o mais conhecido talvez seja O quiabo comunista, o livro nacional mais vendido em 1976. Mas eu só bati realmente na borda da Literatura ao escrever Cândido Urbano Urubu, logo depois da minha primeira demissão do JB.
AC: Como é sua rotina de escritor? Escreve todos os dias? Reescreve muito? Mostra para alguém durante o processo?
CEN: Só escrevo à tarde. Pela manhã, caminho na Lagoa (Rodrigo de Freitas) ou malho na academia, depois vou à feira ou ao dentista, ações do cotidiano, e à noite relaxo diante da TV. Escrever/criar à noite aumenta minha taxa de adrenalina, acabo levando o texto para a cama e não sei dormir acompanhado. Estabeleci uma rotina quando, depois da demissão do JB, fui para o jornal Última Hora. Como não havia mais lugar na modesta redação da rua do Equador, passei a escrever minhas crônicas no recesso do lar. Foi uma nova e maravilhosa experiência: ser pago para fazer o que gosto, sem o olhar vigilante do patrão e sem sair de casa, podendo abrir a geladeira a qualquer hora!!! Precisei criar uma rotina para não me perder diante de tanta liberdade.
AC: No seu caso, de onde vem a inspiração?
CEN: Um dia perguntaram ao Carlos Drummond de Andrade de onde vinha sua inspiração para as poesias, e o poeta respondeu: “da vida” – e concluiu – “a Poesia está na vida!” A Crônica também está na vida. Para chegar a ela basta encontrar a porta de entrada. Às vezes encontra-se rapidamente, às vezes temos que dar voltas e mais voltas. É nessa incessante procura que a inspiração sai de campo e dá lugar à transpiração. Por maior que seja a liberdade de escrever de casa, quem escreve para jornal tem um prazo para enviar o texto. Daí se pode dizer que o momento mais angustiante de um cronista (de jornal) é ver o prazo terminando sem conseguir abrir a porta de entrada.
AC: O fantasma da página em branco é mito ou verdade? Isso acontece com você? Em caso afirmativo, o que faz para resolver esse problema?
CEN: Papel em branco nunca me assustou. Pelo contrário, adorava ter uma lauda em branco toda minha para poder emprenhá-la com minhas ideias e palavras.
AC: Na sua opinião, qual o segredo de uma boa crônica?
CEN: Nunca esqueci o que me disse Walter Fontoura, editor do JB, no dia em que escrevi uma crônica furibunda sobre um trágico desastre de trens na Central do Brasil: “O leitor vem sendo asfixiado por dramas e tragédias desde a primeira página. É na Crônica que ele pode relaxar diante de um texto leve e bem-humorado. Não faça de suas crônicas um editorial!”. A partir daí, além da atualidade (sendo uma crônica em jornal), passei a me preocupar com sua graça e leveza. José de Alencar dizia que o cronista é uma espécie de beija-flor a sugar o mel das flores nos fatos mais comezinhos. Machado de Assis chamava a crônica – ele escreveu muitas – de “confeito literário”.
AC: Sei que você também escreve para teatro. Como avalia essa experiência?
CEN: Um dos maiores elogios que recebi veio do querido Rubem Fonseca. Ele me disse um dia: “Em matéria de diálogos, você só perde para o Nelson (Rodrigues)”. Vai daí, quando o produtor teatral Jorge Ayer me convocou para escrever uma peça, eu respondi: “Deixa comigo!” Só que Teatro não é apenas diálogo! Os diálogos estão a serviço da trama, da dramaturgia, da carpintaria teatral enfim, e eu não tinha ideia de nada disso. Depois de muitas topadas no texto, concluí a trama com a inestimável ajuda de Ayer. A mulher integral foi um grande sucesso de bilheteria no finado teatro Mesbla, mas – confesso sem medo de errar – era um horror de peça. Hoje, minha peça Diálogo dos pênis – uma resposta ao Monólogos da vagina – está em cartaz há quase 20 anos. Creio que aprendi a escrever teatro.
AC: Um livro marcante. Por quê?
CEN: Uma confraria de tolos, de John Kennedy Toole, editado no Brasil pela Record em 1980. O melhor livro de humor que li na vida (e ainda releio de vez em quando). Um romance alucinado que transcorre em Nova Orleans com uma carga explosiva de ironia, sarcasmo, mordacidade, um “elenco” de personagens fora da curva e uma crítica corrosiva à sociedade da época. Os originais foram rejeitados por 11 editoras norte-americanas. No meio dessas rejeições, o autor se suicidou, aos 37 anos de idade. Sua mãe continuou procurando por um editor e afinal encontrou interesse na Universidade de Louisiana. O livro conquistou todos os prêmios literários dos Estados Unidos.
AC: Um escritor marcante. Por quê?
CEN: Tenho dois escritores que dormem na minha mesinha de cabeceira: Ernest Hemingway e Gabriel García Márquez, duas épocas diferentes, duas cabeças diferentes, dois estilos muito diferentes, mas algo em comum que me une a eles: ambos começaram suas carreiras de sucesso no Jornalismo, como muitos outros, mas mantiveram uma narrativa sem rebuscamentos – mesmo o realismo fantástico de Gabo. Seus textos descem redondos, lisos, diretos e saborosos. Mas o escritor que me marcou mesmo e me levou a escrever crônicas (com humor, de preferência) foi Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Aos 15 anos de idade, pegava dinheiro da minha mesada para comprar o jornal Última Hora e me divertir com as sacadas e os personagens de Lalau. As primeira crônicas que escrevi, para um semanário em Salvador, Bahia – onde morei por 10 anos – eu as assinava com um pseudônimo: Ladislaw. E procurava imitar Stan desavergonhadamente!!!
AC: Projetos em andamento: o que vem por aí nos próximos meses?
CEN: Entre uma resposta e outra desta entrevista coloquei um ponto final em uma nova obra literária: O vírus do Ipiranga e a pandemia brasileira. Uma espécie de doc-fiction, reunindo elementos de fantasia, humor e realidade, narrada do ponto de vista dos parasitas. No momento, estou à procura de uma editora. A Ática, minha editora há 40 anos, está fechada para novos originais. Não quis nem ler. Não sabe o que está perdendo…
AC: Entre os seguidores do canal de Literatura do Portal ArteCult, muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles?
CEN: Escreva! Só se aprende a escrever, escrevendo! Tire alguns minutos por dia para exercitar seu texto, sua imaginação, sua musculatura criativa. Um “abdominal mental” !!! Mesmo que delete tudo depois. Sou do tempo da máquina de escrever e o que joguei de papel, de lauda, fora daria para cobrir a baía da Guanabara. Comece escrevendo sobre temas próximos a você, histórias de família, amizades, namoros, escola, episódios pessoais. Tente botar suas impressões digitais nesses textos sem se preocupar com a verdade dos fatos. Todo ficcionista é um mentiroso, posto que inventa suas narrativas.
AC: Para encerrar, pediria que deixasse aqui uma amostra de seu trabalho como autor.
CEN: Segue uma crônica sobre como tudo começou:
A PRIMEIRA A GENTE NUNCA ESQUECE
Devo às praias do Rio de Janeiro o início da minha trajetória como cronista, escritor, dramaturgo, ator, autor de telenovela etc etc…
O verão de 1970 entrava em cena quando o editor do Caderno B do JB insatisfeito com as três tentativas de suas repórteres de produzirem um texto que não repetisse os clichês do verão de 69 nem de 68 correu à Editoria de Esportes a minha procura.
Não que eu fosse um especialista em praias. Como dizia Jaguar na época: “intelectual não vai à praia; intelectual bebe!”. Recém-chegado ao jornal não dava para me considerar um intelectual escrevendo toda semana um texto de serviço (saco!) sobre os 13 jogos da Loteria Esportiva. Para amenizar meu tédio comecei a criar em cima daquelas enfadonhas informações oficiais. Não é que a coluna começou a fazer um brilhareco entre os leitores? Tanto que começou com 1/8 de página, cresceu para ¼, se estendeu para a metade da página até ocupar uma página inteira nas edições das segundas-feiras.
Aí você naturalmente perguntará a razão deste sucesso. Seriam meus prognósticos certeiros, enchendo os bolsos dos apostadores? Errado! Nunca ninguém ganhou um mísero tostão lendo meus textos. Mas – e aí entra a conjunção – se divertiam um bocado diante do humor com que eu temperava aquela que deveria ser apenas uma coluna sem graça.
Lembro de Ziraldo, um apostador compulsivo, entrando na editoria de Esporte querendo me conhecer, eu um jovem anônimo redator. Parou na minha frente, trocamos algumas palavras até ele me dizer categórico: “Você é um humorista!” Fui banhado por uma intensa emoção ao ouvir aquela sentença dita pelo mais famoso cartunista do país. Cheguei em casa, reuni a família e com toda pompa e circunstância bradei: “Tenho uma novidade para vocês. Ziraldo disse que eu sou um humorista”. A família morreu de rir.
Voltando ao caloroso verão de 70, atendendo ao pedido do editor do Caderno B escrevi uma crônica – se é que se pode chamar assim – que ocupou duas páginas inteiras e contou com as preciosas ilustrações do querido Lan. Tinha como título: “Esses cariocas nas praias de todas as gentes” e um trecho dizia: “Segunda-feira então as manchetes dos jornais, cheias de imaginação, anunciam: Milhares de pessoas acorreram às praias para fugir do calor. O que em outras palavras significa: Milhares de pessoas vão ao encontro do Sol para se refrescar. Onde já se viu fugir do calor exatamente onde o Sol faz ponto?”
A crônica saiu no domingo. Dia seguinte ao chegar à redação encontrei o senhor Jaime Bernardes, português, casado com uma alemã, com filho sueco e um canário belga, dono da Editora Nórdica esperando por mim e afirmando que queria publicar em livro “com todas essas suas crônicas”.
– Como “todas”? Essa é a primeira que escrevo!
– Então vou aguardar pelas outras!
Diante da repercussão, o jornal (que resistia ao humor) me abriu seus espaços e passei a escrever um textão de duas páginas por semana, sempre ilustradas por Lan. No final do ano o português reapareceu e juntos escolhemos alguns textos e os reunimos no livro “O Caos Nosso de Cada Dia” que permaneceu 32 semanas entre os mais vendidos da revista Veja. Daí para frente foi só correr para o abraço…
Aproveitamos para relembrar a abertura da novela CHEGA MAIS (1980) de autoria de Carlos Eduardo Novaes:
ATENÇÃO: Confira a live com o autor CARLOS EDUARDO NOVAES realizada em 06/04/2022:
Bem, é isso. Até a próxima!
Não deixe de ver também:
AC Encontros Literários tem curadoria e apresentação (lives) de César Manzolillo (@cesarmanzolillo).
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