Abu, de Abujamra, o grande nome do teatro brasileiro

Alexandre Lino em Hamleto. Foto: Renata Barros

 

Abu, de Abujamra, o grande nome do teatro brasileiro

 

Posso dizer que um dos papéis de Antônio Abujamra que mais me chamou atenção foi na novela Que Rei Sou Eu?. Ele me dava medo como Ravengar; eu era uma menina na época, e até hoje nenhum personagem me causa mais medo do que esse.

Hamleto tem como tema a busca de um príncipe para vingar a morte de seu pai. A trama densa evoca conflitos familiares, amores, loucura e sanidade, filosofia, poder e moralidade. Antônio Abujamra dirigiu cinco encenações do texto, sempre atualizando sua adaptação.

“Com Hamlet todo diretor tem o direito de fazer o que quiser, porque Shakespeare será sempre melhor que todos nós”, essa foi a frase do mestre, o que adorei, confesso. No último livro de Amir Haddad, ele fala sobre os artistas que não querem ler ou querem ensinar a dramaturgia para o dramaturgo que a escreveu, o que também considero outra frase genial.

“Nesta nova montagem, contemplada no Programa Funarte Aberta, o Hamleto de Giovanni Testori ganha interferências atuais de projeção e linguagem do TikTok, inteligência artificial e músicas originais, sob a visão moderna e multimídia de André Abujamra.”

Inegável que assisti uma interferência sofisticada da IA em telões no teatro Dulcina, mais que isso, o cenário estava elegante ao apagar das luzes. A iluminação também estava consoante ao que digo. Tive a sensação de não estar no Dulcina, que tem uma arquitetura interna de 1935. Achei interessante isso, entendendo que o espetáculo foi montado sem patrocínio. Não é nada fácil compor um cenário desse sem um montante adequado, quase um milagre!

André Abujamra tem seu nome em algumas montagens e, para mim, uma das melhores foi A Cerimônia do Adeus, apresentada no Teatro do Copacabana Palace, belíssima a trilha sonora inserida na obra de Mauro Rasi. Mas afirmo que André me conquistou quando remixou a música Wahanararai, que conheci através do brasileiro indianista Bruno Pereira, morto em 2022, deixando o país estarrecido com a cruel violência cometida contra um defensor de terras indígenas. Eu chorei e André também, e quando assisti o vídeo, ou assisto, me arrepio e as lágrimas ainda rolam pela minha face. Obrigada por tanto, Bruno, e obrigada, André, por sua arte legitimamente brasileira.

Em Hamleto, ele não fez diferente, trouxe suas criações musicais com sofisticação, essa é uma marca registrada do profissional e garantiu a presença de seu pai através da inteligência artificial.

A obra começou após o horário determinado; foi um dia em que quase todos da classe foram convidados e estavam presentes. Pelo atraso, fiquei preocupada com uma obra que, na grande maioria, é demorada, mas não. Abujamra pai me fez rir com a agilidade em matar todos, um verdadeiro espadachim, risos. Dei boas gargalhadas, isso sim. Um jeito totalmente diferente de fazer teatro, detesto o mais do mesmo, e, nesse caso, o mais do mesmo não existe. Existem pitadas sacanas, como de um artista que entra no palco e fala algo em inglês, para lembrarmos que a obra é inglesa, o que julgo preciso, afinal a roupagem é bem abrasileirada, artistas à vontade no palco. Confesso que algumas coisas não me atravessaram muito bem, mas foda-se a minha opinião, o próprio Abujamra pai deixa isso muito claro no começo do espetáculo, ignora o que pensamos!

Mais que isso, ele mesmo desnuda para a sociedade que para cada passo que damos o teatro duplica, e desde quando ele está errado? Teatro é cultura, educa, dá prazer, nos faz rir, e nos leva as emoções, um puta de entretenimento, completinho!

E vamos às cenas, em uma delas um artista negro entra no palco, e o narrador diz que ele não faz parte do espetáculo, assim como uma atriz, ambos traziam nomes de personagens de outras dramaturgias shakespearianas. Isso é engraçado, a plateia ri, e isso é o sentido do teatro, conectar, artista e espectador através do texto.

Interessante é que Antonio Abujamra sempre atuou com mulheres, negros e certa vez teve a ideia de trazer Shakespeare com portadores de nanismo, mas não conseguiu montar o elenco.  Nesse momento é possível viajar no homem a frente do seu tempo que foi Abujamra pai.

“Abujamra, 70, que assinou pelo menos cinco montagens da peça em meio século de carreira, acha “bobagem” reduzir seu “Hamlet” somente à questão racial. Prefere a perspectiva cidadã. “No Brasil, os negros são uma vanguarda erótica, musical, atlética, no entanto, eles não têm uma postura cultural que mereçam”, diz.
Kadu Carneiro, que protagonizou no cinema “Cruz e Sousa – O Poeta do Desterro”, é o Hamlet negro no Rio. Marcos Damigo, o Hamlet branco em São Paulo. Iléa Ferraz é a Ofélia negra do Glória. Rosana Seligmann, a Ofélia branca do Popular do Sesi”, essas foram as palavras do ator em 2022 a Folha de São Paulo, quando estreou “Hamlet É Negro”, ou seja, o artista não precisava de regras relacionado a inclusão e diversidade, passaria em todos os editais!

Em relação aos figurinos, nada que chamasse minha atenção, mas gostei, não brigou com o cenário. Foda-se também a minha opinião.

Os Fodidos Privilegiados é a Cia que apresenta a obra, fundada pelo Abujamra pai em 1991. Já posso afirmar que três artistas estavam fantásticos. Entre eles, Alexandre Lino, que, além de fazer parte de uma das últimas turmas do Antônio Abujamra, soube conquistar a plateia, muito bem colocado, criando um personagem coroado pelo cinismo com pitadas de comicidade bem temperada, ainda que no papel de Cláudio. Dani Fontan apresenta a moça do TikTok, a atriz tem um carisma que está além. Dela nasce absolutamente tudo que um profissional cênico necessita para atuar sem leviandade, mas com absoluta riqueza, voz e sorriso, expressões faciais, tudo muito bem-vindo. E fecho com a atriz Ísis Lua, com expressões corporais e faciais muito bem executadas também. Ela é uma das Ofélias; tenho a dizer que foram poucas as suas falas, mas o suficiente para mostrar o quanto ela pode acrescentar no palco teatral.

Ouvi algumas opiniões da classe artística, que esperavam isso ou aquilo; essas também não fazem diferença, mas existe um depoimento que muito me interessou e deixou meu coração em brasa. Segundo Marco Americano, Abujamra pai, o antagonista Ravengar, era um homem humilde, uma pessoa boa, que tratava a todos com muita educação e carinho, independente de quem eram. Isso confesso que foi uma surpresa, pois o homem que conheci era um bruxo mau.

Adoro o nome da cia, porque no mundo artístico, ser um artista do teatro é o mesmo de ser fudido, hoje tem dinheiro, amanhã não, mas deixo claro, que não existe nada melhor que o privilégio de trabalhar para o teatro!

Vale a pena assistir? Se você é clássico e engessado, não! Mas se você gosta do que conversa com o contemporâneo e quebra regras, sim, vale a pena assistir!

 

FICHA TÉCNICA

Hamleto

  • Direção geral: André Abujamra
  • Direção cênica e de movimento: Johayne Hildefonso
  • Músicas originais: André Abujamra
  • Figurino: Márcia Marques
  • Cenário: Nello Marrese
  • Iluminação: Dani Sanchez
  • Direção de produção e administração: Filomena Mancuzo
  • Assessoria de imprensa: Carlos Pinho
  • Produção executiva: Beto Bruno
  • Programação visual e mídias: Julia Andrade
  • Apoio artístico: João Fonseca e Rafaela Amado
  • Assistência de direção: Giovania Costa, Mauro Marques e Pedro Pedruzzi
  • Assistente de produção: Marta Guedes
  • Assistente de figurino e produção: Ivete Rodrigues
  • Apoio de produção de cenário: Sérgio Lopes
  • Técnico de som e vídeo: Enrico Baraldi
  • Operador de luz: Ricardo Meteoro
  • Máscaras do figurino: Giovanni Targa
  • Elenco: Antonio Grassi, Alexandre Lino, Beto Bruno, Claudio Gomes, Dani Fontan, Filomena Mancuzo, Giovania Costa, Iris Bustamante, Isis Lua, Isley Clare, Ivete Rodrigues, Márcia Marques, Marta Guedes, Mauro Marques, Pedro Pedruzzi e Ricardo Souzedo
  • Voz off através da IA (inteligência artificial) da personagem Espectro: Antônio Abujamra
  • Voz off da personagem Gertrude: Rose Abdalah
    Voz off da personagem Claudios: Beto Lobo
  • Projeto contemplado no Programa Funarte – Aberta
  • Espaço Cultural da Fundação Nacional de Artes – Funarte

 

SERVIÇO

Hamleto

 

 

 

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

 

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Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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