A poesia encarnada no Sesc Copacabana

Foto: Dalton Valério

Dessa vez confesso que está muito difícil saber por onde começar, são tantas coisas a serem escritas que fico perdida.

E coisas belas, daquelas que precisamos por para fora, fazer esse passarinho voar, levando as boas novas para aqueles que frequentam o teatro.

Penso que precisamos mais de espetáculos assim!

Penso também que devo perguntar a dramaturga se ela escreveu esse texto nos papéis de carta, aqueles que quando somos meninas fazemos nossas coleções, confesso ser essa a sensação que tenho. Aqueles papéis delicados, que também eram aromatizados, tamanha a delicadeza textual que Renata nos traz, meu Deus, afirmo que é um dos melhores em temporada nos palcos do Rio de Janeiro atualmente.

Ao olhar para plateia, via olhos que acompanhavam os artistas atentamente, os ouvia fungar e os ouvia rir, rir mesmo. Fantástico é para onde a dramaturga nos leva, ela nos oferece uma bandeja de emoções que precisamos sentir, afinal é importante nesse mundo cão lembrarmos que somos seres humanos.

O texto provoca análises, uma chace de revermos nossos erros e recomeçarmos da melhor maneira. E isso é bonito, pode-se reconhecer como um auxílio. Renata nos traz encantamento através da obra que idealizou, traz também emoção, afeto, delicadeza, e diante de tantos desdobramentos que irei apontar, ainda, sim, ela foi doce com seus personagens, a cada um deles, houve doses demasiada de gentileza, tudo apurado demais.

O “antagonista” , por exemplo, é como um de nós, que diante da vida, dos atravessamentos, passa a agir com certa indiferença ao que deveria ser prioridade, nesse caso, o filho de 11 anos internado.

Há 14 anos, a convite de um amigo produtor, a premiada dramaturga Renata Mizrahi resolveu escrever um texto cujo mote fosse o afeto. Assim surgiu a comédia dramática “O Poeta Aviador”.

 

SINOPSE

“O Poeta Aviador” é uma comédia dramática que coloca uma lupa sobre uma família interracial às voltas com questões do filho pré-adolescente, de 11 anos. Eles precisam se reinventar diante de uma situação-limite: Claudio está com a sua empresa de advocacia à beira da falência e vive uma crise no casamento com Sheila. No meio disso tudo, o filho Lucas está internado em um hospital.  Durante a internação, Lucas desenvolve uma grande amizade com Rafael, voluntário no hospital, e conhece o amor pela primeira vez com Carminha, a garota do quarto ao lado. O grande sonho do menino é se tornar aviador e cruzar os céus.

 

CRÍTICA

Hugo Germano vive o personagem infantil, o personagem que conduz a montagem, Hugo transborda o seu saber fazer teatro. Suas expressões faciais estão perfeitas, assim como seu corpo que da vida a um menino que nos apaixonamos, ele me fez chorar diversas vezes, porque no artista há uma ingenuidade precisa para aquele papel. Os olhos dele falam!

Complexo, não tenho se quer mais o que falar do artista, porque não existem palavra que arranquem do meu coração o que ele quer dizer, é necessário que vocês o assistam para entenderem a proeza do jovem artista. Lucca é um menino especial, tanto na ficção, como Germano é na realidade, porque há deliberada grandeza em ambos.

Foto: Dalton Valério

Jose Karini, o “antagonista”, é o pai do personagem Luca, tive vontade de levantar e dizer: se liga, você está errado! Aliás, eu gostaria de entender porque muitos homens ainda querem carregar com eles esse tipo de comportamento. Acho hostil e retrógrado, mas ainda acontece, infelizmente. A voz do ator está bem colocada, ele assume aquele papel de chefe de família, pouco harmonioso, o artista está muitíssimo bem, passos milimetricamente cronometrados por ele. Ótimo!

Já Jefferson Schroeder, que me perdoe a falta de palavras a ele, é porque o personagem que ele traz é muito importante para mim e para todos os que trabalham com a arte e nunca tive a oportunidade de evidenciar esses profissionais

Ele representa a arte, foi o que entendi, inicialmente eu pensei que fosse um amigo criado pela cabeça do menino, mas não, ele faz parte daquelas pessoas que vão aos hospitais levar arte, um pouco de ajuda para aqueles que estão necessitando de esperança, confesso que foi exatamente aí que minhas lágrimas começaram a rolar sem a mínima vergonha. Essas pessoas que utilizam da arte para trazerem perspectivas ao próximo são pedacinhos de bençãos na terra, não é fácil ver crianças adoentadas, pessoas sem chances já desenganadas, olhares vazios, e eles estão lá, isso é pesado demais. E o amigo Rafael faz exatamente isso, conduz Lucas a poesia, ao lúdico, enquanto enfrenta uma bateria de exames. Chorei foi muito, não que a peça seja triste, longe disso, ela é delicada, emocionante e afetiva, um deslumbre adocicado! É isso!

E o que dizer da Vilma?

A primeira vez que meu olhar encontrou-se com o dela foi através das minhas lágrimas enquanto ela atuava no espetáculo Saia, no Sesi Firjan, ela fazia uma menina, filha de uma mãe super protetora também. Naquela montagem a insegurança da mãe era pautada na violência da nossa cidade. Inclusive estávamos bem abatidos com o caso do pai que tinha ido buscar suas filhas em uma noite chuvosa com um guarda-chuva e um suporte de bebê (canguru), ele foi alvejado pela polícia, que se defendeu dizendo ter confundido com colete e um fuzil.

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/19/politica/1537367458_048104.html

E desde então, nos tornamos mais próximas, eu como fã, e ela como ídala. Deixo isso claro!

Vilma Melo, atualmente, está na série “Os Encantados” ao lado do imenso ator Luís Miranda, em horário nobre da maior TV aberta do país, e no rol de entrada, ao terminar a peça, disse a ela: Vilma, quando eu olho para você atuando, falo para mim mesma, ela chegou!  No entanto, hoje, ao sair do teatro, percebi que cometi um erro, porque você não chegou a lugar nenhum, você chega a cada trabalho, você é ilimitada.

Vilma está majestosa nessa atuação, posso dizer que MARAVILHOSA, dona de si, e que a terra trema, porque na outra encanação ela só pode ter sido uma domadora de animais selvagens, porque ele doma o palco, Vilma interpreta olhando para dentro dos olhos dos seus colegas, é de uma beleza que nos perdemos diante do tanto que ela nos oferece.

Mesmo diante de um figurino básico assim como o cenário, eles são aplaudidos fervorosamente, não tem como não ser, eles apostaram nas conexões que fariam conosco e isso bastou!

A voz da Vilma cai bem aos nossos ouvidos, ela tem cadência para cada frase, uma sinfonia passarinheira, gostosa de se ouvir. Digo mais, junto a Renata, elas se unem com uma verdade importantíssima para essa montagem. Temos na dramaturgia um menino de onze anos, internado, sem um diagnóstico preciso, e diante disso uma família sem o mínimo de estrutura. No entanto, há na dramaturga e em uma das maiores atrizes do teatro carioca uma verdade, elas são mães, e claro que isso traz diferença.   Mãe judia que cuida ao extremo, a mãe que não percebe seu filho crescer e quando percebe fica um pouco perdida no tempo, a mãe com cuidados exasperados, mães…

Se de um lado, Renata Mizrahi (dramaturga) dá diversos apelidos como pastelzinho de Belém, brigadeirinho, doce de coco, cajuzinho (são muitos, eu não lembro de todos), a senhora Vilma de Mello, com sua voz no tom mais assertivo que Elis Regina cantando “Fascinação”, fazendo a plateia rir, a cada nome. Que sacada boa da dramaturga! Porque o texto não fica chato, ao contrário, traz leveza”.

O final do espetáculo é aonde aprendemos para que servem o tamanho dos nossos braços, não deixem de assistir, há mais poesia do que vocês esperam, a poesia encarnada está lá.

Que linda obra, obrigada SESC Copacabana, vocês acertaram na escolha, é preciso ter espetáculos que toquem mais em nossas almas, saindo um pouco desses movimentos polarizados, que também nos afinge, afinal defender pautas, cansa, nos trazem angústias, e quando obras como essas nos chegam, nos acariciando por dentro, saímos mais preparados, ficamos mais ilesos diante das atrocidades, obrigada mesmo curadoria!

Com amor e afeto a esse grupo, Paty Lopes

 

Algumas imagens do espetáculo

Imagens: Dalton Valério

 

VÍDEO TEASER DO ESPETÁCULO

Imagens: Dalton Valério

Edição: Vidinha

Ficha Técnica:

Texto: Renata Mizrahi
Direção: Priscila Vidca e Renata Mizrahi
Elenco: Hugo Germano, Jefferson Schroeder, José Karini e Vilma Melo
Produção Executiva: Amanda Lima
Cenário: Anderson Aragón
Figurino: Guilherme Reis
Iluminação: Anderson Ratto
Trilha sonora: Wladimir Pinheiro
Fotos e vídeos: Dalton Valério
Assessoria de comunicação: Dobbs Scarpa
Mídias Sociais: Rafael Teixeira
Direção de produção: Renata Mizrahi e Priscila Vidca
Arte: Luciano Cian
Assistente: Claudio Attademo
Gerente Financeiro: Alan Isídio
Realização: Teatro de Nós Produções Artísticas

 

SERVIÇO

O POETA AVIADOR

Onde: Sesc Copacabana (Arena). Rua Domingos Ferreira 160.

Quando: Qui a dom, às 20h. Estreia quinta (27). Até 21 de julho.

Quanto: R$ 30.

Classificação: 12 anos.

 

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

 

Facebook: @PortalAtuando

 

 

 

Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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