– Ei, tenho uma novidade…
– Sério? E qual é?
– Vamos numa excursão do condomínio pra Holambra.
– Aquele lugar das flores? Ah…
Minha primeira reação foi de desânimo. Tudo bem, a EXPOFLORA – que está na sua 40ª edição! – pra quem gosta, é realmente um prato cheio. Até acho bonito, curto a perfeição da natureza traduzida nos arranjos de cores que as flores propiciam, a beleza visual das composições, mas daí a tornar-se um motivo pra me deslocar mais de quinhentos quilômetros era forçar a barra um pouquinho demais.
Mas estava feito. Eu teria que ir.
Mas não dizem que devemos fazer do limão uma limonada? Pois bem. Passei a procurar algo que me desse uma motivação extra no passeio e meu primeiro passo, por certo, foi pesquisar sobre a cidade de Holambra. Com a ajuda do Google – como a gente conseguia viver antes dele? – encontrei um pequeno histórico no site da Câmara Municipal da Estância Turística de Holambra (https://www.camaraholambra.sp.gov.br/) :
“Fundado em 27 de outubro de 1991, Holambra é um dos vinte municípios que integram a Região Metropolitana de Campinas, no Estado de São Paulo. Seu nome – junção das palavras Holanda, América e Brasil – foi dado em virtude da colônia neerlandesa que se firmou na antiga Fazenda Ribeirão (gleba em que foi instituída a cidade).
Por muito tempo, Holambra se destacou por ter o sétimo melhor índice de qualidade de vida do Brasil, e também o melhor índice de segurança do país. Com mão-de-obra qualificada no setor agrícola, o município é o maior centro de produção de flores e plantas ornamentais da América Latina, além de sediar anualmente a maior exposição de flores entre os países latino-americanos: a Expoflora.
Em consequência da devastação causada pela Segunda Guerra Mundial, o governo neerlandês (ou holandês) estimulou a imigração de parte da população – especialmente para a Austrália, o Brasil, o Canadá e a França. O Brasil, no entanto, foi o único país a permitir a vinda de grandes grupos de católicos.
Com consentimento do governo Neerlandês, a Associação Neerlandesa dos Lavradores e Horticultores Católicos (Katholieke Nederlandse Boer en Tuinders Bond) enviou uma comissão para o Brasil para coordenar a imigração de holandeses e para fixar um acordo com o governo brasileiro.
Um grupo de aproximadamente quinhentos imigrantes, provenientes da província Brabante do Norte, imigraram para o Brasil e estabeleceram-se na Fazenda Ribeirão. Eles fundaram, em 14 de julho de 1948, a colônia Holambra I e a Cooperativa Agropecuária Holambra, com o objetivo de produzir leite e laticínios. Como o gado holandês trazido pelos imigrantes foi dizimado por doenças tropicais, eles optaram pela suinocultura e a criação de galinhas.
Com a vinda de um novo grupo de imigrantes holandeses em 1951, teve início o cultivo de flores com a produção de gladíolos – cultura expandida entre 1958 e 1965.
Em 27 de outubro de 1991, 98% da população votou favoravelmente à emancipação da colônia, dando a Holambra a autonomia de município. Sete anos mais tarde, a Assembleia Legislativa de São Paulo concedeu à cidade o título de Estância Turística.”
Bingo! Se quem procura acha, achei algo que me traria um prazer adicional – além, é claro, da companhia da família e dos amigos e do passeio em si, que já se prenunciava bastante agradável. E o que seria isso? Ora, simples. Mergulharia na gastronomia holandesa e, de quebra, ainda geraria um artigo aqui pro ARTECULT…
Ressalto que, enquanto escrevo este artigo, a edição de 2023 da maior festa das flores da América Latina está se encerrando. Ela ocorreu de 25/08/2023 a 24/09/2023 e comemorou os 165 anos de imigração holandesa para o Brasil e 75 anos de imigração para Holambra.
Como desconhecia completamente o assunto, meu segundo passo foi pesquisar sobre a Holanda e seus pratos típicos. E, nessa pesquisa, foi fácil verificar a influência dos países vizinhos, como a Alemanha, na formação da identidade gastronômica dos países baixos. Descobri, por exemplo, que um prato alemão que amo, o Eisben (joelho de porco), é bem presente por lá…
Tratei de fazer uma lista, limitando-me a um número aceitável de opções, já ciente de que não conseguiria “engolir” a Holanda de uma tacada só. Tentaria experimentar o máximo que conseguisse, de modo a trazer aqui pra vocês um panorama o mais completo possível. Quem sabe, assim, não aumento a curiosidade acerca do tema e, talvez, possamos nos encontrar em uma edição futura da EXPOFLORA?
Chegando à festa, de lista na mão, já passei a procurar avidamente os itens que havia elencado. Antes, gostaria de registrar alguns pontos: Holambra é, realmente, uma cidade muito organizada, limpa, receptiva. Achei que a festa era realizada em um parque de exposição específico para isso, porém, descobri só depois, eles fecham parte da cidade para o evento. Realmente, impecável.
E não é que, logo nos primeiros passos, dou de cara com algo muito familiar: um salsichão! É óbvio que esse salsichão, especificamente, nem de longe é igual àquele que a gente encontra costumeiramente nas festa juninas, nos churrasquinhos de ruas do Rio de Janeiro. Não, claro que não. Só comendo pra saber – e eu comeria em quantidades absurdas…
Ah, e combinando com o salsichão, nada mais holandês do que um belo JOELHO DE PORCO! No entanto, se comesse um inteiro – vontade não faltou! – talvez não sobrasse espaço pra continuar com minhas experimentações, né? Limitei-me, com dor no coração, a um pequeno petisco…
O próximo prato que experimentei foi PANNENKOEKEN. Trata-se de uma espécie de panqueca fina, uma massa de crepe tradicional feita com farinha, leite e ovos, servida aberta, com o recheio por cima – no meu caso, bacon, nozes, mel e queijo gouda. Realmente, uma delícia! Fiquei com muita vontade de reproduzir isso em casa…
O próximo prato tinha que ser ele, o mais tradicional da culinária holandesa, o STAMPPOT. E é algo bastante simples: um purê de batata com vários legumes e vegetais, servidos geralmente com rookworst. No meu caso, ainda veio um kassler, demonstrando ainda mais a proximidade – ainda que não assumida – com os alemães.
E eu gostei tanto dessa salsicha holandesa, a ROOKWORST – preparada com carne bovina, sal pimenta e temperos variados, podendo ser defumada ou não – que, no dia seguinte, pedi no restaurante TRATTERIE HOLANDESA (@tratterieholandesa) pra acompanhar minha cervejinha…
Mas, pra não ficar só nisso, aproveitei pra pedir também o petisco mais típico da Holanda, quase como se fosse a tupiniquim coxinha ou o pastel. Eu me refiro ao BITTERBALLEN, que nada mais são do que bolinhas recheadas com uma mistura incluindo carne, servidas com mostarda, equivalente a uma versão redonda e de menor tamanho do croquete holandês.
Mas voltando à EXPOFLORA…
Estava na hora de abrir os trabalhos açucarados, muito embora ainda quisesse ter comidos outros itens salgados da minha lista – que, confesso, nem sei se tinha por lá – como o KIBBELING (um bacalhau ou outro peixe em cubos, empanado e frito, servido com um molho à base de alho ou molho tártaro), o FRINKANDEL (uma salsicha de carne cortada ao meio, frita e recheada com molho de cebola, maionese e ketchup), a BATATA FRITA no cone (paixão nacional lá!) e o KROKET (o nome já diz…).
Primeiro, uma pausa pra foto. Nada mais típico, né?
Começo meu tour pelo mundo dos doces com os POFFERTJES, que são mini panquecas, feitas em uma panela especial com uma massa resultante de uma mistura de farinhas e fermento, o que lhe confere uma textura leve e arejada. Na festa, elas foram servidas cobertas com chantilly e morangos.
Como é possível observar no vídeo a seguir, o interessante desse prato é seu modo de fazer, utilizando-se de um equipamento próprio, que me lembrou o TAKOYAKI japonês.
O calor estava grande, o sol à pin o. Arrumei um tempinho pra um sorvetinho de Rosas. Afinal, estamos na EXPOFLORA…
Havia chegado a hora do STROOPWAFEL, certamente o prato holandês que ganhou mais fama pelo mundo. Ir a Holanda ou, no caso, a Holambra, e não comê-lo seria, basicamente, como ir a Roma e não ver o Papa. Portanto, não poderia sair dali sem ter experimentado a iguaria que, em tradução livre, serial algo como “waffle com calda”. Consiste num biscoito formado por duas finas camadas de massa em forma de disco, recheado com uma camada de caramelo bem consistente, e sua “invenção” remonta à Holanda do século XVIII, embora a primeira receita escrita, atribuída a um padeiro da cidade de Gouda – sim, a mesma do famoso queijo! – date de 1840.
Não dá pra descrever a delicadeza desse ícone holandês, nem mesmo a “simplicidade complexa” da textura perfeita, que combina o crocante do biscoito com o recheio que traz a doçura do caramelo. Gostei tanto que me vi obrigado a trazer um pouquinho pro Rio de Janeiro…
Vale aqui uma dica: na forma clássica e tradicional, os holandeses o consomem de uma forma peculiar: posicionam o disco acima da xícara com a bebida quente, que pode ser café ou chá, e o deixa ali, repousando por aproximadamente três minutos. Nesse tempo, o calor e os aromas da bebida se misturam ao biscoito, o recheio derrete um pouco mais e a massa dá uma leve amolecida. Em teoria, para eles, a experiência ainda fica melhor do que já é. Tive, portanto, que testar a teoria. Confesso que não cheguei a uma conclusão…
De quebra, pra não perder a viagem e acrescentar mais um item, também trouxe a SPECULAAS, que é um tipo de bolacha natalícia tradicional na gastronomia belga e holandesa e em parte da Alemanha.
Mas pra fechar com chave de ouro ainda faltava uma coisinha. Acho que todo mundo já ouviu falar de TORTA HOLANDESA, não? Por certo que sim. Mas, pra minha enorme surpresa, essa sobremesa não possui vínculo algum com a Holanda, já que lá as sobremesas são, geralmente, feitas no forno e não geladas. Pois, believe it or not, trata-se de uma sobremesa totalmente brasileira e, segundo consta na Wikipédia, foi criada em 1990 pela cozinheira e empresária Silvia Maria do Espírito Santo, no então Café Bruges, localizado em Campinas no Estado de São Paulo, e só ganhou esse nome por conta das boas lembranças que ela tinha da Europa. Curioso, não?
Mas como estava ali, em uma cidade de colonização holandesa e essa sobremesa consta nos cardápios das várias confeitarias existentes por lá, vou deixá-la pegar carona nesse meu artigo – afinal, quantos de nós sabia da origem brasileira dessa torta?
Achei que finalizaria aqui. Mas, aprofundando mais a minha pesquisa, tive uma nova surpresa. Sabe aquela sopa de ervilha que a gente está acostumado a ver por aqui nas festas juninas ou naqueles dias frios? Pois é, ela tem origem holandesa. A ERWTENSOEP é tradicionalmente consumida na Holanda no inverno, já que em um país que possui as quatro estações bem definidas, as próprias refeições acabam por serem sazonais. Porém, tirando um ou outro ingrediente mais específico, como as salsichas holandesas – que substituímos pela linguiça calabresa – ela é bem parecida com aquela que fazemos habitualmente.
Então, ao chegar em casa, pra comemorar esses dias de intenso mergulho na cultura holandesa, ainda que estivéssemos em um outono com cara de verão, não poderia deixar de fazer uma sopinha de ervilha na faixa…
Nossa viagem pela culinária típica holandesa acaba aqui.
Mas gostaria de aproveitar pra fazer um pequeno desabafo – e peço, sinceramente, que me perdoem por isso. Não queria ocupar linhas desse meu artigo, que trouxe um panorama bem legal de Holambra, de sua festa e de uma gastronomia autêntica, com lamentações…
Eu tinha a intenção de gerar um novo texto aqui pra meu cantinho do ARTECULT e não utilizar o finalzinho deste aqui pra isso. Afinal, na volta ao Rio, a gente ainda iria parar na 41ª FESTA das FLORES e MORANGOS de ATIBAIA, município no estado de São Paulo, localizado a uma altitude de 803 metros acima do mar, sendo uma das onze cidades (a mais populosa!) que integram a Região Imediata de Bragança Paulista. Ou seja, havia uma legítima expectativa de encontrar um evento em que tivesse diversas aplicações gastronômicas pra estrela da festa. Pensei eu que, numa festa assim, deveria haver uma grande diversidade de pratos doces e salgados, demonstrando todas as possibilidades – e versatilidade – do produto. Ora, era uma festa de flores e morangos, e certamente haveriam diversas iguarias utilizando-se desse insumo específico. Possibilidade real pra mais um artigo da minha coluna…
Eu pretendia. Mas não vai ser possível fazê-lo, pois não houve como obter material suficiente pra isso, infelizmente.
E vou explicar.
Inicialmente, parecia que eu estava numa festa japonesa. Músicas típicas, comidas, stand de produtos, tudo – TUDO! – japonês. Até então eu não sabia, mas pesquisando descobri que Atibaia é uma das maiores colônias japonesas do estado de São Paulo.
Tinha bacalhau, joelho de porco, takoyaki, guioza, tempurá, yakisoba, temaki … E o morango, cadê? Procurei, e procurei, e procurei. Pra quem achou que iria encontrar risotos de morango, medalhões de filé mignon ao molho de morango etc e tal, tive que me contentar com umas pequenas barracas ao fundo do evento vendendo as frutas, duas outras vendendo alguns doces sem grande elaboração, um moti japonês e, depois de muito garimpar, uma cerveja de morango. E só.
Acho que, se a festa fosse apenas das flores, estava tudo certo, havia um grande galpão delas lá. Mas ter inserido o morango no título causou a falsa impressão de que ele estaria mais presente do que realmente esteve. A Administração Pública, responsável pela organização, poderia rever esse conceito e trazer para a próxima edição o personagem principal que faltou…
Mas ele está lá. É só usar.
Fico por aqui.
Até nosso próximo encontro!