Fiquei matutando aqui com meus botões sobre qual seria o tema do meu novo artigo pro ARTECULT. Depois de longas e acaloradas discussões entre meus neurônios, entre um gole e outro de St. Remy, resolvi que escreveria sobre alguns pratos exóticos – aqui, entendido como aqueles que se utilizam de ingredientes não tão comuns assim – de diversas culturas e continentes, entre os que já experimentei ou que tenho vontade de experimentar – sem esquecer, por certo, daqueles que não me atraem ou que passaria longe…
A lista é enorme – como é enorme a diversidade dos povos nesse nosso mundão – e, por isso, limitar-me-ei àquelas iguarias mais conhecidas ou não tão exóticas assim, desconsiderando coisas como morcegos, caranguejeiras, macacos, cachorro e afins…
Vou começar com a minha primeira lembrança de algo diferente.
Vez ou outra, meu pai chegava trazendo da rua uns gomos escuros, que eu pensava ser linguiça. Ele ia pra cozinha, pegava uma panela, fritava e dava pra gente comer… Tinha uma versão adocicada, com erva-doce, e outra salgada. Como sempre fui uma criança sem qualquer tipo de frescura, principalmente quando o assunto era comida, não me furtei a experimentar e realmente eu adorava aquele prato feito com sangue de porco coagulado, gordura e especiarias. Lá na minha Itanhandu, nas Minas Gerais, a gente chamava de CHOURIÇO. Mas ela tem outros nomes por aí, como morcilla (em espanhol), morcela (em português), chouriço de sangue, black pudding, blood pudding, entre outros.
Quando estive em Buenos Aires, percebi que eles, assim como os uruguaios, se utilizam da morcilla juntos aos assados na parrilla, servindo como um aperitivo pro churrasco. Comi uma parrillada e experimentei esse prato, de origem tipicamente espanhola – ou teria sido criado na Grécia antiga? Há controvérsias… – na esperança que fosse parecido com a da minha infância, mas não tinha nada a ver. Absolutamente nada. Dei uma mordida e só, não consegui engolir… Tudo bem, vale aqui o benefício da dúvida: ainda preciso experimentar mais uma vez pra cravar meu veredito, mas até lá, fico com aquele servido por meu pai…
O próximo da lista eu só experimentei depois “velho” e ele nos traz a ideia de algo requintado, mais elitista. Trata-se do FOIE GRAS – em francês significa “fígado gordo” – que é o “fígado de ganso ou pato que foi forçosamente alimentado à exaustão, o que levou à hipertrofia lipídica do órgão”, em um método conhecido como gavage (os animais são forçados, através da inserção de um tubo em suas gargantas, a ingerir uma quantidade enorme de alimentos, duas a três vezes por dia) e, por isso, o alimento é proibido em mais de 15 países. No Brasil, há acalorada discussão acerca do tema, inclusive com trâmite de projeto de lei que proíbe definitivamente o comércio do produto no país. Porém, controvérsias à parte, restringir-me-ei à iguaria, considerada prato de luxo, já que possui preço bastante elevado.
Como moro no Rio de Janeiro, estava com dificuldade de encontrar. Até que meu amigo Rafael Sampaio (@rafasampaio) me indicou a ANTENOR e FILHOS (https://www.antenorefilhos.com.br/), empresa localizada em Itaipava, na Região Serrana. Encomendei o foie gras, juntamente com magret de pato, e fiz meus experimentos.
Seu sabor é suave, levemente amargo e, por conta da gordura, amanteigado, com textura muito macia. Interessante imaginar que o foie gras é consumido desde a época do Egito Antigo… Como será que descobriram que, utilizando-se da técnica de engordar aves migratórias, o fígado das aves ficava mais saboroso?
Um dos pratos mais conhecidos – um verdadeiro clássico da culinária francesa! – que se utilizam do foie gras como ingrediente do preparo é o Tornedor Rossini, criado pelo chef Marie-Antoine Carême (embora haja quem atribua a Adolphe Dugléré ou, ainda, ao chefe do Hotel Savoy, Auguste Escoffier), em homenagem ao grande compositor italiano do século XIX, Gioachino Rossini.
Claro que fiz minha versão – infelizmente, não deu nem tempo de registrar a empreitada em fotos. Mas , não me fiz de rogado, e desafiei o chef e amigo ANGELO COSTA, do Restaurante SECRETO (@secretonogueira), localizado em Nogueira, também na Região Serrana do Rio de Janeiro, e que já foi tema de um delicioso artigo aqui no portal (http://artecult.com/restaurante-secreto/) a fazer o prato. E ele aceitou o desafio e desincumbiu-se da tarefa com perfeição, como se pode ver na live que ele gravou do momento: https://www.instagram.com/p/CKsDOgpnWVO/ .
Segue a foto, pra abrir o apetite…
Outro prato exótico que posso, facilmente, incluir na minha lista é o CUY, que experimentei em Cuzco, no Peru. Trata-se de um porquinho da Índia, nativo da região andina da Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, sendo este o país com a maior população e consumo do animal, com uma produção anual de 16500 toneladas de carne. E esse alimento é tão importante para os peruanos que eles até instituíram, na segunda sexta-feira do mês de outubro, o Dia Nacional do Cuy.
Confesso que experimentei, mas não repetiria. Talvez minha pequena aversão se deva pela forma com que ele é apresentado nos restaurantes, como se pode ver na foto. Dá pena, ainda mais tendo a lembrança de quão fofinho é o porquinho da Índia…
Já disse – e repeti – inúmeras vezes, até em rede nacional no programa da Ana Maria, que como de tudo, sem frescura, até pedra! Porém, essa verdade talvez não seja lá tão verdadeira assim. Pratos como a aranha frita no Camboja, o ovo fecundado no Laos, a omelete de bicho-da-seda na China, a sopa de cachorro na Coréia e arredores, insetos diversos, as frutas malcheirosas como o Durian, o queijo podre como o italiano casu marzu, dentre outras esquisitices, talvez refutassem minha máxima. Ah, mas é provável que abrisse uma exceção nas comidas que não provaria de jeito nenhum pras formigas do Alex Atala – mas só se for as dele…
Outros pratos, talvez seja questão de tempo, de oportunidade – e mesmo, de coragem.
Por exemplo, carnes de avestruz, jacaré, javali e rã encabeçam a lista. Já até encontrei onde comprar, visitando o site do BOMBOI MERCADO DE CARNES (https://www.acouguebomboi.com.br/) e vi que eles comercializam esses produtos – e tem entrega em todo o Rio de Janeiro. Falta, apenas, preparar-me psicologicamente e arrumar companhia pra aventura – já que, o pessoal aqui de casa, com absoluta certeza, não toparia… Quem sabe, quando rolar essa “brincadeira séria”, volto por aqui pra contar? Aguardemos.
Mas nosso país, de dimensões continentais, não poderia deixar de ter seus exemplos de pratos assim, digamos, não tão convencionais, né?
Por exemplo, sempre que visito meu amigo (e excelente cozinheiro!) John Kennedy (@johnkennedycosta7) em São José do Campestre/RN, ele me faz uma Buchada de Bode. um prato típico da região Nordeste, embora tenha origem no Maranhão, feito com as entranhas do bode, cozidas em bolsas feitas com o estômago do animal, o que lhe acrescenta um visual pitoresco e característico.
Nessa mesma linha, acho podemos acrescentar alguns outros pratos da culinária do Brasil, como o gongo (bicho-do-coco), a moela, o mocotó, a dobradinha, o caldo de turu e o sarapatel, dentre outros tantos…
Dentre as inúmeras esquisitices que existem por aí, uma delas posso afirmar que talvez seja exclusiva – e estou à caça de informações que me digam que essa iguaria é realmente comida em algum canto do planeta… Trata-se de rim bovino cru.
Vou contar a história: meu pai, quando a gente era pequeno – quando digo “pequeno”, digo antes dos dezoito anos – nos servia uma espécie de “vinagrete” de rim cru, ou seja, colocava rim picadinho – uma parte específica dele – cebola, pimentão, tomate, azeite, salsinha, sal e limão. Ele dizia que era um prato árabe ou sírio, não me recordo, e – acreditem! – a gente adorava. Não tem muito tempo, resolvi pesquisar a existência de alguma coisa semelhante ao que meu pai fazia, pois nunca mais vi ou comi, mas não encontrei nada. Absolutamente nada. Se alguém, souber de algo, por favor, me avisem… Ah, e tinha também algo que ele chamava de “cutelinha”, que consistia em um enrolado (bem enrolado!) de orelha e focinho de porco cozido com sal e temperado com especiarias…
E por fim, pra não me estender demais, vamos falar do ESCARGOT.
Esse bichinho, que causa uma certa estranheza em muita gente, data provavelmente da era Glacial e há a possibilidade de que tenham sido os primeiros animais domesticados pelo homem, por serem inofensivos e de simples manejo.
No que pese haver mais de 6 mil espécies de caracóis, lesmas e caramujos, todos da família de moluscos gastrópodes terrestres de concha espiralada calcária, apenas 12 espécies são utilizadas para alimentação, todas do gênero Helix, e têm o título de ESCARGOT, que em francês significa “caracol comestível”. Seu preço atinge patamares elevados por conta de ser um animal frágil e sensível, com alta taxa de mortalidade fora de condições específicas e leva de seis a oito meses para atingir o peso mínimo de abate.
Quando estive em Paris – e lá se vão mais de dez anos! – por certo não poderia deixar de experimentar um dos símbolos franceses, que permeia o imaginário popular, sempre trafegando entre o exótico e o sofisticado. A indicação era comer os benditos caracóis em Montparnasse, próximo da torre, bairro movimentado, conhecido pelas lojas famosas, creperias e bistrôs históricos. Para lá me dirigi, não sem confessar o pequeno receio que me afligia naquele momento, algo parecido com o que senti quando comi peixe cru pela primeira vez.
O restaurante indicado havia encerrado suas atividades para o almoço – afinal, já era por volta de quatro horas da tarde. Porém, encontramos um outro, na mesma rua, que serviria o prato. Não tive dúvidas e pedi.
Bom, essa experiência não foi lá a que eu queria ter, ou que imaginei, tampouco algo memorável. Comi forçado, pois não gostei do sabor, da textura. Um após outro ia tentando entender porque aquele prato tinha tanta fama… Desisti, antes de terminar.
Anos se passaram, tornei-me um entusiasta da gastronomia e aquela sensação de que deveria dar uma nova chance ao ESCARGOT surgiu em mim. Passei a procurar alguma forma de adquirir o produto, para tirar isso a limpo, até que achei, pela internet, no site da LA PASTINA (https://www.lapastina.com/) uma versão em lata. Comprei e preparei minha própria manteiga de ervas – uma pena que não registrei em fotos – e voilá! Gostei do prato…
Depois, tentei (e tentei e tentei) comprar de novo e não consegui. Há muito tempo – põe tempo nisso! – o site exibe a informação de “produto esgotado”. Alô, LA PASTINA, que tal consertar isso???
Mas algo “enlatado” é sempre algo “enlatado” e, talvez, não representasse bem o sabor do prato clássico.
Foi quando meu primo Cláudio (@claudio_bustamante_carretoni), que é fã da iguaria, me falou de uma empresa localizada em Petrópolis – olha a Região Serrana de novo! – que possuía licença para produção, abate e preparo de escargots, que já tinha tido a oportunidade de experimentar e havia gostado muito.
Trata-se da CARACÓIS INVERNADA LTDA (www.escargotsinvernada.com.br), localizada na Estrada dos Contrões, 4.500 – Posse – CEP: 25770-463 – Petrópolis – RJ – Brasil – escargot@invernada.com.br, primeira agroindústria registrada no Brasil para essa finalidade.
Aí, não tive dúvidas e encomendei, não sem antes convidar meu primo pra uma degustação em conjunto, já que ele, além do contato, também tinha o ferramental necessário pra brincadeira: uma panela e uma pinça próprias para escargots. Ou seja, possuía toda a expertise pra me (re)apresentar a um prato que eu havia, por força de uma experiência não tão bem sucedida assim, relegado ao esquecimento…
Mas não posso, de forma alguma, contrariar meus próprios ensinamentos. Afinal, por quantas e quantas vezes falei e insisti com minha filha de que ela deveria experimentar as coisas e, se não gostasse, tentasse uma vez, outra, e mais outra…
O paladar não é algo estático, imutável, algo que permanece o mesmo durante toda a vida. Não, de forma alguma. Ele muda. E muda muito…
Se não gostamos de algo num determinado momento da vida, em outro poderemos nos apaixonar. Já testemunhei isso, já vivenciei isso, e vivo ensinando assim. E com esse bichinho não poderia ser diferente.
Comprei os Escargots Invernada e eles vieram na concha, já com o tempero – a famosa manteiga bourguignonne, o que torna a experiência em algo mais prático: basta esquentar no forno alto, convencional ou elétrico, por aproximadamente cinco minutos e… Tá pronto.
Segui à risca as instruções e ficou perfeito!
Posso, realmente, garantir que aquela minha primeira (e frustrada) experiência ficou no passado. Gostei do sabor, da textura, da experiência como um todo. Valeu demais não ter desistido de provar de novo o sabor de um prato tão emblemático. Tenho que voltar a fazer isso com o caviar…
Acho demais que possamos ter a oportunidade de ter acesso a determinados pratos que, antes, sequer pensaríamos possível. A iniciativa do empresariado brasileiro, sempre criativo, propicia esse tipo de alternativa. Quando é que a gente pensou que, por exemplo, trufas pudesse ser cultivadas? Sim, elas podem, e o são no Chile, Argentina, Estados Unidos, Uruguai, Nova Zelândia, Portugal, Austrália e, agora, já estão dando os primeiros passos, no Brasil.
Então, o futuro é o limite. A gente agradece.
Bom, esse foi apenas o começo da nossa viagem. Uma pequena amostra da diversidade que nos espera. Por isso, vamos continuar tentando descobrir novos sabores…
Topam?
Até a próxima, pessoal!
Del,
Parabéns pelo artigo . Muito interessante. Se tiver ainda escargot no seu freezer , pode me chamar que levamos o vinho .
Gostei do seu artigo e obrigado pela parte que nos concerne de perto – Escargots Invernada!