Há 23 anos, o bebê na minha barriga, fazendo bagunça no amniótico, enrolou-se no cordão umbilical. Precisou vir pro lado de fora mais cedinho.
Eu estava calma. Sem contrações, indo para a maternidade com tudo organizado. Mala, cesta de lembrancinhas para as visitas, quarto do neném arrumado para a volta. Médica a caminho do hospital. Meu pai comigo para eu não andar sozinha por aí enquanto o meu (ex)marido saía do trabalho para a maternidade.
Nove meses de espera valeram a emoção de ver o rosto da criança que eu amava profundamente. Tirei fotos com os familiares que apareceram por lá. Levei copos para beberem um champagne. A médica franziu a testa. “Menos você”. Claro, eu não. Mas sua chegada não deixaria de ter festa, brinde, palavras de alegria, atmosfera de amor.
Vivíamos separados pelas camadas do meu corpo. Eu sabia que seu chute era bom, que gostava de ser sacudido na barriga, que era avesso às fotos (nas ultrassonografias, punha a mão no rosto, já sinalizando que não seria instagramável, antes mesmo do Instagram surgir).
Sabia que o amaria muito. Jamais imaginaria que, a cada dia, o amaria mais. Sabia que nossa relação era para sempre. Jamais imaginaria o tamanho da nossa parceria. Sabia que precisaria ensiná-lo, jamais que aprenderia tanto com ele.
O que eu sabia era nada.
Vamos ao clichê? Só quando o bebê nasceu, junto nasceu a mãe. Ninguém pode adivinhar os altos e baixos dessa jornada.
Às vezes, a saudade aperta. Aquele neném não existe mais. Atravessamos mamadas, madrugadas insones, primeiras vacinas, cólicas, cheirinhos de talco, banhos no fim de tarde, fraldas cheias, dentes nascendo, primeiros passos. Um dia, me toquei que ele se tornara menino, me escalando, se sentando coladinho, disputando atenção se eu conversasse ao telefone. Lançava-se nos jogos, nas festas, nas risadas. Praticava esportes. Surpreendia com sua sabedoria, sua inteligência emocional, com as tiradas surpreendentes. Amava lagartixas e tartarugas. Desenho animado e histórias para dormir. Lia até álbum de figurinha por gostar de livros. Deixava para a véspera, à noite, os trabalhos de escola. Em dado momento, percebi: já era o adolescente tão amigo dos seus amigos. Que estudava com eles para que se saíssem bem nas provas. Defendia suas idiossincrasias. Amava videogame, torta alemã e comida japonesa. Piano e taekwondo. Nas viagens, gostava de um dia na contramão dos passeios, para aproveitar o local da hospedagem – para ele, nada é correria; ele sempre me ensinou a respeitar o tempo.
Meu filho foi a maior revolução da minha vida. Por causa dele, atravesso a rua na faixa de pedestres. Aprendi a fazer caretas. Mudei meus horários, adquiri outros hábitos. Ele inspira minha felicidade. Para ensiná-lo a ser feliz, precisei ser feliz primeiro. Todos os dias, desde que chegou, me esforcei. Nos momentos de dor – ele sabe, estávamos juntos – nunca deixei de tentar superar, por ele.
É difícil olhar para o rapaz e não enxergar nele a criança que coube em meu colo, não desejar que ainda ria das minhas brincadeiras. Diante de mim, o adulto se impõe. Tem na cabeça estratégias de vida, faz escolhas pessoais. Não precisa da minha carona mas ainda ofereço conselhos. Se não sei de tudo, conheço, de cor, a sua essência.
Passa rápido demais… E, mesmo assim, é absurdamente intenso. O meu mundo é melhor porque o tenho nele.
Que linda declaração de amor, de afeto, de cuidado. Emocionante. Feliz do filho aguardado e mantido com tanto amor.
Que lindo, Ana!!! Parabéns para o seu filho e para vc, por ter construído com ele uma relação tão boa!