Um olhar sobre a história de uma das grandes damas da dramaturgia brasileira. Assim é o livro “Entre Mira, Serafina, Rosa e Tia Neguita: a trajetória e o protagonismo de Léa Garcia”, de Julio Claudio da Silva, que será lançado nesta segunda-feira, 26 de junho, na livraria da Travessa, em Botafogo, no Rio. A obra enfoca aspectos da história do protagonismo negro no pós-abolição brasileiro, a partir de estudos de cunho biográfico sobre a trajetória da atriz, de 90 anos, que já contabiliza 70 anos de carreira.
O recorte cronológico do livro enfoca especialmente o início da atuação de Léa no Teatro Experimental do Negro (TEN), a partir de 1952, sua estreia no teatro profissional em “Orfeu da Conceição” e sua atuação no longa “Orfeu Negro ou Orfeu do Carnaval”, de 1959, que rendeu à atriz o segundo lugar na disputa pelo prêmio de “Melhor Atriz” no Festival de Cinema de Cannes.
Léa Garcia Lucas de Aguiar nasceu no Rio de Janeiro, em 11 de março de 1933. Filha de José dos Santos Garcia e Stella Lucas Garcia, nestes setenta anos de carreira atuou em dezenas de peças de teatro, longas e curtas-metragens e novelas de televisão.
Com expressão e olhar marcantes, Léa protagonizou uma das mais conhecidas antagonistas da televisão brasileira: a escravizada Rosa, em “Escrava Isaura”, uma das novelas mais reprisadas da teledramaturgia brasileira e exibida em mais de oitenta países. A atriz tornou-se conhecida internacionalmente com a atuação em seu primeiro filme, Orfeu do Carnaval (1959), dirigido por Marcel Camus.
Atualmente, Léa segue na ativa arrancando aplausos do público e elogios da crítica. Em 2022 percorreu os palcos de Rio de Janeiro e de São Paulo, com a peça “A Vida Não é Justa”,dividindo a cena com Emiliano Queiroz. Está no elenco do filme “O Pai da Rita”, que estreou em 2022, e grava a terceira temporada de “Arcanjo Renegado”, da Globoplay.
Ruptura e protagonismo
O livro “Entre Mira, Serafina, Rosa e Tia Neguita: a trajetória e o protagonismo de Léa Garcia” analisa as memórias públicas sobre a trajetória profissional da atriz através dos registros acerca das montagens dos espetáculos do Teatro Experimental do Negro e dos trabalhos profissionais nos quais Léa Garcia atuou. O acervo documental analisado é constituído por entrevistas concedidas ao autor, entrevista publicada em livro e matérias publicadas em jornais e revistas.
A obra analisa o protagonismo e a contribuição histórica de Léa Garcia, uma mulher negra egressa do TEN, a atriz de teatro, cinema e televisão, para o processo de criação e ampliação da presença de atores, personagens e temáticas negras nos palcos teatrais e telas de projeções dos cinemas.
“Ao mesmo tempo, o livro ilumina o universo das artes cênicas como lugar privilegiado de observação do racismo, do seu enfrentamento e de exercício de agência por parte de sujeitas e sujeitos históricos capazes de protagonizarem rupturas com padrão de exclusões ao construírem suas carreiras profissionais, na década de 1950”, afirma Julio Claudio da Silva, professor da Universidade do Amazonas e autor também do livro “Ruth de Souza – Uma Estrela Negra no Teatro Brasileiro”, lançado em 2015.
Carreira
Lembrada até hoje por sua vilã, Rosa, em ‘Escrava Isaura’, de 1975, Léa Garcia começou a carreira muito antes, nos palcos. A jovem, que sonhava em ser escritora, foi incentivada a subir nos palcos pelo dramaturgo Abdias Nascimento. Sua primeira peça foi “Rapsódia Nedra”, em 1952, encenada pelo Teatro Experimental Negro. Um dos espetáculos de destaque no início da trajetória profissional foi “Orfeu da Conceição” (1956), de Vinicius de Moraes, que teve sua estreia no Teatro Municipal, no Rio, com cenários de Oscar Niemeyer.
A estreia na TV foi na TV Tupi, na década de 1950. Na emissora, participou do programa ‘Vendem-se Terrenos no Céu’, em 1963. Na TV Rio, atuou em ‘Os Acorrentados’ (1968), de Janete Clair. O convite para trabalhar na Globo aconteceu em 1970, onde atuou em ‘Assim na Terra como no Céu’. Na trama, viveu Dalva, empregada do personagem de Jardel Filho. Ele inventa que ela era uma princesa de Tobocobucu e passa a frequentar as festas dos grã-finos acompanhado da empregada. Depois, fez ‘Minha Doce Namorada’ (1971) e‘O Homem que Deve Morrer’ (1971).
Em 1972, a atriz foi convidada para viver Elza, uma secretária em ‘Selva de Pedra’, novela de Janete Clair que teve bastante sucesso. “A novela tinha um enfoque muito forte, o drama da Dina Sfat com a Regina Duarte. A Regina era a ‘namoradinha do Brasil’, sempre muito querida pelo público, e a Dina também era querida, uma atriz forte”, disse em entrevista ao site Memória Globo. Depois veio novelas como ‘Os Ossos do Barão’ (1973) e ‘Fogo Sobre Terra’ (1974).
Mas foi em ‘Escrava Isaura’, em 1976, que Léa Garcia viveu seu grande desafio na pele da vilã Rosa. Apesar da consagração e do reconhecimento do público e da crítica, o papel também lhe rendeu alguns problemas. A atriz chegou a sofrer violência física de pessoas que não conseguiam separar a personagem da vida real. “Escrava Isaura é o meu cartão de visitas. Tive muitas dificuldades em fazer cenas de maldade com a Lucélia Santos. Eu me lembro de uma cena em que, quando a Rosa acabou de fazer todas as perversidades com a Isaura, eu tive uma crise de choro, me pegou muito forte. Chorei muito, não com pena, mas porque me tocou”, lembrou em entrevista à Globo.
Seus trabalhos mais recentes na Globo foram em ‘A Viagem’ (1994), ‘Anjo Mau’ (1997 e 2016), ‘Êta Mundo Bom!’ (2016) e ‘Mister Brau’ (2017). Na TV Manchete fez ‘Dona Beija’ (1986), ‘Tocaia Grande’ (1995) e ‘Xica da Silva’ (1996). Na Record atuou em ‘Cidadão Brasileiro’ (2006), ‘Luz do Sol’ (2007) e ‘A Lei e o Crime’ (2009).