Às quartas – Ser feliz sozinha

 

“É impossível ser feliz sozinho”, diz aquela música do Tom. O senso comum, quando associado ao feminino, é incontroverso socialmente. Mesmo pras gerações que vieram depois da revolução sexual, lei do divórcio e cresceram alimentadas por discursos feministas poderosos.

Experimente dizer numa mesa de amigos que vive feliz sozinha. Duvidarão de você. Mulher, pra ser feliz, precisa amar. Seu par, seus filhos, o sonho de um lar. Se aceita a solidão, talvez não tenha autoestima. Ou minta pra parecer poderosa e esconder os fracassos. Por amizade, alguns oferecerão o apoio que você não pediu: “tudo bem, logo o amor chegará”. Outros pedirão a concessão que não quer dar: “você é exigente, precisa ceder”.

Ceder a quê, a quem, por quê, se nem há negociação em jogo? No julgamento alheio, solitárias são desafortunadas ou intransigentes. Para os caretas, mal amadas. Problemáticas.

Alguma amiga modernosa, em apoio, dirá “está certa, exija respeito”, misturando críticas aos homens. Como se a solitude fosse troféu na batalha entre sexos ao invés de sinal de crescimento. Não aguente o sexismo às avessas. Tente explicar, confundindo o público cartesiano: mulher merece respeito mas, também, flores e chocolate; pé no chão e fantasia. Precisa de amor e, na mesma proporção, entregar-se. Paradoxos não excluem mas abrigam opostos.

Foto: Ethan Hoover em Unsplash

Mesmo boas histórias a fazendo sorrir, desconfiarão de alguma amargura. Justamente quando você conquistou leveza. Se um amor quiser ficar, aceitando o equilíbrio entre suas melhores virtudes e seus piores defeitos, você haverá de abraçá-lo. Mas sabendo não existirem vazios onde interesses ocupam espaços. Se nada acontecer, você permanecerá confortável na repetição dos hábitos rotineiros.

O problema não é você, apesar do que dirão por aí. É aquele que a quer, procurando dar um jeito na própria vida. Ou quem pensa em vê-la grata por estar acompanhada no fim de uma noite, após um programa e um papo mais ou menos. Você não precisa aturar. Não há transa nem casa arrumada pra quem não veio dividir alegrias e dores. Eis um segredo: as que enxergam a armadilha são as resolvidas, não as problemáticas.

Quem não sabe viver sozinha entra nas relações em desvantagem. Precisa de ajuda e não percebe. Consente mais do que deveria. Não entende por que você não.  Quem aprendeu a somar-se, sem precisar dividir-se, segue inteira. Pra qual direção o vento soprará, não sabe. Importante é ter chão para caminhar e tempo para reescrever histórias. Ou versos: “É bem possível ser feliz sozinha”.

 

ANA LÚCIA GOSLING

Ana Lucia Gosling (@analugosling)

 

 

Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, no ArteCult, há crônica nova da autora, que integra o projeto AC VERSO & PROSA junto de Tanussi Cardoso (poemas) e César Manzolillo (contos). Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

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