Deixou apagadas as luzes do escritório. Era sábado. Ninguém. Os livros abertos sobre a mesa de Vinícius deixavam uma possibilidade no ar: o irmão voltaria? Se viesse, ao destrancar a porta, teria tempo de refazer-se?
Sentou-se à mesa. Ligou o computador. Digitou, na janela anônima: “justicahistorica.com”.
O site coletava nomes de pessoas que estariam prejudicando os negócios de homens obedientes às leis. O objetivo fora divulgado no grupo de amigos do WhatsApp. Mas no “quem somos” do site estava escrito: “promovemos a investigação de suspeitas de fraudes ou comportamentos suspeitos, denunciados por associados comprometidos com o bem-estar social”.
Carlos pagou um ano de anuidade ao “justicahistorica” para poder denunciar Damião, cujo escritório ficava no andar de baixo, onde muitos dos seus próprios clientes saltaram, por engano.
Carlos pagava impostos, tinha uma família feliz, filhos encaminhados na vida. Mas sua tranquilidade dependia de um certo conforto econômico e o escritório ia mal. A concorrência próxima agravou a situação. Damião oferecia descontos para uma primeira consultoria e contratou uma moça para oferecer café, suco e água gelada no entrada, cativando novos clientes.
Carlos e o irmão não tinham dinheiro para extras nem para promoções. Com os filhos estudando fora, a despesa aumentou na proporção que o lucro do escritório diminuiu. E, agora, Jussara insistia na segunda lua de mel.
Inscreveu o nome do concorrente no site. Uns contratempos distrairiam a atenção do rival, dizia-se. Coisa de uns dois ou três meses, tempo para aliciar alguns clientes de volta, convencia-se. Damião gastaria com bons advogados, ficaria tudo bem.
Mas o fez em segredo. Vinícius o recriminaria. Tinha dito que o site era um véu para ações justiceiras. Temia que se plantassem provas ou se cometessem crimes contra pessoas honestas. Vinícius sempre foi meio revolucionário, distanciado das necessidades da vida comum, mergulhado em utopias.
Carlos protegia sua família. Damião lidaria com o aborrecimento e voltaria a disputar mercado com os irmãos. Era só um respiro. Depois, novas batalhas, em pé de igualdade. Que vencesse o melhor.
Apertou “enviar”. Fechou o computador, selando o segredo. Bebeu uma dose de uísque, ligeiramente ofegante pela travessura. Como um guerreiro, que, pelo bem maior, usa de violência. Como alguém que, em nome da sobrevivência, se inocenta de gestos desesperados.
No fim do domingo, a família se juntou pelo computador, diminuindo a saudade dos meninos. Foi o mais velho quem perguntou ao pai se ele conhecia Damião, por trabalharem no mesmo prédio. Surpreendeu-se. A notícia estava fresca na internet: “Contador é morto. Polícia desconfia de envolvimento com o tráfico”. Carlos sabia que Damião, evangélico, trabalhava na recuperação de drogados. Imaginou Vinícius: “usaram suas qualidades contra ele, como se fossem defeitos; é o que essa gente faz”. Mas Vinícius não saberia. Só Carlos sabia.