Hoje, no projeto AC Literatura Convida, nossa colunista Ana Lúcia Gosling (@analugosling) nos traz a crônica “Construção“, da autora Constance Mannshardt (@constancemannshardt):
CONSTRUÇÃO
Comecei a bem-querer. A intensar. A me apegar. A ternurar. A confiar. Comecei a acolher. A aninhar. A nutrir. A admirar. A coabitar. A solicitar, a aguardar. Comecei a me acostumar, a me deixar, comecei a me zerar, a me ferir, comecei a esquecer os meus desejos, comecei a me descuidar, a desacreditar, a me reprimir e a me abater, comecei a enfraquecer, a me flexibilizar, a me anular e a brigar, comecei a prover, comecei a me incomodar, a atristar, a nublar. Comecei a combalir, a me enfermar e a dolorir. Comecei a minguar, a me perder, a vazar, a escorrer, a escoar. Comecei a querer partir. Sim, comecei a querer. A querer. Partir. Passei a odiar. Te odiar. Te odiei.
Te odiei porque te quis tanto, quis demais conviver com você. Quis tanto te amar e me misturar com você. Quis tanto te apreçar, te cuidar. Quis demais ser seu par. Quis tanto planejar junto, enamorar junto, transmudar junto, estar junto. Ser junto. Quis muito, arrisquei demais. E, claro, te odiei. Te odiei, parti. Te deixei. Odiei.
Odiei não inicialmente, mas com a passagem do tempo, e com a frustração sempre reconfirmada, te indaguei o que buscava e o que nutria. Nada pôde dizer, pois nada buscava e nada via além de si mesmo. Você não me viu, não me sentiu, não me acalentou, não me viveu, não me abraçou, não me amou. E eu odiei, te odiei. Tanto te odiei! Por que acreditei, odiei. Quebrei. Rasguei, sangrei. Doí. Sofri, chorei. Odiei. E finalmente parti.
Parti por que me vi, me olhei. E vi. Vi o que não pudera ver, não quisera ver. Vi que te vi desfocado, te vi num sonho, como nuvem, como miragem, te vi irreal, como desejo, querer. Um querer só meu. Desejo só meu. E para me achar, me reencontrar, me centrar, me cheiar, te odiei, e parti. Tive que te odiar para partir. Te odiei e te deixei. Te odiei e parti. Parti e aqui cheguei.
Cheguei em mim, nos meus dentros, nos meus foras, nos meus cheios e vazios, nos meus inteiros e quebrados. Nos meus quentes, nos meus frios, no eu só, no eu com os outros. Sou eu, assim. Sou toda e sou nada, me permito ser. Me permito não ser. Me deixo ser e me fluo ser. Ser serena. E estou plena, sou com alegria e felicidade. Com choro, saudade, com doídos e amigos, com belezas e feiuras, como gente. Como gente de verdade. Cheguei aqui, cheguei em casa, no meu lugar, no bem-estar. Nem digo que daqui nunca deveria ter saído, pois ao te encontrar, ao te viver, para te entender, te odiar e partir, me entendi e me encontrei. E voltei a acreditar, voltei a investir em mim, a me envolver comigo, a me entender, voltei a me aceitar, a me cuidar e me apaixonar. Por mim. Me achei. E me amei.
Minibiografia da Autora
“Escrevo desde pequena, prazer que nasceu comigo. Sou um mix de sangue alemão e criação no Brasil, o que me deu um rumo, não escolhido conscientemente. Estudei uns anos de Belas Artes, mas acabei mesmo dando aulas de alemão e traduzindo. Hoje sou – com alegria renovada todo dia – tradutora técnica e juramentada. Tendo os filhos batido as asas, me fazem companhia meus gatos e amigos, me distraio cozinhando, para mim, algo mágico. Tão mágico quanto escrever”.
(Constance Mannshardt)
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AC Literatura Convida foi idealizado pelo nosso colunista César Manzolillo (@cesarmanzolillo).
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