O Um, os uns, nós todos. As religiões e a vida – Parte II: Confira a segunda parte do artigo de Carlos Fernando Galvão sobre as principais religiões e seus ensinamentos

Caminhar nas pedras é duro e difícil, mas a fricção do caminhar pode nos trazer luz.
Leonardo Boff, filósofo e teólogo brasileiro

A única coisa que deve nos fazer tolerar a intolerância é a estarmos diante de pessoas intolerantes; o diverso é a riqueza e a beleza de nossas vidas. E além da política, é nos costumes individuais, culturais, econômicos, políticos, ambientais e, por exemplo, nas diferenças religiosas (que influencia diretamente os costumes) que devemos centrar nossos esforços para mudar os rumos que estamos dando a este mundo, antes que ele (o mundo humano, não o planeta, que sobreviverá a nós) acabe. Dando, pois, sequência à pesquisa e aos estudos sobre religiões e cultos espiritualistas pelo mundo afora, vamos, nesta tentativa de valorizar a busca pelo bem, divino ou não, e nesta tentativa, igualmente, de bem viver com as diferenças de percepções, sentimentos e interpretações das coisas da vida, continuar a expor alguns dos pensamentos vivos de outras espiritualidades humanas.

Judaísmo

“YHWH”(Yahveh , também conhecido como “La Gloria”) de Goya (1772). A representação do nome de Deus pela concepção do  pintor espanhol.

Com mais de três mil anos de existência, o Judaísmo, uma das 3 maiores religiões do planeta, é tido como a primeira grande religião monoteísta do mundo: um único Deus é o responsável pela criação de todas as coisas. As outras duas são o Cristianismo e o Islamismo. Tendo como marco histórico original as ideias de Abraão, profeta comum com o Cristianismo e o Islamismo. Para compreender mais corretamente o modo de sentir, de pensar e de agir dos judeus, é necessário retomar o Antigo Testamento. Nele, de acordo com a tradição judaica, Deus, Javé (Yahveh / “YHWH”) ou Jeová, em Hebraico, teria realizado um pacto com os hebreus, que seriam o povo eleito e, portanto, escolhidos para desfrutar da terra prometida. O pacto teria sido firmado com Abraão e com toda a sua descendência, por volta, estimam alguns, de 1.800 a.C. Com isso, ele abandonou a religião politeísta para viver na terra prometida, chamada de Canaã, atualmente conhecida como Palestina, o que, segundo a história judaica, só teria acontecido através da liderança de Moisés, que teria conduzido o povo hebreu, do Antigo Egito, à Canaã e, modernamente, teria voltado a acontecer em 1948, com a criação do Estado de Israel, nome que, dizem estudiosos, seria derivado do terceiro patriarca bíblico, Jacó, que seria filho de Isaac e quase foi sacrificado. A derivação também pode ter vindo de seu irmão, José; ambos teriam se originado as 12 tribos que compuseram, diz a História, a origem dos hebreus.

Tal como no Islamismo, houve ramificações, originadas por formas diferentes de interpretar as sagradas escrituras judaicas. Há os judeus que seguem à risca a Torá, de modo literal e eles compõem os chamados Ultra Ortodoxos e há os judeus que entendem as escrituras como uma referência que deve ser lida e interpretada, alguns dos quais são tidos como Ortodoxos e há judeus ainda mais flexíveis, mais seculares, por assim dizer, que recebem classificações diversas. Diferente do Cristianismo, o Judaísmo, tanto quanto o Islamismo, é uma religião não missionária, ou seja, não busca, na sua essência, a conversão de novos fiéis. Pelo contrário, possui caráter familiar, com a descendência matriarcal, sendo este o principal núcleo onde ela se preserva e se propaga. Para o povo judeu, as revelações feitas diretamente por Deus estão reunidas nas escrituras sagradas, supostamente escritas por Moisés. O livro divino recebe o nome de Torá ou Pentateuco (que também é um livro sagrado para os muçulmanos e para os cristãos) e é composto pelo Gênesis, pelo Êxodo, pelo Levítico, pelo Números e pelo Deuteronômio (esses livros compõem o Antigo Testamento Cristão).

Catolicismo

O Cristianismo, tanto quanto o Judaísmo e o Islamismo, é uma religião baseada na crença em um único Deus, que não possui um nome específico, neste ponto, diferindo das outras duas grandes religiões monoteístas aqui referenciadas. Deus é o responsável pela criação de todas as coisas e compõe o que os Católicos chamam de Santíssima Trindade, junto com Jesus Cristo e com o Espírito Santo. É a religião com o maior número de fiéis em todo mundo. O termo “cristão”, de origem hebraica, significa “ungido por Deus”.

A Santíssima Trindade, um dos dogmas do Cristianismo.

A história do Catolicismo começa com a ascensão de um carpinteiro, cujo nome hebraico era “Jeshua”, mas que, na tradução para o Português, conhecemos como Jesus, o qual recebeu o título de “Cristo”, o ungido por Deus. Nascido em Belém, aldeia localizada na Judéia (território atual de Israel), Jesus foi considerado, por sua pregação, por seus seguidores, como o filho de Deus, tendo, segundo a história narrada no Velho e no Novo Testamento, encarnado na Terra para trazer ensinamentos fundamentados no amor por Deus e ao próximo. Jesus, homem igualmente sagrado para Judeus e Muçulmanos, porém, tido como apenas mais um de seus profetas, teria encarnado, para os católicos e morrido na cruz para nos remir dos pecados. Sua condenação e morte aconteceu por ordem de Pôncio Pilatos, governador da Judeia. Conta-se que sua ressurreição aconteceu três dias depois de sua morte, acontecimento que mais tarde deu origem à Páscoa Cristã, época do ano em que se comemora o renascimento de Cristo.

A história de Jesus na Terra é contada na Bíblia, o livro sagrado do Catolicismo. O Novo Testamento, embora baseado no Antigo Testamento e dele lance mão a doutrina cristã, é composto pelos Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Também devem, os cristãos, observar o contido nos Salmos, livro com cânticos e poesias que remontam, segundo dizem, à época do Rei Davi (sendo também observado pelos judeus e pelos islamitas). A palavra Evangelho pode ser traduzida como “boa nova”, que seria a chegada de Jesus na Terra e a lembrança de seus ensinamentos.

O Catolicismo, dada a questão das interpretações a que aludi anteriormente, tanto quanto no caso judeu e muçulmano, se divide em algumas vertentes que têm suas particularidades a respeito de alguns pontos fundamentais: Igreja Católica, Igreja Ortodoxa (Russa e Grega, basicamente) e Igrejas Protestantes (sendo que esta última vertente, que sempre foi bastante subdividida, baseadas em Luthero e Calvino, já de algum tempo, vê no evangelismo, pentecostal e neopentecostal, suas correntes de maior crescimento).

Protestantismo

O alemão Martinho Lutero, o religioso católico que deu origem à Reforma Protestante.

Até meados do século XVI, na Europa Ocidental, a religião predominante era o Catolicismo, mas havia pessoas, de dentro da Igreja Católica Apostólica Romana que não estavam satisfeitas com ações como a venda de indulgências (perdão pelos pecados) ou com o fato de a Igreja ter muitas terras e pregar a pobreza do seu “rebanho”, chamando os lucros auferidos de operações financeiras e/ou econômicas, de avareza e condenando-os como pecado. Especialmente, membros na nascente burguesia comercial e envolvida com a descoberta de novas rotas marítimas e terrestres, que lhes traziam muitos lucros. Assim, por motivos basicamente econômicos e financeiros, menos por questões ideológicas ou muito menos, teológicas, nascia o movimento protestante, liderado, em seus primórdios, pelo monge alemão Martinho Luthero que chegou a escrever um tratado com 95 teses contra a Igreja Católica e o então Papa, João XXIII, acirrando, deste modo, o embate, já emergente, entre a Igreja e o Estado Monárquico, que financiava, por exemplo, as grandes navegações. E, ontem como ainda muito, hoje, quem controla o “divino”, controla boa parte da vida mundana.

Assim, as divergências entre Católicos e os recém nascidos Protestantes foi bem menos de exegese bíblica do que divergência por interesses comerciais. Esse processo histórico ficou conhecido como a grande Reforma Protestante. Apenas para não deixar passar em branco, a Igreja Católica iniciou, com o Papa Paulo III, a sua Contra-Reforma, cujo marco histórico foi sacramentado no Concílio de Trento. Neste último, o Papa foi ratificado como o vigário de Cristo, representando-o na Terra, o que fazia, como faz, até hoje, dogmaticamente, com que os católicos interpretam a figura papal como infalível e essa foi uma das principais discordâncias dos Protestantes. Para estes últimos, quem lidera a Igreja não é nenhum representante terreno e mortal, mas o próprio Cristo; eles não reconhecem a autoridade apostólica do Papa. Outras diferenças entre Católicos e Protestantes: estes acreditam que as obras das pessoas, em vida, não se constituem no veículo para a salvação da alma, mas sim o seu resultado; já os católicos, acreditam que a obra de vida é o que salva o espírito; os católicos acreditam no purgatório e no inferno, mas para os protestantes, ao morrermos, vamos direto para o céu, para sermos julgados por Deus, embora ambos acreditem que a fé em Cristo é o grande meio para a salvação espiritual e que os incrédulos passarão a eternidade no inferno.

Evangelismo

Existem várias denominações protestantes, como os Batistas e os Adventistas, mas por conta do enorme crescimento dos assim chamados “evangélicos” no Brasil, optei por fazer uma pesquisa rápida, em separado, apenas como um pequeno acréscimo do acima escrito. Basicamente, este tópico traz a diferença, importante para entendermos, sociologicamente, as denominações ditas evangélicas, entre os grupos Pentecostais e os Neopentecostais. A palavra “pentecostes” vem do grego arcaico e descreve a festa judaico-cristã de comemoração da descida do Espírito Santo, dos céus para a Terra, que iluminou os seguidores desses credos; é, basicamente, a ideia do Batismo. Os grupos que têm nesta ideia, o seu foco ideológico-religioso, são tidos como grupos pentecostais, como os dois mencionados logo no início deste parágrafo. Contudo, ao longo do século XX, outro grupo, sem desprezar o pentecostalismo, a ele adicionou a ideia chamada de Princípio da Doutrina da Prosperidade, no que ficou conhecida como a Terceira Onda do Movimento Pentecostal e esta foi o início do Neopentecostalismo que, de todo modo, compõe o que se convencionou chamar de “movimento de renovação cristã”. Na própria Igreja Católica esta ideia proliferou com os Carismáticos. Este princípio diz que uma vida economicamente medíocre do cristão é sinônimo de falta de fé e, portanto, a crença básica é que a prosperidade econômica da vida do indivíduo, em contrapartida necessária, seria porque ele teria muita fé e seria, deste modo, abençoado por Deus. Além disso, no neopentecostais adicionaram ao repertório de sua fé, crenças como a ação direta de entidade malignas que, possuindo as pessoas, as desencaminhariam, pedindo exorcismos e curas milagrosas.

 Islamismo

O termo árabe “Islam” quer dizer submissão e a aglutinação desta palavra e conceito, com a palavra e conceito, também árabe, “Salam”, que significa paz, forma o nome pelo qual é conhecida esta, que é uma das três maiores religiões monoteístas do mundo (junto com o Cristianismo e o Judaísmo), o Islamismo. O adepto do Islamismo é conhecido como Muçulmano, palavra também vinda do árabe “Muslim, que significa submisso; muçulmano é, pois, o submisso a Deus, denominado, em árabe, pelo termo “Allah”.

A origem do Islamismo remonta ao século VII, quando um comerciante, Muhammad (mais conhecido entre nós como Maomé, 570 a.C. – 632 d.C), segundo conta a tradição, teria recebido a visita do anjo Gabriel (também presente na cosmogonia cristã e judaica) e, deste modo, teria decodificado um conjunto de valores e procedimentos que expressariam a vontade de Allah. Esta visita é comemorada como a Noite do Destino. Esta decodificação, que durou 22 anos, está registrada no livro mais sagrado do Islã, o Corão (“al corão”, quer dizer “o corão”), além de outros dois livros, também importantes para a vida muçulmana, a Suna e a Sharia, além do Pentateuco, obra também seguida pelos Cristãos e pelos Judeus, que o chamam de Torá. Maomé é tido como o último dos grandes profetas de Allah, tanto quanto o teriam sido Adão, Noé, Moisés, Abraão e Jesus Cristo.

Muhammad nasceu em Meca, atualmente uma das cidades sagradas do islamismo. Na imagem o Templo da Kaaba, centro de peregrinação dos mulçumanos.

A pregação de Maomé desagradou as autoridades locais por atacar o politeísmo, e o profeta muçulmano e seus seguidores passaram a ser perseguidos. Maomé mudou-se para a cidade de Medina, onde residiu até o final de sua vida, e esse evento ficou conhecido como Hégira, que se tornou o início do calendário islâmico. Não raro, os muçulmanos são tidos como radicais e intolerantes, o que não é uma verdade absoluta. Quem já se der ao trabalho de ler o Corão ou buscar algumas de seus trechos verá belas passagens de pregação de paz e amor, que podem ser observadas, de resto, em todas as publicações de cunho histórico-religioso, como a Bíblia, a Torá e o Maabharata hindu, dentre muitas outras. Além disso, deve ser evocado o exemplo que o próprio Maomé nos deixou. Uma vez em Medina, o profeta fundou o que pode ser considerado como a primeira república árabe, a Umma, onde havia, segundo historiadores, ampla liberdade religiosa para judeus, cristãos e mesmo para adeptos do politeísmo.

Maomé foi o primeiro Califa Islâmico, ou seja, o primeiro “grande líder”, ao mesmo tempo, religioso e político, das tribos árabes. A partir da sua morte, houve uma encarniçada disputa pelo novo Califado e os muçulmanos se dividiram em dois grandes grupos. Os que reconheceram como novo Califa, um amigo de Maomé, que pregava uma leitura não literal das sagradas escrituras, compondo o que hoje conhecemos por Sunitas e os que reconheceram como líder, um primo de Maomé, que considerava que as sagradas escrituras deveriam ser lidas de modo mais literal, tendo nos Xiitas, seus descendentes.

Até aqui, vimos alguns dos valores e ensinamentos que construíram o nosso mundo, o que costumamos chamar de Cultura Judaico-Cristã-Ocidental; valores que nos são familiares. Mas serão os únicos dignos de serem estudados e seguidos? Na terceira parte deste artigo vamos passear um tanto por princípios que apontam para valores similares na tentativa de construção de um mundo mais justo e fraterno.

 

CONFIRA A PARTE I desse artigo

CONFIRA A PARTE II desse artigo

CONFIRA A PARTE III desse artigo

CONFIRA A PARTE IV desse artigo

 

Carlos Fernando Galvão,
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana
cfgalvao@terra.com.br

 

 

 

 

 

 

 

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Redação do Portal ArteCult.com.   Expediente: de Seg a Sex - Horário Comercial.   E-mail para Divulgação Artística: divulgacao@artecult.com.   Fundador e Editor Geral: Raphael Gomide.  

One comment

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