Henrique Rodrigues: De forma clandestina. Sou filho de família pobre, em que livros são considerados objetos de luxo e, naturalmente, dispensáveis. Nesse contexto, a literatura chegou para mim como chega para tantas crianças, na escola pública. As bibliotecas das escolas públicas onde estudei foram onde a leitura literária espontânea me chegou. E foi delas que, recentemente, recebi o maior prêmio literário: os dois Cieps onde estudei alteraram os patronos das respectivas salas de leitura, que agora levam o meu nome.
HR: Não escrevo todos os dias, infelizmente, em função da rotina de ter um emprego em horário comercial e todas as obrigações da vida ordinária. Tento ler todos os dias, o que já é meio caminho. Reescrever é tão importante quanto escrever, pois o texto é como massa de pão, devendo ser batido, misturado, cortado até ficar no ponto certo. Tenho uns poucos amigos que costumam ler tudo o que escrevo antes de publicar. Faço o mesmo com textos deles.
HR: Vejo a inspiração mais como insight ou ideia, que pode virar um bom texto ou não, dependendo do trabalho que se faça com ela. Mas no geral a motivação é que me move, gerando a necessidade da escrita. Uma encomenda de texto, por exemplo, motiva bastante.
HR: Para mim isso nunca existiu, mesmo porque, quando sento para escrever, é porque alguma ideia inicial já vinha trabalhada na cuca, mesmo que ela seja totalmente descartada depois. Desse modo, a página em branco não me assusta ou assombra.
HR: Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. o romance que parece ter sido escrito para os tempos atuais.
HR: Millôr Fernandes. O maior intelectual brasileiro do século XX.
HR: É o público que mais nos dá retorno, surpresa e energia. Talvez tenha sido isso que acabou me levando a produzir muito para essa turma. Além da grata ideia de que estamos escrevendo para faixas etárias que estão com a mente mais aberta para o abstrato, a criatividade e a transcendência da realidade. Quando há encontros presenciais com esse público, acontece sempre algo muito rico. Em diversas ocasiões, num mesmo evento literário participo de eventos para crianças, jovens e adultos, e é com os primeiros grupos com quem mais aprendo.
AC: Costuma-se dizer que o brasileiro lê pouco. Na sua opinião, até que ponto isso é verdade?
HR: Em termos absolutos, é. Nossos índices de leitura são vergonhosos. Não temos políticas públicas para a valorização da leitura como uma prática cotidiana. O estímulo à leitura se dá de forma mais eficaz com bons profissionais (professores, bibliotecários, agentes culturais), porém isso se dá mais em ilhas de bons resultados, como boas práticas. Em termos gerais, a situação não é boa. O que se vende espontaneamente (fora as compras de governo e adoções de escolas) são obras quase sempre divulgadas por marketing. A literatura brasileira fora do espectro do best-seller é, via de regra, pouco divulgada e, por consequência, pouco lida.
HR: Como quase ninguém vive de livros no país, é preciso ter um trabalho para pagar o feijão com arroz. Trabalho na área da gestão cultural há mais de 20 anos, atualmente no Departamento Nacional do Sesc, cuidando de projetos na área da literatura. Se por um lado é um trabalho basicamente administrativo, por outro é interessante conhecer e atuar mais do lado de dentro do balcão, contribuindo para que a balança da desigualdade cultural fique mais equilibrada.
HR: Tenho alguns livros para sair, voltados para diferentes públicos. E também estou organizando uma antologia de contos com 20 autores de diferentes partes do Brasil, que deve sair pelo meio do ano.
HR: Definitivamente, não existe uma receita certa para quem quer ingressar no mundo da literatura como escritor. Se você olhar para a biografia dos escribas em geral, verá que cada um tem uma trajetória distinta. Pensei em ser escritor aos 13 anos, na escola pública onde estudei, mas meu primeiro livro saiu aos 30, depois de muito estudo e tentativas frustradas. Talvez um conselho seja: estudar bem esse ofício, fazer oficinas, participar de concursos, cultivar seus leitores próximos e esperar as coisas acontecerem. Vale lembrar que o tempo da literatura (e da arte em geral) não é esse tempo vertiginoso e efêmero que o mundo digital tenta nos empurrar goela abaixo: é justamente o contrário.
AC Encontros Literários tem curadoria e apresentação (live) de César Manzolillo (@cesarmanzolillo).
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