Analógico Lógico: Nunca fiz amigos batendo digital

Saudações Terráqueos! Depois de cinco artigos técnicos, resolvi me dar umas férias. Peguei meu Rolls-Royce Ghost e chegando no meu hangar particular, entrei no meu terceiro Learjet e rumei para minha humilde propriedade em Aruba, em uma ilhazinha que comprei a preço de ocasião. Bem frugal.

Eis que, tentando afastar a malemolência que somente o trabalho árduo e cinco abacaxis com sombrinhas coloridas, repletos de piña colada e caviar Beluga Tsar Imperial pode dar, recostei-me sob a sombra desse coqueiro ao som da música caribenha para vos escrever.

Então decidi que o tema de hoje seria uma indagação: por quê, raios, filme? Poderia dizer que o filme é sexy, te faz parecer mais bonito(a) e interessante, que as pessoas passam a te considerar mais inteligente e renovado(a), te dando de 15 a 20 anos a menos, além de te acharem mais alto e musculoso ou gata, dependendo de sua orientação sexual, evidentemente, além de você passar uma aura de conhecimento e sofisticação (bem) acima da média.

Mas, não. Falarei basicamente de como o analógico surgiu para mim e para outras pessoas sexies, bonitas, inteligentes, renovadas, de excelente compleição, gatas ou gostosos e sofisticados (bem) acima da média. Enfin (En français, évidemment)…

Na minha adolescência se fotografava em filme. Simples assim. Porém, tirando-se os realmente fotógrafos ou os amadores avançados, ninguém estava muito preocupado em comprar uma máquina mais poderosa, digamos. A “rapeize” usava mesmo eram máquinas portáteis, hoje conhecidas como point ‘n shoot, tais como a Olympus Trip 35, Konica C35, Yashica ME1, Canon Canonet 28 e por aí vai. Coisas simples e que faziam o arroz com feijão: bater uma foto. As Nikon F, Canon AE-1, Pentax Spotmatic ou K1000 da vida eram pra poucos e até as máquinas médio formato mais antigas, que haviam sido moda eram, geralmente, carregadas pelo moço da loja de fotografia, que as deixava já preparadas em uma velocidade e abertura “faz tudo” para o determinado filme que ele havia vendido pra papi ou vôvi, que só precisavam dar o foco e bater. Isso eu me lembro.

Não era raro uma máquina da família ter batido menos de 10 rolos até se aposentar, sendo colocada em cima do armário. Na minha família e na dos amigos vi várias assim. Hoje em dia, em que todos carregamos câmeras no celular, isso pode parecer lenda, mas é um fato. Fotografia, antigamente, era para três grupos de pessoas: quem precisava, quem gostava e quem podia. Pois era algo relativamente caro e, como sempre, haviam as prioridades.

Logo, a fotografia para a pessoa comum se resumia aos aniversários, festas, passeios… Ninguém tava muito a fim de bater uma foto do almoço, gastar uma grana mandando revelar, pegar daqui a uma semana, pôr num álbum Kasuga e juntar os amigos para ver, já que não haviam mídias sociais. Então a coisa era mais prática. Só se batia o que realmente interessava.

Esse processo em si foi muito bom para refinar o olho pois, como se diz, “quantidade não é sinônimo de qualidade”. E a partir do momento em que você se torna mais criterioso com aquilo que se vai fotografar, você começa a obter melhores resultados. E isso é algo que falta a geração digital que, em meu humilde ponto de vista, se valem da enorme quantidade de fotos que uma câmera digital consegue produzir, para salvarem umas duas ou três. É como se eu tivesse uma metralhadora para acertar uma garrafa. Em algum momento a garrafa será alvejada, mas isso não significa que seja em decorrência de determinada habilidade.

Mas, calma. Não tô aqui metendo o pau em fotógrafos digitais de forma alguma! Conheço vários excelentes e que fazem um belíssimo trabalho. Eu mesmo também bato em digital. Pouco, é verdade. Porém, nenhum deles cai na armadilha da quantidade sobre a técnica. Sacaram o ponto?

Então, o que quero dizer é que a fotografia analógica é um depurador da técnica fotográfica já que, imediatamente, você terá que desacelerar. Com isso você se torna mais criterioso com enquadramentos, com a luz, com o cenário e por aí vai. Pois ao contrário do digital em que você pode bater dez mil fotos numa tarde, no filme você tem de 24 a 36 chances de provar que você é o Rembrandt da película. E estando o filme, hoje, no preço e na escassez em que está, se você é um fotógrafo sério, não estará a fim de gastar rolos e rolos com besteira.

O filme também me traz uma coisa tátil, cinestésica, física, real. Não é um conjunto de bits e bytes que deixo no computador até o próximo vírus. Ele é real. Existe no mundo físico. Seus negativos ou slides podem ser guardados por eras e a foto ser reproduzida a partir deles, indefinidamente. Infinitamente.

O processo quase que alquímico do filme também é belíssimo. Como um ritual, que vem a ser o vídeo de abertura do meu Canal Analógico Lógico, no YouTube. O retirar o filme da embalagem, o abrir a câmera, o colocar o filme na máquina, avançá-lo até o ponto certo, fechar a câmera, testar o foco, selecionar a velocidade e… bater. Aquele “clic” maravilhoso!

Só quem bate com filme sabe das alegrias e das agruras do processo. Do medo da foto maravilhosa não sair, do filme ter arrebentado dentro da câmera, da câmera ter travado justamente naquela viagem, de se ter levado a lente errada ou do filme ter acabado justamente naquela hora…

Sabem… nunca fiz amigos bebendo leite e nem batendo digital, mas já fiz vários batendo com filme. Talvez devido à curiosidade que as gerações mais novas têm de saber como funciona uma máquina analógica e a dos mais velhos de pararem um pouco a louca velocidade vertiginosa que o tempo assume após os trinta e cinco anos ou de se reconectarem às sensações e lembranças boas de um tempo em que tudo era mais lento e mais leve, como uma brisa à beira-mar, na época em que dava para passear com as janelas dos carros abertas, vendo as modas. Além do fato da imagem do filme ser absolutamente linda, suave, cinematográfica e poética.

“Lembranças de uma infância dourada” (Vitor Oliveira) – Rollei Variochrome

A fotografia analógica me encanta, justamente por isso! Por ela ser analógica, análoga, semelhante, similar, equivalente, conforme, parecida, correspondente, assemelhada, par, congênere, afim… igual à vida que ela tão bem retrata e da qual é feita.

Seja das imprevisibilidades, dos testes, dos erros, dos acertos, das alegrias, das tristezas, dos verões e dos invernos, dos estudos, das dedicações e das vontades, dos sorrisos e das lágrimas, dos rios, montanhas e mares, dos nasceres e pores do sol e da lua, das estrelas e das nuvens, dos homens sisudos e das mulheres nuas, das crianças que não param quietas, dos bichos de estimação a correr pelos cantos, dos prédios, ruas e das pessoas, seja em dias claros ou em tempestades de raio, o filme, meus amigos, assim como a vida… é um grande ensaio.

Espero que tenham gostado e aguardo vocês no meu Canal Analógico Lógico, no YouTube! Toda semana um vídeo novo para você que acha que fotografia é bem mais que apertar um botãozinho. Abraço grande e boas fotos!

 

VITOR OLIVEIRA

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Author

Vitor Oliveira é dono de uma visão poética sobre a vida e o mundo que o permeia. Fotógrafo experiente e autodidata, fotografa desde os 10 anos de idade influenciado por seu avô, o pintor paisagista Altamiro Oliveira, de quem, além da pintura clássica, o influenciou no desenho e na literatura, arte que exerce escrevendo romances ambientados no submundo de uma São Sebastião do Rio de Janeiro do final do Séc XIX e começo do Séc XX que não mais existe. Pesquisador de métodos, técnicas e equipamentos fotográficos e colecionador, Vitor Oliveira fotografa principalmente em película, por considerar que, após quase 200 anos de evolução desta forma de arte, esta ainda oferece os melhores resultados, ao depurar a técnica artística, quase que alquimicamente. Sendo um dos únicos fotógrafos de nível mundial a participar, usando filme, no maior concurso fotográfico do mundo, o Sony World Photography Awards, da World Photography Organization, Vitor Oliveira inaugura seu Canal Analógico Lógico!, no YouTube, através do qual procura compartilhar um pouco de uma aprendizagem que nunca finda. Hare Hare! Canal Analógico Lógico! : https://youtube.com/channel/UCom1NVVBUDI2AMxfk3q8CpA Video de abertura: https://youtu.be/N_cuYPi6b4M

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