Protagonistas do especial de Natal ‘Gilda, Lúcia e o Bode’, que vai ao ar no dia 25, na Globo, as atrizes Fernanda Montenegro e Fernanda Torres refletem sobre a mensagem que o episódio levará para o público e endossam a importância do afeto e da união das famílias neste momento. “A mensagem é: resista. Busque aquilo que você acha justo, busque a comunhão humana, estenda a mão. Nós precisamos disso no mundo contemporâneo. Acho que sempre precisamos disso, no passado, no presente e no futuro”, afirma Fernanda Montenegro. Aos 91 anos, a atriz volta à TV como a personagem Gilda, apresentada ao público no episódio ‘Gilda e Lúcia’ de ‘Amor e Sorte’, série que foi ao ar em setembro, na Globo.
Entrevista com Fernanda Montenegro
Fernanda Montenegro – A família teatral existe há milénios, eu acho. Tem o circo, embora esteja, aparentemente, desaparecido neste momento neste país. Tem a comédia Dell’arte (forma de teatro popular que surgiu no século XV, na Itália); os De Filippo, de Nápoles, por exemplo, a família inteira. É muito comum. De repente, Fernando (Torres) e eu viemos para esse setor, para surpresa das famílias, sobrevivemos e já estamos na terceira geração. De alguma maneira, estaremos na criação de personagens, ou fazendo, dirigindo, compondo, gravando, musicando, não tenho dúvidas.
Fernanda Montenegro – A mensagem é: resista. Busque aquilo que você acha justo, busque a comunhão humana, estenda a mão. Nós precisamos disso no mundo contemporâneo. Acho que sempre precisamos disso, no passado, no presente e no futuro. E alinhe fronteira. Acho que é isso. E é isso que a nossa história conta. Terminamos com ‘Feliz Ano Novo’, estamos juntos, apesar de, durante possivelmente os cerca de 40 minutos da história, a gente tenha lutado para chegar a isso. Mas chegamos. Essa é a mensagem do nosso trabalho, de toda a equipe.
Fernanda Montenegro – Tem uma coisa muito bonita na nossa história. O bode não é ‘o’ bode. É um bode. Ele une as personagens; é através dele que tudo vai se completando dentro da história. E tem uma hora em que a Gilda fica na absoluta solidão e tem o bode com ela. O bode é o grande amigo dela. Não vamos pensar esse animal tão bonito e tão fundamental para a procriação das cabras e dos cabritinhos com medo, receio, desprezo. Ele é um animal maravilhoso. Sem ele não nascem mais cabritinhos. E, na minha origem, lá dos italianos, era o grande prato do Natal e da Páscoa. Eu tenho uma grande ligação com o bode. E, por acaso, a minha personagem também. Ela é socorrida pelo bode. Então, ‘Feliz Bode’ para o nosso ano que vem. Feliz Bode.
Fernanda Montenegro – Acho que é o abraço do fim do ano. Esquecer o que houve de podre nesse fim de ano e ter esperança para o outro ano. Se abraçar, se comunicar, se olhar, sair dessa solidão que a quarentena, na qual, desgraçadamente, esse vírus nos pôs. O que eu posso desejar é que essa vacina exista e que a gente possa voltar a se reunir fisicamente, a se abraçar. É uma hora complicada em que estamos vivendo. Mas, no desejo, na mente, vamos viver isso, mesmo que seja no imaginário. Eu acho que os que estão na quarentena, que ainda estão livres dessa desgraça, tem que se abraçar em louvor aos que não estão podendo se abraçar.
Entrevista com Fernanda Torres
Fernanda Torres – A Gilda e a Lúcia representam um pouco a polarização do mundo hoje em dia. Uma é a liberada e a outra é a liberal. E é muito interessante a possibilidade de convivência dessas duas crenças de vida… a Lúcia é a filha careta de uma mãe maluca. Pais malucos, filhos caretas. Pais caretas, filhos malucos. Eu acho que a grande surpresa desse episódio é propor, através do afeto, das relações familiares ou das relações de amizade uma possibilidade de existir um campo comum de interesses onde as polarizações, as radicalidades possam se encontrar, conversar e resolver seus problemas. Em ‘Amor e Sorte’, uma chamava a outra de ‘Direita Guilhotina’ e a outra de ‘Esquerda Carnívora’. Uma demitia, mas era vegetariana. A outra era liberal, mas era louca por um paio, uma linguiça. Então, dentro dessas radicalidades e dessas polarizações, ninguém é ‘nem tanto ao mar, nem tanto à terra’. Ninguém é totalmente uma coisa só. E a Gilda e a Lúcia são isso. E a relação de afeto e amizade, a relação familiar é o que resolve o problema delas. A gente veio de um ano em que muitas famílias racharam por questões ideológicas, pararam de conversar uns com os outros. E a Gilda e a Lúcia são um pouco isso: vamos, através do afeto, nos encontrar aí em algum campo comum de convicção, desarmar um pouco a guarda da sua trincheira ideológica e sentar à mesa para conversar, passar o Natal e desejar um Feliz Ano Novo.
Fernanda Torres – Acho que a Lúcia estava muito feliz com o mundo como ele se encaminhava. Um mercado soberano, uma ideia de que tudo se resume à economia, aos números. Grande parte é verdade. A economia rege muito as nossas vidas. Mas eu sinto que a Lúcia estava feliz com a Bolsa de Valores acima de 100 mil pontos, com reformas passando e, de repente, veio o inimaginável, que foi essa pandemia. E ela, primeiro, se coloca do lado da empresa em que ela trabalha, ela é a favor de demitir as pessoas para salvar a empresa e salvar empregos. Por outro lado, é terrível, cruel essa questão. Não tem jeito, tem que demitir. E agora, para a surpresa dela, ela é incluída na lista das demissões da Covid. Ou seja, essa pandemia, de certa forma, desestrutura o mundo que, para Lúcia, estava bem encaminhado. E ela é obrigada a viver fora da caixinha, a se reinventar e vira uma franco-atiradora do mercado financeiro alavancando operação para ver se faz o dinheiro dela render mais. Acaba perdendo, ganhando… A Lúcia está na corda bamba.
Fernanda Torres – Eu sou de uma família de circo. A gente vai para o set e nem pensa mais nisso, o problema é a cena. A gente realmente não pensa nisso quando está trabalhando. Quando eu estou trabalhando com minha mãe ela é uma colega de trabalho. E o Joaquim (Waddington) entrou numa ponta em ‘Amor e Sorte’, e ele fez uma coisa ótima, ele fez um interiorano, ele compôs sutilmente um personagem e acabou que vingou. O Jorge (Furtado) e o (Antônio) Prata adoraram e falaram: – vamos colocar o Dimas. Aí, o Joaquim virou para mim e disse: “agora eu vou ter que sustentar esse interiorano que eu fiz”. E ele fez muito bem. É engraçado ficar olhando o Joaquim interpretar. Não só o Joaquim, como também o Pedro (Waddington), meu enteado, que já está trabalhando com o Andrucha (Waddington) em ‘Sob Pressão’, já dirige. E mesmo a própria equipe, que dessa vez só tinha atirador de elite, que é toda a equipe que trabalha no ‘Sob Pressão’, a gente trabalha com eles há muito tempo. São uma família estendida minha. Tem horas que eu não vejo diferença entre minha mãe, o Joaquim, o Andrucha, o Pedro e o restante da equipe.
Fernanda Torres – Eu acho que o que o público pode esperar é, mais uma vez, a discussão entre extremos ideológicos que a vida força a chegar a um acordo comum. Mais uma vez, é um episódio que reúne comédia com drama. Esse episódio tem um roteiro com um maior número de cenas. Tem mais cenas, mais diálogos e a gente tinha uma equipe maior também para conseguir dar conta disso. Eu acho que o público pode esperar essa mistura de comédia com afeto, de comédia com drama, uma certa reflexão sobre o mundo em que a gente está, mas com humor e afeto.