Histórias Cruzadas – Análise Do Ponto De Vista Jurídico: Quando as ações valem mais que palavras, as mudanças são consequências

 

A história estadunidense é permeada de contornos raciais, tanto de imposições, como também de resistências. A luta negra é por demais retratada nas “telonas”, sendo comum a narrativa de feitos não convencionais na busca da posição de fala, um meio apto a fazer ecoar a “voz” daqueles que são submetidos ao silêncio. Histórias Cruzadas (2011, Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante) , que está disponível gratuitamente no Telecine Play, mostra a escrita – um livro – como uma ferramenta contramajoritária, expondo ao mundo o drama de vidas ultrajadas pela triste relação de poder oriundas da questão étnica.

The Help (título original) tem como tema o ambiente efervescente dos debates antidiscriminatórios americanos (1962), que tiveram, à época, o revolucionário Martin Luther King com suas pautas civis em prol da igualdade racial. Nesse contexto, Skeeter (Emma Stone), jovem branca e de família nobre, inicia uma produção literária em sua cidade no interior do sul dos Estados Unidos, tendo como fonte material inúmeros contos reverberados por domésticas negras inseridas em um quadro de plena servidão a famílias elitizadas (brancas).

Viola Davis e Octavia Spencer em Histórias Cruzadas (The Help). Copyright : The Walt Disney Company

Tais histórias são, em verdade, confidências sobre situações de extrema injustiça e humilhação na qual tais personagens vivenciam arduamente. Entretanto, apesar do tom dramático e político, tais narrativas não se fecham aos muros do “doloroso”, extrapolando este limite ao serem igualmente compartilhadas situações cômicas e recheadas de humor. Essa mescla faz com que o telespectador passe a exercer o sentimento de empatia de uma forma agradável e emocionante.

O longa também retrata, diante de um quadro de estigmas sociais, não só o preconceito enraizado no estado do Mississipi, mas o incrementa com a pauta da igualdade de gênero. A posição de desprivilegio que as coadjuvantes Abileen (Viola Davis) e Minny (Octavia Spencer) enfrentam as limitam, quase que exclusivamente, a atribuições domésticas e aos cuidados infantis para com os filhos de seus empregadores. Essa tônica – restrição ao mercado de trabalho – não é vivida apenas por estas (apesar de sua maior gravidade), mas também alcança a própria protagonista do filme, que, mesmo com a “benesse” de sua cor, vê-se subestimada em sua capacidade de sucesso na carreira escolhida (escritora).

Em paralelo a este enredo, é possível observar que o trato destinado à doméstica brasileira não se mostra destoante desta construção histórica limitadora e estratificada da mulher. Filmes como Que horas Ela volta? (2015), escancaram esse viés servil entre mulheres – principalmente nordestinas – que passam a praticamente integrar um seio familiar, enquanto realizam afazeres domésticos e exercem funções de babysitter. Apesar do cunho costumeiro do ato, esta categoria só passou a ter uma regulamentação mais acurada no Brasil com a vigência da Lei Complementar 150/15.

Copyright : The Walt Disney Company

Desta forma, definiu-se o empregado doméstico como aquele que presta serviços de forma contínua (pelo menos 02 vezes na semana), subordinada (sob orientação de quem a contrata), onerosa (sob a forma de pagamento de salário), pessoal (sem alternância da pessoa que trabalha) e com finalidade não lucrativa. O último requisito é a característica que distingue o empregado doméstico do convencional (celetista), pois sua atividade não gera lucro ao seu contratante. Assim, os exemplos mais comuns são a (o) cozinheira(o), o (a) motorista da família, o (a) jardineiro (a) ou a governanta, quando prestam serviços para um ambiente residencial, sem existir o intuito de gerar lucro a seu contratante – podendo ser para um família ou não.

No tocante ao direitos destinados a esta classe, é notória a conquista de praticamente a equiparação àqueles previstos na CLT, sendo, portanto, garantido o pagamento do salário mínimo (220 horas de trabalho por mês), 13º salário, aviso-prévio, repouso semanal remunerado, FGTS etc. Percebe-se assim um evidente progresso, uma justa proteção a uma classe que por demais já foi e ainda é explorada (existem exceções) e que é protagonizada, em sua maioria, por mulheres.

Assim, Histórias Cruzadas é tocante, belo e intrigante. A união daquelas que mostravam-se desamparadas e desesperançadas fora uma força motriz capaz de contagiar e mudar vidas em uma escala inimaginável. Basta uma pequena faísca para que a mudança seja instaurada. Que possamos contar histórias dignas de orgulho, seja através da vivência do justo ou pelo menos a luta por seu ideal.

 

DENI FILHO

 


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