Após a má recepção da versão britânica, o ator e criador da série, Ricky Gervais, teve uma nova chance de desenvolver sua ideia de acompanhar os funcionários de uma filial, em Scranton, da empresa Dunder Mifflin, uma revendedora de papel. Mas, dessa vez, inteiramente americana, com um novo e muito bem composto elenco. O resultado dessa versão de “The Office” foi algo extremamente divertido.
Apesar do sucesso da série, na primeira temporada houve diversas escolhas erradas ao compor os elementos para a construção da história e do humor, tentando provocar alguma reação divertida com as atitudes exageradas do gerente da filial Michael Scott (Steve Carell). Dessa forma, ao invés de criar uma atmosfera condizente com a dinâmica do personagem, o resultado foi um ambiente monótono e um pouco depressivo, que se sobrepôs à graça, que acabou ficando em segundo plano.
A série começa a engatar mesmo no início da segunda temporada. Parece que os produtores usaram a primeira como um experimento, enxergando onde erraram e, a partir disso, conseguiram consertar tudo em que falharam anteriormente e destacar bem a comédia. Transformam o ambiente depressivo de trabalho em uma revendedora de papel em algo que consegue prender bem a atenção do espectador, desenvolvendo mais a interação dos personagens entre si, criando laços afetivos, profissionais e até rixas que, por um lado, são levadas na brincadeira e, por outro, são levadas muito a sério, como a dos personagens Jim Halpert (John Krasinski) e Dwight Schrute (Rainn Wilson), a melhor antidupla da televisão. Enquanto Jim se dedica a suas brincadeiras no seu tempo livre, Dwight leva seu trabalho muito a sério, transformando seu emprego em sua vida, já que um dia sonha substituir Michael na cadeira de gerente regional da filial de Scranton. Além de ser um funcionário dedicado, Dwight possui peculiaridades bem extravagantes, misturando seus dotes de fazendeiro ao seu conhecimento pela cultura nerd, junto com sua mania de superioridade, criando um personagem cheio de camadas e vários momentos marcantes no percorrer da série.
Diferente de outras sitcons, “The Office” segue o estilo de falso documentário, onde os personagens sabem que estão sendo gravados, além de ocasiões em que se sentam individualmente para desabafar ou esclarecer algum acontecimento do escritório. Para os personagens, isso serve como um momento só para eles. Para a própria série, serve como recurso narrativo que ajuda o público a contextualizar ou esclarecer alguma situação ocorrida ou que irá acontecer. Alguns dos problemas dessa estrutura de falso documentário são a montagem e o enquadramento das cenas, pois, em vários momentos, a câmera se posiciona em um ângulo em que não seria possível estar naquele ponto, já que existe outra câmera filmando aquele local, quebrando, rapidamente, o conceito que a série quer propor. Além disso, a montagem em alguns episódios mostra o mesmo personagem presente em dois lances diferentes da história. Mesmo que isso faça o público pensar que pode estar ocorrendo em diferentes horários, a montagem não dá essa impressão, parecendo que ambos os momentos ocorrem simultaneamente, não sendo possível que o mesmo personagem esteja presente nesses dois lugares.
Para a história não ficar focada somente na parte profissional, ou seja, em como os personagens trabalham dentro da empresa, o roteiro também mistura, numa ótima dosagem, a vida pessoal de cada personagem. Vemos bastante os traços principais da personalidade de cada um e de como interagem dentro do escritório, seja pelo profissionalismo, pela amizade ou, até mesmo, por laços mais afetivos e românticos, como no caso dos personagens Jim e Pam Beesly (Jenna Fischer). Desde o primeiro episódio, nota-se uma certa afeição entre ambos, mas isso fica apenas na amizade entre eles, devido ao noivado de Pam com outro funcionário de outro setor dentro da empresa. Ao longo da história, depois de muitas idas e vindas, o tão aguardado relacionamento entre Jim e Pam acontece, de modo bem natural e orgânico, sem que os roteiristas e produtores precisassem forçá-lo ou deixassem cair para o exagerado, explorando diversas fases do mesmo, mostrando até uma grande crise que ocorre na reta final da série, o que provoca um grande desconforto no público, temendo que o pior aconteça entre eles.
Em todas as vezes em quem algum personagem se relaciona com um colega de trabalho, acrescenta-se um terceiro indivíduo no intuito de provocar uma traição. Isso é feito de modo inesperado e fora do eixo, o que acaba se tornando desnecessário, já que o desfecho desse conflito é feito de qualquer jeito, como se os roteiristas vissem como algo que não tivesse cabimento devido ao caráter do personagem envolvido. Assim, simplesmente, terminam o conflito como um episódio isolado, sem nenhuma grande consequência ou discussão.
O que mais chama a atenção na série, sem dúvida, são seus ótimos personagens. Cada um trabalha de um jeito que completa o outro, assim como é trabalhar dentro de qualquer empresa, com destaque ao personagem de Carell, Michael Scott. Ele é o gerente sem noção e politicamente incorreto, que considera seu subordinados sua família, sempre os tratando com um afeto bem inapropriado para um ambiente profissional, fazendo graça e piadas bem desconfortáveis, mesmo que com o objetivo de conseguir a admiração e respeito de todos. Mas mesmo passando diversas vezes do limite, sendo insuportável e até infantil quando as coisas não saem como planejava, é impossível odiá-lo, já que acredita mesmo em sua filosofia de vida. Michael mostra que também é capaz de odiar alguém, como no caso de Toby (Paul Lieberstein), o representante de RH da filial, por quem sente um grande desprezo a ponto de sentir ódio e até repulsa por ele. E quase não dá para sentir pena do Toby, já que, apesar da sua expressão de coitado e menosprezado, muitas vezes chega a ser irritante de tão chato que é, além de ele se autossabotar sempre, como se quisesse que as pessoas não gostassem tanto dele, mesmo sendo no fundo uma boa pessoa.
A partir do final da sétima temporada, diversas mudanças ocorrem na série, como a saída de um grande personagem muito querido pelos espectadores. Mesmo sendo repentina, sua despedida foi muito bem planejada, amarrando todas as pontas soltas deixadas por ele. Mesmo deixando uma lacuna de saudades, a série se mantém com a mesma qualidade, sem precisar fazer grandes mudanças. Apesar disso, algumas escolhas foram bem ruins, como a mudança do personagem Andy Bernard (Ed Helms), que funcionava bem como um coadjuvante e que, a partir da oitava temporada, ganha mais destaque e acaba se tornando extremamente caricato, a ponto de parecer uma caricatura mal feita e irritante de Michael Scott. Prova disso é que, quando se ausenta por um breve período, a história engrena mais. Além de não fazer falta, quando volta, sente-se algo negativo e insosso por ele, o que afeta todo o escritório.
Outros personagens secundários como Stanley (Leslie David Baker), Meredith (Kate Flannery), Angela (Angela Kinsey), Oscar (Oscar Nunez), Creed (Creed Bratton), Kevin (Brian Baumgartner), entre outros, funcionam bem, compondo o restante dos funcionários da Dunder Mifflin de Scranton, ganhando algum destaque em um episódio ou outro, quando mostram o melhor de si. Há, também, várias participações especiais de grandes nomes como Idris Elba, Kathy Bates, Will Ferrell, Jack Black, entre outros artistas que marcaram alguma fase da série.
Assim como qualquer série de televisão, existem episódios marcantes que merecem ser revistos diversas vezes e outros chatos, que a gente só quer esquecer. Mas, de uma forma geral, foi uma série diferente, que nasceu do fracasso de outra história semelhante, mas que teve sua segunda chance bem-sucedida, notando-se que a equipe aprendeu bastante com os erros, planejando com cautela cada conflito e situação para criar ótimos momentos cômicos com personagens marcantes e com um desfecho emocionante, que arrancou mais lágrimas do que risadas.
Atualmente, “The Office” está disponível no Brasil na Amazon Prime Video e no Globoplay.
NOTA: 7,5
BRUNO MARTUCI
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