Lá estava a banca, na praça. Pouca gente chegava perto. Curiosos olhavam, sorriam e seguiam adiante, na pressa de suas histórias.
Que banca diferente, comentou a senhora no esforço de tempo. Ei, é pra vender?, o sujeito na bicicleta perguntou, mas pedalou a resposta.
Dois uniformizados, de escola pública, próxima, pararam, olharam com a indiferença de quem já viu de tudo, com a ponta do dedo. Cochicharam e seguiram com seus smartphones na mão.
Pelo meio do dia, hora do lanche, ele apareceu. Não apenas passou por ali empurrando o carrinho de mão, onde repousavam a vassoura e a pá. Estacionou e chegou com a atitude dos que sabem reconhecer uma oportunidade.
Vocês emprestam, né? Olhava de um para o outro, sorridente, um quase imperceptível tremor no lábio superior, de quem joga contra a timidez.
A resposta positiva foi a senha para o mergulho. Pareceu saber exatamente o que procurava. Abria, dava uma rápida olhada, e devolvia à estante. Puxava outro e depois outro, com um olho no relógio, até que achou. Resolveu rapidamente os trâmites e partiu num passo acelerado, entre responsável e infantil. Na ficha aparecia: o nome Miguel, gari, trinta e nove anos.
Dias depois, a cena se repetiu e parte de sua história foi contada. Lia no trem, na vinda e na volta. Nunca em casa. Por quê? Cansaço, filhos e mulher. Mais uma vez, a escolha foi demorada e o critério, se o que fazia era um, foi o mesmo.
Assim, por algum tempo, a cena foi reproduzida como “retakes”, a única mudança era a do objeto retirado e devolvido, carinhosamente.
Naquela tarde, dia da folga, sem o uniforme “marca-texto”, colocou sobre a mesinha uma caixa retangular e apontou, orgulhoso. Finalmente, posso pegar qualquer um agora, não precisa mais ter letras grandes. Posso ler todos. Abriu a caixa e exibiu os óculos de leitura, simples e libertadores.
Demorou mais tempo do que o normal. Explorou orelhas, futucou parágrafos, comentou, perguntou, ouviu. A decisão foi comemorada. Por emoção, o livro foi oferecido como presente. Não. Depois de lida a história é minha, mas o livro é de todos.
Esta é uma iniciativa maravilhosa, que atrai novos leitores, dissemina a literatura e se depara com figuras como o Miguel, e ainda mostram que muito se pode fazer e aprender. Vejam mais em: