LANÇANDO LIVROS DE CELEBRIDADES

Michael Jackson.

LANÇANDO LIVROS DE CELEBRIDADES

 

O mercado editorial é uma fogueira de vaidades. Mesmo que o autor não seja conhecido, ele quer que o seu livro faça um sucesso imediato. “Quantos venderam?” é a primeira pergunta que ouvimos. Mas nem sempre vende rápido. Publicar livros requer uma paciência monástica.

E quando o autor ou o assunto é sobre uma celebridade? Aí a coisa muda de figura, mas, mesmo assim, não é venda garantida. O que garante a venda, então? Vamos ter que elencar um monte de fatores, que também incluem a sorte. O livro tem que estar bem feito e bonito, e tem que cair no gosto do leitor. Tem vezes, que fazemos tudo para ficar perfeito, mas algo pode não dar certo. E aí quem paga a conta é o editor.

O que fazer para um livro “dar certo”? Não basta ter um assunto atraente. Ele pode ser feito da melhor maneira, mas tem que contar com divulgação eficiente, autores reconhecidos (pelo menos entre os seus conhecidos), uma simpatia pela editora (muitas vezes as editoras não são conhecidas), e um boca a boca ativo. Esse é o principal fator de venda. Alguém que fala para outra pessoa sobre o livro que comprou, ou que quer comprar. O efeito é quase imediato.

Já vendi uma edição inteira de 1.000 exemplares de sonetos de Shakespeare sem ter que mexer um dedo. Bastou colocar o livro na livraria. Livros que se vendem sozinhos são os melhores. Mas nem todos os livros são assim, mesmo que se trate de alguém famoso. Famoso, quem? Aí é que são elas. Famoso pra quem. A venda mostrou que gostaram da minha tradução, mesmo não sendo acadêmica.

Mesmo que você capriche na personalidade célebre, as circunstâncias vão dizer se o livro vai vender ou não. Existem boicotes de todos os tipos. Já sofri boicote da imprensa, lançando “A dança dos sonhos”, de Michael Jackson. Também me ofereceram 1 milhão de reais para ceder a tradução, mas não sei por que, o negócio não rolou. Alguém não acreditou que fosse dar certo. Quem sabia que eu estava traduzindo o livro me perguntava: “E ele escreve bem?”

“A dança dos sonhos” também vendeu 1.000 exemplares. Fiquei rica com isso? Não. O retorno de vendas pagou exatamente o que eu paguei à gráfica: R$ 14.000,00, depois de descontar todos os custos. Mas o livro faz sucesso até hoje, e tem gente que ainda não sabe que MJ escreveu um livro de poemas em 1992, que lancei em 2011. A cara de espanto é um assombro.

Lancei “Caymmi e a Bossa Nova”, de Stella Caymmi, numa noite que teve uma longa fila por seis horas ininterruptas. Fiquei rica com o livro? Não. Mas investi todos os meus tostões nele. Até vendi um carro para pagar a gráfica. Bom que o livro vende até hoje.

Livros que a editora investe são incógnitas. Temos que torcer para que a divulgação funcione, sejamos vistos nas redes sociais e, por último, caiamos nas graças dos leitores. Em 24 anos de editora, posso citar vários casos em que “acreditei” no livro. Muitos continuam vendendo, aos poucos, mas vendendo sempre, como “O Corvo”, de Edgar Allan Poe, “Eros e Psique” e “Tabacaria”, de Fernando Pessoa, “A tarde de um fauno”, de Mallarmé e “Últimos poemas de amor”, de Paul Éluard. Este, me perguntaram numa feira de livros quem tinha tido a “brilhante de ideia” de publicar a tradução. Respondi: “Eu”.

Eu sei quanto me custa bancar os meus sonhos e dos autores em que acredito. É uma vida de uma fé inabalável. Para quem publica seus próprios poemas, só a fé explica. Não há contabilidade que dê conta de tamanha fé.

Agora me vejo diante de outra crença. Na verdade, é um mito. Embarcar na publicação de uma autobiografia que relata parte da vida de Raul Seixas só uma fé profunda que me dê a convicção de que o livro se pagará. Ou que eu tenha bolsos fundos para quitar a gráfica.

 

Foto: Divulgação Ibis Libris Editora

 

O mercado editorial funciona ao reverso: temos que bancar antes de vender. Isso é uma fé que nem Deus explica.

 

Primavera de 2025

Thereza Christina Rocque da Motta

 

 

 

 

 

 

 

Colunista ArteCult e editora da Ibis Libris Editora (@ibislibris)

 

 

Author

Thereza Christina Rocque da Motta (São Paulo, SP, 1957) é poeta, editora e tradutora. Foi Jurada de Tradução do Prêmio Jabuti, em 2018. Recebeu a Medalha Chiquinha Gonzaga da Câmara dos Vereadores, em agosto de 2021. Coordena a Ponte de Versos desde 2000, evento incluído no Calendário Oficial de Cidade do Rio de Janeiro, em 2024. Fundou a Ibis Libris no Rio de Janeiro, em 2000. Publicou Joio & trigo (1982), Capitu (2014), Lições de sábado (crônicas, 2015), Minha mão contém palavras que não escrevo (2017), O amor é um tempo selvagem, Lições de sábado Vol. 2 e A vida dos livros Vol. 2 (2018), Poesia Reunida 40 anos (1980-2020), Sheherazade: Novas lendas das 1001 noites e três já conhecidas (2022), entre outros. Traduziu, entre outros, Marley & Eu, de John Grogan (2006), A Dança dos Sonhos, de Michael Jackson (2011), 154 Sonetos, de William Shakespeare (2009), Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll e O Corvo, de Edgar Allan Poe (2020), Mais mortais que os homens, org. Graeme Davis (2021) e A última casa da Rua Needless, de Catriona Ward (2023), vencedor do British Fantasy Award, como Melhor Romance de Terror de 2022.

One comment

  • Querida Thereza, a sua grande experiência como escritora, editora e tradutora é sempre um presente para quem a conhece e ama a Literatura. Está sendo um prazer acompanhar sua nova e rica coluna no Portal ArteCult. Você é uma daquelas pessoas que elevam a Arte ao patamar merecido. Tenho orgulho de ser sua amiga, fã e cliente da Ibis Libris. Parabéns!

    Beijos,
    Chris Herrmann

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