Começou com as propagandas sugerindo compra de meias. Quem é fã de Veríssimo, sabe que estar na lista de meias é mau sinal. Na sua crônica “Presente”, um personagem diz: “você entra na lista das meias quando eles decidem que você não precisa, não merece ou não se interessa por mais nada”. Pois o algoritmo resolveu me oferecer meias: quentes, coloridas, agasalhando os dedos do pé individualmente.
Fiquei intrigada. Semanas antes, era o momento das lingeries e dos vestidos de festa brilhosos, com retoques de glitter digital emulando o brilho da lantejoula. Mas virei a chave para os cinquenta anos: meias! Cessaram os vestidos de festa, a lingerie rendada, os acessórios sexuais e tecnológicos, as sugestões de viagem. A juventude desceu pelo ralo da inteligência comercial.
Piorou. Maquiagem para a pele madura, um jeito fofo para dizer “rosto enrugado”, já que as modelos rolavam o bastão sobre rugas de expressão, comparando o lado direito, iluminado pela base, com o esquerdo, ressaltados os severos sinais da idade. Ansiosa, comprei um bastão para mim, convencida de que o pó craquelaria o rosto no encontro romântico.
O marketing digital, com a empolgação pela descoberta disfarçando a crítica, me apontou uma nova utilidade: a cinta que imprensa todas as gorduras, desde a coxa até embaixo dos seios. A modelo gordinha, linda, cabelos modelados, boca vermelha de sensualidade, puxava a cinta com facilidade e depunha: “me sinto muito mais confortável”. Sinto vontade de acreditar, mas sou gordinha também, conheço os truques, e “confortável” não é bem a palavra.
Nem vou contar sobre a sugestão de calcinhas para o escape de urina. Me recuso. Me mantenho positiva. Ainda assim, hoje, recebi um golpe de morte. O fim da linha. A sensação de que o tempo passou. Os amores não mais chegarão. As luzes não mais me focarão. Estarei no canto do salão, com um cigarro nos dedos enrugados. É chegada a hora de entregar-me. A propaganda constante no meu “feed” começa com o grito animado: “Os quatro estágios dos seios caídos”. Soa como um filme de terror. Mas a voz é alegre, sempre.
Sou do tempo – início de frase de quem já se sente envelhecendo em algum nível – em que se vendiam ilusões de felicidade. Talvez a abordagem do algoritmo nos imponha o etarismo das suas escolhas; os anúncios me chegam, às vezes, como tapas na cara. Se passei dos cinquenta, presume: tenho seios caídos, incontinência urinária, pele enrugada?
Pode não ser verdade. Pode ser. Sendo, posso escolher “deixar estar”. Querer no corpo as cicatrizes de vida. E merecer ser amada, parecer desejável, afinal o desejo engloba, também, outros aspectos.
A persuasão costumava ser mais gentil. Meu avô dizia “todo safado é sedutor”. Assim, acreditávamos no caminho para a felicidade, mesmo havendo escusos interesses por trás das promessas. Hoje, parecem nos forçar a nos sentirmos infelizes. Seria a infelicidade a aposta para o consumo?
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo
Muito expressiva, realmente é assim.
Que bom que gostou, Lia! Beijo grande!