O BRINQUEDO
Eu devia ter por volta de 9 anos de idade na ocasião em que o incidente constrangedor aconteceu. Na época, o mundo me oferecia grandes possibilidades. Morávamos na casa dos meus avós no Alto da Boa Vista. Um terreno enorme… Horta, pomar, piscina, churrasqueira… Meu pai viajava muito. Quando voltava, pra compensar sua ausência, trazia presentes pra mim e pro Henrique, meu irmão mais novo… Quebra-cabeça, ferrorama, banco imobiliário, genius, barraca de nylon pra acampar, walkie-talkie… Foi jogando banco imobiliário que o Henrique descobriu sua vocação pra homem de negócios, isso é certo. Meu avô já havia se aposentado do ministério da guerra e passava grande parte do tempo trancado no escritório batucando sua máquina olivetti. Tinha resolvido que iria se tornar escritor. E pior que se tornou mesmo. Vovó cozinhava bem e adorava inventar receitas. Camarão era sua especialidade. Preparava almoços magníficos com a desculpa de comemorar situações tão irrelevantes como a chegada do outono ou a florada abundante de uma de suas roseiras. Mamãe era a artista da família. Pianista clássica e dona de uma índole sensível, inundava a casa com sua música. Um dia, sem bater, entrou no meu quarto, onde me encontrava deitado na penumbra. Ela acendeu a luz, me lançando em seguida um olhar ao mesmo tempo terno e surpreso. Na cama, ao perceber sua presença, ainda tentei me cobrir e disfarçar. E foi aí que ela me disse: João Francisco, meu filho, você não sabia que o pintinho de um menino não é um brinquedo?
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Arrisco dizer que todo garoto passa por algo ao menos semelhante na vida. Coisa de rapazes em fase de crescimento e conhecimento do corpo. O conto, abordando de forma divertida, não deixa de contribuir para pais e filhos discutirem de forma descontraída esse tema ainda sensível nas famílias mais conservadoras. Muito bacana o conto.