NA CHUVA
Marcelo – marido de Patrícia
Alice – 8 anos, filha de Patrícia e Marcelo
Patrícia – psicóloga, trabalha numa delegacia
Juvenal Cruz do Espírito Santo – pedófilo
Anselmo – delegado
Rosa – tia de Patrícia
Ione – mãe de uma das vítimas
Reunião com amigas da faculdade. Quinze anos de formatura. Na saída, começa a chover. Tempestade. Esqueci a chave de casa. Reviro a bolsa. Não tá. Ensopada na varanda. Esqueci o guarda-chuva. Frio. Vento gelado assobiando. Marcelo, abre a porta! Você tá aí, Marcelo? Pegou a Alice na escola? Aliiiice! É a mesma pessoa, só pode ser ele. O rádio. Desliga o rádio! Não! Aumenta o volume! Falaram o nome dele de novo. Não é um nome comum. Foi preso, tá na delegacia. Quanto tempo faz? Uns 30 anos. Nojento! Asqueroso! Pega a bala, menina, é pra você. Uva, abacaxi e morango. Gosta de hortelã? Vem comigo, lá em casa tem mais. Fica quieta, não faz barulho. Não fala pra sua mãe. Você não vai contar, né? Shhh… Nosso segredo, menina. Patrícia, vem aqui, preciso que você passe na delegacia. Você tem de conversar com as garotas. Com os pais também. Tentaram agredi-lo. Tá todo mundo aqui, muita gente. Da imprensa inclusive. O suspeito se chama Juvenal Cruz do Espírito Santo. Falo suspeito, mas foi ele mesmo, não temos dúvida. Ele tá enrolado. Depois te conto os detalhes. São cinco, todas meninas. Não vou, não posso ir, não consigo. Esse nome… Todas falam basicamente a mesma coisa. Age sempre da mesma maneira. Isso de ficar oferecendo doces e presentes. Estratégia batida, mas são crianças, sabe como é. Depois leva pra casa dele. Setenta e um anos, branco, olhos castanhos, cabelos grisalhos, cicatriz do lado esquerdo perto do nariz, 1,69 m de altura. A esposa morreu tem seis anos. Um troço meio esquisito, acidente de carro, caiu de uma ponte… Sem filhos, netos, parente nenhum pelo que se apurou. Encontramos muitos cachorros e gatos na casa. Patrícia, tá me escutando? Não vou, não posso ir, não consigo. Pega a bala, é pra você. Lá no quarto tem uma boneca beeeeeem grande, assim do seu tamanho. Quer? Sobe a escada. Vai, sobe a escada. A boneca tá te esperando. Em cima da cama. Que nome você vai dar pra ela? Pode escolher o nome. Anselmo, você já conversou com os pais? As fotos, me mostra as fotos primeiro. Anselmo, pelo amor de Deus, esse nome… Repete o nome. Não! Não fala esse nome. Eu sei… Deixa eu ver as crianças, quero falar com as meninas. Quantas foram? Quatro? Cinco? Sete a onze anos? Eu tinha 8. Tinha acabado de fazer 8. Festa na casa da vó. Tema princesas. Eu tinha 8 anos, e a decoração era mundo das princesas, tá percebendo? Ganhei o vestido da tia Rosa. O mesmo vestido vermelho. Tava chovendo muito. Trovoadas. Meu pai ainda era vivo. Raios. Temporal. Anselmo. Porra, você não tá entendendo! Não fico calma, não posso ficar calma. Vem aqui na minha sala. Tem uma mãe muito nervosa, pediu pra conversar com uma psicóloga. Doutora, ele era nosso vizinho, nunca desconfiei. Frequentava a mesma paróquia, ajudava na missa, era amigo do padre… Não tem culpa, a senhora não tem culpa, dona… Como é mesmo o seu nome? A menina também não tem culpa. Anselmo, vou sair um minuto. Quero ver, preciso ver… Olho pelo vidro, não me aproximo. Sei que é ele… Só pode ser. A senhora me dá licença, dona Ivone? Ione? Desculpe. Anselmo, tá chovendo. Fecha essa janela. Tá entrando água pela janela. Sobe, menina, a boneca é sua, comprei pra você. Graaaande, do seu tamanho. Como você vai chamar ela? O nome da boneca, menina? Deixa. Levanta um pouco, só um pouquinho. O vestido. Vai, um pouco, só um pouquinho… Patrícia, você pode me dizer o que está acontecendo? É ele, Anselmo, sei que é. Trinta anos. Está mais velho, mas tenho certeza. Nunca que eu ia esquecer…
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Incrível, César. A gente entra nos pensamentos de Patrícia, volta no tempo e sente o incômodo da lembrança.
É uma narrativa forte e parece que estamos lá.