– Manda a real, vai.
– Como?
– Diz logo: você não me ama mais.
– Não é isso. Preciso de um tempo pra mim.
– “Vamos dar um tempo” é só um jeito de antecipar o “seu tempo acabou”!
– Não fala assim.
– Esse papo, jura? “O problema sou eu, não é você”.
– Mas é verdade. Não estou bem. Voltei pra terapia. Com toda essa pressão no trabalho, o desencarne do meu pai, tantas providências… Preciso pôr a cabeça no lugar.
– Sozinho? “É impossível ser feliz sozinho…” Ah, esqueci, você não ouve MPB. Só conhece artista americano, marca americana. É isso, Cláudio? Sou muito básica pra você? Porque gosto de cachoeira? Porque ando de havaiana?
– Nada a ver. Simplesmente estou sem energia pra… isso. Percebe? Pra dar atenção às necessidades dos outros. Preciso me equilibrar primeiro.
– Mas eu…
– Você é ótima. Não é justo com você. Estar sendo injusto com você, piora minha angústia. Um tempo, Marta. Uma pausa.
– Está bem. Eu entendo. Mas não pensa que sou boba.
– Você verá. Sairemos fortalecidos.
– Mesmo?
– Hum-hum.
– Sou uma pessoa direta. Floreios me confundem. Como quando mamãe me falava “você tem mais recursos do que eu tinha na sua idade” ao invés de falar “você está bonita”.
– E?
– Eu não sabia se estava feia e ela queria me animar ou se estava bonita e ela me elogiava.
– É o jeito dela.
– Você conhece minha mãe, Cláudio. Meio vesga. Nariguda.
– Cruzes, Marta.
– Não é nariguda?
– Um pouquinho mas…
– Não é vesga?
– Achei que os óculos novos suavizaram bastante.
– Ter mais recursos do que uma mulher que, na flor da idade, era vesga e nariguda não é propriamente ser chamada de bonita.
– Por que isso agora?
– Porque gerou dúvida. Porque, se ela tivesse dito “você é linda” ou “até que você dá um caldo”, eu me sentiria melhor do que ouvindo “você tem recursos”. Entende? Sem dar volta! Na lata!
– Não muda de assunto. Já não estamos falando de nós. Estamos falando de… nem sei do quê.
– Estamos falando de sermos sinceros um com o outro.
– Está bem.
– O quê?
– Serei sincero.
– …
– Marta…
– Não diz.
– Estou exausto. Tantas dificuldades… E não dá pra contar com você. Você é carente, me exige muito.
– Eu?
– Agora, por exemplo. Estou dizendo: preciso de fôlego para continuar. Mas estou aqui gastando fôlego com você. Preciso de consolo, mas estou aqui consolando você. Você não tem um problema real hoje, já. Eu tenho. Vários. Meus fantasmas aguardam o silêncio do dia para me assombrarem.
– Você está exagerando.
– Estou cansado, isso sim. Tchau, Marta.
– Assim? Você vai deixar vazio nosso ninho de amor?
– Ninho? Sério? Sem floreio: fui!
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com César Manzolillo