ÀS QUARTAS – Ano Novo sem mandinga

Foto: Myriam Zilles, em Unsplash

Fiquei preguiçosa para as superstições. Mais nova, passava a virada de branco, vestia uma calcinha vermelha, um toque pessoal para encontrar amor. Acendia todas as luzes da casa e, se lá não estivesse, pedia a minha mãe para deixá-las acesas por mim. Romã, lentilha, comida sem animal que ciscasse para trás, tudo no pacote. Os anos aconteceram, com suas emoções próprias. Em ciclos, encontrei e perdi amores, dinheiro, saúde e felicidade, mesmo mantendo os rituais.

Resolvi customizar as simpatias. Conforme o momento de vida, mudavam as cores. Por exemplo, o vestido podia ser vermelho, ao invés de branco, se o amor fosse necessidade maior do que a de ganhar dinheiro, o que me faria vestir dourado (amarelo, sendo branquela, nunca foi opção).

A verdade é que não me lembro da cor vestida na passagem para os anos em que encontrei o amor, fui mãe ou adquiri um bem. Nem quando conheci meus lutos mais profundos. Muito menos nos anos das viagens mais marcantes.

Desencanei. Parei de preocupar-me com cores, simpatias, sintonias. Mantive a primeira oração do ano, após a virada, não por crer que ela definirá os planos de ação do universo para mim mas por, ao elaborá-la, dizer, para mim, o que seria primordial. Se Deus escutá-la, entre o burburinho de bilhões de pensamentos, se um anjo disser “amém”, ótimo! Mas ponho no coração o que, naquele instante, me está sendo mais caro. Levarei o pensamento comigo, talvez o ano inteiro, talvez só alguns meses, se alguma novidade me obrigar a priorizar outro desejo mais urgente.

Não desincentivo ninguém, até por que considero o ritual um lindo gesto de esperança. Na nossa cultura, as simpatias de Ano Novo são uma tradição. Faz-se mandinga mesmo sendo cristão ou ateu. Não é movimento exclusivo de fé; muitas vezes é por alegria, por socialização, por hábito. Mas não dou à “magia” o mesmo peso das decisões e atitudes pessoais.

Foto: Wout Vanacker, em Unsplash

É época de ressuscitar o verso de Drummond: “É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre”. Ou a frase de Chico Xavier: “Crê em ti mesmo, age e verá os resultados. Quanto te esforças, a vida também se esforça para te ajudar”.

Não há milagre de Ano Novo que não dependa da atitude do homem. Da sua abertura ao novo, da sua vontade de mudar a direção, da sua coragem de deixar para trás hábitos consolidados, quando o infelicitam.

Mudar não é mágico, é difícil. Desmonta estruturas, faz abandonar certezas, exige disponibilidade. O bom é que a energia para isso se renova em épocas assim, que nos obriga ao balanço das experiências vividas. O dia 1º de janeiro é só o dia seguinte ao 31 de dezembro no calendário mas é inquestionável que o fim do ciclo nos provoque avaliações e nos inspire resoluções.

Que os seus planos para este ano se realizem! Que o Universo o/a ajude no que a sorte for necessária, mas seja o seu trabalho e a sua atitude a fincarem a bandeira de suas conquistas! Só assim a mágica acontece.

ANA LÚCIA GOSLING

Ana Lucia Gosling (@analugosling)

 

 

 

 

 

 

 

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Author

Ana Lúcia Gosling se formou em Letras (Português-Literatura) em 1993, pela PUC/RJ. Fixou-se em outra carreira. A identidade literária, contudo, está cravada no coração e o olhar interpretativo, esgarçado pra sempre. Ama oficinas e experimenta aquelas em que o debate lhe acresça não só à escrita mas à alma. Some-se a isso sua necessidade de falar, sangrar e escorrer pelos textos que lê e escreve e isso nos traz aqui. Escreve ficção em seu blog pessoal (anagosling.com) desde março de 2010 e partilha impressões pessoais num blog na Obvious Magazine (http://obviousmag.org/puro_achismo) desde junho de 2015. Seu texto “Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais” já foi lido por mais de 415 mil pessoas e continua a ser compartilhado nas redes sociais. Aqui o foco é falar de Literatura mas sabe-se que os processos de escrita, as poesias e os contos não são coisa de livro mas na vida em si. Vamos falando de “tudo” que aguçar o olhar, então? Toda quarta-feira, no ArteCult, há crônica nova da autora, que integra o projeto AC VERSO & PROSA junto de Tanussi Cardoso (poemas) e César Manzolillo (contos). Redes Sociais: Instagram: @analugosling Facebook: https://www.facebook.com/analugosling/ Twitter: https://twitter.com/gosling_ana

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