Fiquei preguiçosa para as superstições. Mais nova, passava a virada de branco, vestia uma calcinha vermelha, um toque pessoal para encontrar amor. Acendia todas as luzes da casa e, se lá não estivesse, pedia a minha mãe para deixá-las acesas por mim. Romã, lentilha, comida sem animal que ciscasse para trás, tudo no pacote. Os anos aconteceram, com suas emoções próprias. Em ciclos, encontrei e perdi amores, dinheiro, saúde e felicidade, mesmo mantendo os rituais.
Resolvi customizar as simpatias. Conforme o momento de vida, mudavam as cores. Por exemplo, o vestido podia ser vermelho, ao invés de branco, se o amor fosse necessidade maior do que a de ganhar dinheiro, o que me faria vestir dourado (amarelo, sendo branquela, nunca foi opção).
A verdade é que não me lembro da cor vestida na passagem para os anos em que encontrei o amor, fui mãe ou adquiri um bem. Nem quando conheci meus lutos mais profundos. Muito menos nos anos das viagens mais marcantes.
Desencanei. Parei de preocupar-me com cores, simpatias, sintonias. Mantive a primeira oração do ano, após a virada, não por crer que ela definirá os planos de ação do universo para mim mas por, ao elaborá-la, dizer, para mim, o que seria primordial. Se Deus escutá-la, entre o burburinho de bilhões de pensamentos, se um anjo disser “amém”, ótimo! Mas ponho no coração o que, naquele instante, me está sendo mais caro. Levarei o pensamento comigo, talvez o ano inteiro, talvez só alguns meses, se alguma novidade me obrigar a priorizar outro desejo mais urgente.
Não desincentivo ninguém, até por que considero o ritual um lindo gesto de esperança. Na nossa cultura, as simpatias de Ano Novo são uma tradição. Faz-se mandinga mesmo sendo cristão ou ateu. Não é movimento exclusivo de fé; muitas vezes é por alegria, por socialização, por hábito. Mas não dou à “magia” o mesmo peso das decisões e atitudes pessoais.
É época de ressuscitar o verso de Drummond: “É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre”. Ou a frase de Chico Xavier: “Crê em ti mesmo, age e verá os resultados. Quanto te esforças, a vida também se esforça para te ajudar”.
Não há milagre de Ano Novo que não dependa da atitude do homem. Da sua abertura ao novo, da sua vontade de mudar a direção, da sua coragem de deixar para trás hábitos consolidados, quando o infelicitam.
Mudar não é mágico, é difícil. Desmonta estruturas, faz abandonar certezas, exige disponibilidade. O bom é que a energia para isso se renova em épocas assim, que nos obriga ao balanço das experiências vividas. O dia 1º de janeiro é só o dia seguinte ao 31 de dezembro no calendário mas é inquestionável que o fim do ciclo nos provoque avaliações e nos inspire resoluções.
Que os seus planos para este ano se realizem! Que o Universo o/a ajude no que a sorte for necessária, mas seja o seu trabalho e a sua atitude a fincarem a bandeira de suas conquistas! Só assim a mágica acontece.
Confira as colunas do Projeto AC Verso & Prosa:
com César Manzolillo
“A verdade é que não me lembro da cor vestida na passagem…” Muito bem pensado e muito bem escrito (isso é sempre, né?). Exatamente isso! Um pouquinho de sorte, mas muito trabalho e atitude certa para que a mágica aconteça. Adorei.
Obrigada, Silvia, pela leitura