Ao seguir nesse ofício, que é ser um profissional do teatro, entenda que as flores passarão longe, ou aparecerão no final de uma estreia, aonde um amigo querido irá lhe acolher com elas. Não é fácil ser artista de teatro, mas quando ele te escolhe, sinto muito, prepare-se e vá!
O teatro é uma droga, viciante, daquelas que te leva ao chão, mas que, ao mesmo tempo, te faz regozijar. Regozijar o quê? A falta de dinheiro? Ou um coadjuvante mudo? É um lance espiritual, essa é a única resposta que consigo encontrar.
E Othon Bastos, aos noventa e um anos, sabe muito bem disso!
Ele não se entrega, ele deixa evidenciado tudo que escrevi. Ninguém entra nesse navio sem saber onde está entrando, certo? Mas mesmo diante de todos os fatos contados, impossível ver Othon Bastos como um dentista em um consultório odontológico, como ele queria ou tentaram fazer que ele escolhesse outra profissão que não fosse atuar.
Ao entrar no teatro Vannucci, as poltronas estavam TODAS ocupadas. Há muito tempo que não vejo isso lá. “Não me Entrego, Não” é uma obra imperdível.
Ao entrar no teatro, o cenário e a iluminação chamaram a minha atenção, o cenógrafo contava a história do artista nas paredes. Um tom rústico, meio avermelhado nos leva a outra época. A palheta de cor escolhida pelo iluminador deixou o cenário ainda mais bem-vindo. Em um momento o desenho de luz foi divinal, quando o ator conta a história do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol” de Glauber Rocha, nos trazendo um efeito sensacional. A luz seguia o movimento do ônibus que estava andando em terra nada plana, no sertão, enquanto Othon e Glauber dentro dele conversavam. Fantástico, eu me senti naquela estrada junto a eles. Detalhe, durante a viagem o artista empresta seu corpo e se junta a esses elementos para trazer mais verdade a cena. Deslumbrei-me!
Quanto aos figurinos, não tenho muito a falar, nada me chamou atenção, também não precisava, estrelas não precisam de roupas.
O teatro não estava lotado, porque um artista veterano estava no palco, longe disso, podemos afirmar que a qualidade do espetáculo, de um texto bem costurado e com atuações perfeitas, é o que reconhecemos na obra. Ao lado do Othon está Juliana Medella, que atua como a memória do ator. A voz da atriz é uma delícia, o que tenho sentido falta por aí, infelizmente. A voz se assenta com perfeição. Aliás, gostaria de mencionar que quando a atriz entra no palco, com um instrumento bate no chão do teatro, nos levando a Molière. Que presente rico para nós da plateia, principalmente para mim, que não gosto do sinal que ouvimos ao iniciar um espetáculo, o terceiro prolongado então, acho um saco!
Ao sair do teatro, após ter ouvido a história do artista, muitíssimo bem contada, fiquei refletindo sobre a obra.
Existem artistas que não curtem uma crítica que faz comparações de obras, mas impossível não fazermos isso, ainda que não nomeando espetáculos resenhados, mas acontece quando estamos escrevendo. Fiquei pensando nas obras que tenho assistido por aí. Gostaria de entender porque artistas ligam microfones sem nenhum efeito, em uma sala de teatro para 50 pessoas, para algumas falas. Gostaria de entender porque gritam tanto em algumas peças, também gostaria de entender porque em alguns momentos os artistas discutem ao ponto de não conseguirmos estendermos os seus textos…
Tantas coisas que acho desnecessário. Bibi Ferreira sempre disse: “O teatro é simples”.
Othon escolheu, ou juntos escolheram, um caminho tão simples e belo de chegarem aos espectadores. Tentaram nos alimentar com um texto tão coeso, com grandes referências teatrais, que sempre estarão presentes, uma beleza. Ouvimos falar de Brechet, de Zé Celso, do teatro de revista, tudo com refinamento de um artista de 91 anos que não precisou de um microfone e que ainda dança no palco.
Que lindo é assistir um artista que quebra a parede, somos nós e ele, somos nós que alimentamos o teatro, os espectadores e o artista, e sem essa conexão nada existe.
A história de Othon é linda e, como desde o início, sem patrocínio, com dificuldade, mas com beleza, com teatro na veia, que está para além de gritos estúpidos ao ouvido do espectador, sem palavrões, sem mediocridade. Contemporâneo, trazendo a comunidade LGBTQIA+, um show.
Posso afirmar que lembrarei do Othon em algumas novelas, mas confesso que o marcante mesmo foi a peça. Acho que esse é o grande papel da vida do artista, um presente dos deuses para ele. Não foi o “Rei da Vela”, muito menos as novelas, não mesmo!
O artista está de mala pronta para o FITA, em Angra dos Reis, impossível não est! Ele também será o artista homenageado do festiva. Merecido!
Othon me deu uma aula de cinema, de como fazer teatro, de humildade, de amizade, de resiliência e muito amor a sua profissão!
Sinopse
Desenvolvido a partir de trocas entre os dois e de um calhamaço de mais de 600 páginas que Othon deixou sob a diligência de Flávio, seu amigo de décadas, o solo foi elaborado sob minuciosa pesquisa, levando em conta os principais acontecimentos da existência de Othon, que possui uma carreira de títulos marcantes no cinema (“Deus e o Diabo na Terra do Sol“, de Glauber Rocha) e no teatro (“Um grito parado no ar”, de Gianfrancesco Guarnieri).
FICHA TÉCNICA
“Não me Entrego, Não”
- Elenco: Othon Bastos
- Texto e Direção: Flavio Marinho
- Diretora Assistente e Participação Especial: Juliana Medella
- Direção de Arte: Ronald Teixeira
- Trilha Sonora: Liliane Secco
- Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
- Programação Visual: Gamba Júnior
- Fotos: Beti Niemeyer
- Visagismo: Fernando Ocazione
- Alfaiataria: Macedo Leal
- Coordenação de Produção: Bianca De Felippes
- Consultoria Artística: José Dias
- Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Comunicação
- Assessoria Jurídica: Roberto Silva
- Coordenador de Redes Sociais: Marcus Vinicius de Moraes
- Assist. de Diretor de Arte: Pedro Stanford
- Assistente de Produção: Gabriela Newlands
- Administração: Fábio Oliveira
- Desenho de Som e Operador: Vitor Granete
- Operador de Luz: Marco Cardi
- Contrarregra: Paulo Ramos
- Realização: Marinho d’Oliveira Produções Artísticas
SERVIÇO
“Não me Entrego, Não”
Temporada Prorrogada: 02 de agosto a 29 de setembro de 2024
Horário: 6ª feira, às 20h; Sábado, às 19h; Domingo, às 18h
Ingressos:
Sexta-feira e Domingo: R$ 50 (meia-entrada) / R$ 100 (inteira)
Sábado: R$ 60 (meia-entrada) / R$ 120 (inteira)
Local: Teatro Vannucci
Endereço: Rua Marquês de São Vicente, 52 / 3º andar – Shopping da Gávea
Tel.: (21) 2274-7246
Classificação Indicativa: 12 anos
Duração: 90 minutos
Instagram: @othonbastosnoteatro
Facebook: @PortalAtuando