Entre o Direito e a Literatura: O piauiense José Ribamar Garcia é o convidado do AC Encontros Literários desta semana

 

José Ribamar Garcia é escritor e advogado. Nascido no Piauí, vive há muitos anos na cidade do Rio de Janeiro, tendo sido agraciado com a Medalha Pedro Ernesto e o Título de Cidadão Honorário do Município do Rio de Janeiro, ambos concedidos pela Câmara Municipal da cidade.  Nesta entrevista exclusiva, oferecemos a você a chance de conhecer melhor esse autor que escreve contos, crônicas e romances.

 

ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?

José Ribamar Garcia: Fui inoculado pelo vírus da leitura e, por consequência, da Literatura, lá pelos 12 anos de idade, através dos folhetos de cordel, capas ilustradas com xilogravuras, conhecidos por “romances”.  Morava em nossa casa uma bela jovem chamada Nazaré, que, quando se livrava dos afazeres domésticos, lia para mim as histórias contidas naqueles livretos, que ela adquiria no mercado central. Histórias fascinantes que me emocionavam e açulavam a imaginação.

 

AC: Romancista, cronista e contista. Fale dos principais livros que publicou até hoje.

Capa do livro “Imagens da Cidade Verde”

JRG: Já publiquei 14 livros, e o l5º, um romance, encontra-se no prelo. Deve sair no início de janeiro do ano que vem. Portanto, são quatro livros de crônicas, seis de contos e quatro romances. Imagens da cidade verde foi o primeiro. São crônicas sobre Teresina e seus moradores dos anos 1950/60, e creio que, através dele, tenha atingido a essência da cidade. Esse livro já foi citado em teses de mestrado e doutorado. Em Contos da minha terra, procurei retratar os costumes, hábitos, lendas, superstições e o léxico do piauiense, sobretudo o do interior. Em Contos selecionados, o espaço é a cidade do Rio de Janeiro. Nessa obra, retrato o carioca que só aparece na imprensa quando vitimado por uma desgraça. Gente humilde, que levanta às quatro da manhã, pega duas ou três conduções lotadas, para chegar ao trabalho às sete horas. Gente que usa de todo tipo de malabarismo para sobreviver. Os romances Em preto e branco, Entardecer, Filhos da mãe gentil e Pra onde vão os ciganos? (este, de contos), além dos acima citados, foram indicados por várias escolas como leitura paradidática. De Entardecer e Pra onde vão os ciganos? foram extraídas peças teatrais, encenadas pelos alunos da oitava série do Colégio Madre Maria Villac, mantido pelo Instituto Dom Barreto (Teresina), e do Colégio Municipal da cidade de Picos (PI). Também já prefaciei mais de vinte livros de ficção literária. Além disso, alguns dos meus livros constam em antologias e enciclopédias, inclusive na Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, editada pelo ABL (Academia Brasileira de Letras).

 

O romance Em preto e branco, de José Ribamar Garcia. Foto: Divulgação.

AC: Um piauiense que vive no Rio de Janeiro desde os anos 1960. O que do seu estado natal ainda existe dentro de você?

JRG: Do Piauí me ficaram as indeléveis lembranças da primeira e segunda infância, que me marcaram e alicerçaram meu caráter e minha personalidade, consolidados e aperfeiçoados no Rio de Janeiro. Teresina é uma das minhas paixões, aonde vou duas vezes por ano, quando aproveito para percorrer o interior do Estado. A outra é o Rio de Janeiro, cidade que me acolheu sem exigir documento de identidade, atestado de bons antecedentes, ou ideológico, e onde concluí o ginásio, o curso clássico e constituí família. Formei-me em Direito pela Faculdade de Direito de Niterói, da Universidade Federal Fluminense.

 

AC: No seu caso, de onde vem a inspiração?

JRG: Não sei se é propriamente inspiração. O certo é que me vem a ideia. Essa ideia pode ser imotivada ou motivada. Imotivada quando surge repentina e inesperadamente de alguma lembrança distante, fragmentos de algum sonho ou até de um odor. E motivada quando vem de algo que eu presenciei ou vivi e que provoca em mim a necessidade de transpô-la para o papel.

 

AC: Sei que você é membro da Academia Piauiense de Letras. Como tem sido essa experiência?

JRG: A Academia Piauiense de Letras tem atuado, eficazmente, não só no campo das Letras, mas também no da cultura, em todas as suas manifestações, inclusive editando e distribuindo livros, tanto dos acadêmicos quanto de não acadêmicos, desde que o assunto seja de interesse cultural. Ainda mantém-se vigilante com relação à manutenção do léxico regional. As sessões da Academia são semanais e públicas, caindo nos sábados pela manhã. Mesmo durante esta pandemia de covid,  não parou suas atividades essenciais. As reuniões continuam acontecendo normalmente por meio de videoconferência. O ambiente entre os acadêmicos é de fraternização.  Particularmente, tem sido uma boa experiência e tenho aproveitado bem o convívio com seus integrantes.

 

Academia Piauiense de Letras. Foto: Reprodução redes sociais.

AC: Além de escritor, você também é advogado. Como concilia as duas atividades?

JRG: O exercício da advocacia e da literatura tem um ponto em comum, que é a liberdade. Sem liberdade, não se pode exercer qualquer uma das duas. Exercê-las me exigem, além de noites indormidas, determinação, dedicação e disciplina. Separei uma parte do dia para ler e escrever, que vai das 22 às duas da madrugada. Às vezes, não tendo compromisso na manhã seguinte, estico um pouco mais esse horário – que eu chamo de terceiro turno.

 

AC: Quais seriam seus escritores preferidos? Se sente influenciado por eles?

JRG: São os escritores José Lins do Rego, Lima Barreto, Monteiro Lobato, Mario Vargas Llosa, Ernest Hemingway e Dostoiévski. Porém, não tive influência de nenhum deles. Aliás, não tive influência de autor algum. Posso ter alguma identificação temática, repito: temática, com alguns deles. Por exemplo: os excluídos de Lima, a inquietação por um Brasil grande de Lobato, o espírito aventureiro de Hemingway e a angústia de Dostoiévski.

AC: Você recebeu o título de cidadão honorário do município do Rio de Janeiro. Qual o significado dessa homenagem?

José Ribamar Garcia. Foto: Arquivo pessoal.

JRG: Fiquei muito feliz quando fui agraciado com a Medalha Pedro Ernesto e o Título de Cidadão Honorário do Município do Rio de Janeiro, concedidos pela Câmara Municipal. Pois o Rio de Janeiro, como disse acima, é um dos meus amores. E é muito satisfatório quando se é correspondido nesse amor. A gente chega a pensar até que a cidade inteira nos tem uma consideração especial. Claro que me senti comovido e com a convicção de que trilhei o caminho certo. É a primeira coisa que digo, envaidecido, quando ando por aí: sou piauiense e carioca – ainda que não da gema, similar no  afeto e no estado de espírito.

 

AC: Por favor, deixe aqui uma amostra de seu trabalho como autor.

JRG: Vai, a título de amostra, este texto, extraído do livro Em preto e branco, (2ª ed., Litteris, p. 11) e usado na prova de português do vestibular de 2012.01 da Novafapi (Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí):

Não dormi direito. Ansiedade pelos poros. Seis horas da manhã, e já no campo de aviação, metido na roupa nova – camisa branca de linho, mangas curtas e calça azul-marinho de casimira. Também sapatos novos, comprados no Magazine Horizonte. De bagagem: a mala de papelão, adquirida no Mercado Velho. Tudo de primeira mão, para a nova vida, o futuro. E este distava quilômetros.

Pouco antes das sete, o DC3 da Real Aerovias alçava voo. Recomendação da mãe ao  comandante:

– O irmão dele está esperando no aeroporto.

Dela o abraço forte, apertado, intenso, sem choro. Naquela família, lágrimas só na morte.

O avião deixou na pista piçarrenta uma densa nuvem de poeira, que me impediu de continuar vendo, pela janelinha, a mão de mamãe dando adeus. Lá embaixo, Teresina diminuía, encurtava, sumia no verdume. Por um bom tempo, ainda avistei o Parnaíba. Agora, tão pequeno, cortava sinuosamente as matas. E eu antevia suas curvas, sem obstáculos. Nem parecia aquele rio imenso, de correntezas vorazes e redemoinhos traiçoeiros. Parnaíba de águas barrentas, dos banhos afoitos, das travessias escondidas. E de outras mil travessuras.

Bem, é isso. Muito obrigado pelo espaço que me concedeu.

 

Atenção:  não deixe de ver a live que fizemos com esse autor em 27/01/2022 :

 

Por hoje, é tudo. Até a próxima!

César Manzolillo – Colunista do canal LITERATURA

 

 

 

 

 

 

 

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Author

Carioca, licenciado em Letras (Português – Literaturas) pela UFRJ, mestre e doutor em Língua Portuguesa pela mesma instituição, com pós-doutorado em Língua Portuguesa pela USP. Participante de 32 coletâneas literárias. Autor do livro de contos "A angústia e outros presságios funestos" (Prêmio Wander Piroli, UBE-RJ). Professor de oficinas de Escrita Criativa. Revisor de textos. Toda quinta-feira, no ArteCult, publica um conto em sua coluna "CONTO DE QUINTA", que integra o projeto "AC VERSO & PROSA" junto com Ana Lúcia Gosling (crônicas) e Tanussi Cardoso (poemas).

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