Jorge Sá Earp: Quando era pequeno, gostava de desenhar. Enquanto desenhava, contava histórias para mim mesmo. Ia inventando e ilustrando minhas narrativas. Um dia resolvi escrevê-las. Guardo até hoje esses primeiros contos infantis. Além disso, lia muito: contos de fadas, de aventuras, piratas, Monteiro Lobato etc. Depois vieram os clássicos, que eu misturava com best-sellers. Tudo que as pessoas comentavam ou eu ouvia falar. Meu tio-avô tinha as obras completas de Machado de Assis, e eu passava muito tempo no escritório dele. Fiz cinema amador também. Super 8. Cheguei a participar de dois festivais. Depois que vi que não tinha jeito para dirigir, que meu temperamento era mais o de um solitário, me voltei para a literatura. Comecei escrevendo poesia e, em seguida ou mesmo paralelamente, contos.
AC: Como é sua rotina de escritor? Escreve todos os dias? Reescreve muito? Mostra para alguém durante o processo?
JSE: Quando escrevo um romance, trato de escrever todos os dias. O romance exige isso. Senão você acaba esquecendo muita coisa da história ou pode até mesmo desaminar. Tem que entrar no ritmo. Já contos, vou escrevendo quando me vem uma ideia, que pode surgir a qualquer momento. Aí vou desenvolvendo essa ideia, ponho no papel. Escrevo à mão e, quando passo para o computador, faço algumas modificações. Geralmente não muitas. Não sou um torturado pela forma. Não mostro para ninguém durante o processo. Nem para amigos íntimos. Só veem o material depois de publicado, seja em livro, seja por outro meio qualquer.
AC: No seu caso, de onde vem a inspiração?
JSE: Difícil essa pergunta. Não sei. São ideias que ocorrem quando estou caminhando, lendo, fazendo qualquer outra coisa. Depois são desenvolvidas ou à medida que vou escrevendo ou fazendo outra coisa qualquer. Pode partir também de uma história ouvida que eu acabo distorcendo a meu modo.
AC: O fantasma da página em branco: mito ou verdade? Isso acontece com você? Em caso afirmativo, o que faz para resolver esse problema?
JSE: Às vezes a página em branco fica me olhando algum tempo. Mas então me enervo e resolvo começar com a primeira frase que me vem à cabeça. Depois posso mudá-la. Não gosto de ficar fixando o vazio.
AC: Fale dos livros que já publicou até hoje.
JSE: Como disse, comecei com poesia. Publiquei por conta própria um livrinho chamado Feixe de lenha. Três anos depois, consegui que uma coletânea de contos fosse aprovada pelo INL para coedição. Esse livro, No caminho do vento, foi prefaciado por Adonias Filho. Nos anos seguintes, tentei o romance e publiquei O ninho e Sudoeste. Voltei para a poesia e publiquei Passagem secreta. Em 1995, tive a grata surpresa de ser agraciado com o Prêmio Nestlé de Literatura com o romance Ponto de fuga. O júri era composto por Jorge Amado, Antônio Callado e Roberto Drummond. Em seguida, vieram mais contos e romances. São até agora 18 livros.
AC: Um livro marcante. Por quê?
JSE: Em busca do tempo perdido, de Proust. Tem outros: A montanha mágica, de Thomas Mann, Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso, O amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence. E outros. A lista ficaria grande.
AC: Um escritor marcante. Por quê?
JSE: Proust. Posso responder com Proust. Li-o aos 18 anos nas traduções da editora Globo. Ele me marcou. Mas é engraçado, hoje em dia, gosto mais de Gide, para fazer um paralelo com um contemporâneo. Acho-o mais sintético, mais objetivo. Além de se interessar por várias esferas.
AC: Além de escritor, você também é diplomata . Como concilia as duas atividades?
JSE: Me aposentei em 2017. Hoje tenho bastante tempo para escrever e ler. Quando trabalhava, dividia o meu tempo. Quando chegava à tarde da Embaixada, ia para a escrivaninha e escrevia. Fazia disso uma rotina. Em Brasília, era mais difícil, porque saíamos do Ministério às sete da noite. Uma época – me lembro – punha o despertador para bem cedo: escrevia de manhã.
AC: Projetos em andamento: o que vem por aí nos próximos meses?
JSE: Devo publicar, ainda este ano, mais um livro de contos. Escrevi muitos contos durante o isolamento social da pandemia. Mas ainda não escolhi o título. Deve ser o de um dos contos, como geralmente se faz. No ano que vem, um romance. Esse tem título: A volta do arlequim.
AC: Entre os seguidores do canal de Literatura do Portal ArteCult, muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles?
JSE: Leia muito e escreva. Os dois processos, ao mesmo tempo. Seja exigente consigo mesmo. Se alguma coisa te desagrada no texto, risque: sem dó nem piedade. Leia em voz alta. A música das palavras é importante. Mesmo para a prosa. E tenha em si que a literatura é um ato solitário. Seja, portanto, paciente e tenaz. Se é verdadeiramente isso que você quer; se você tem realmente necessidade, uma necessidade profunda de se exprimir por meio de palavras.
AC: Para encerrar, pediria que deixasse aqui uma amostra de seu trabalho como autor.
JSE: Vou transcrever o último poema que escrevi. Tenho escrito muito pouco poesia, ainda não dão nem para um livro. Mas vai essa:
O SEGREDO DAS ESTÁTUAS NA BRUMA
Quase indistintos no alvorecer
aqueles vultos no parque.
A capa fina da névoa matutina
recobria dorsos e crânios de homens
abrigados pelo silêncio.
Pássaros então quebram a quietude.
Imerso estou na frialdade entre árvores.
Passeio e vislumbro as figuras imóveis,
que me observam caladas.
Mudez ancestral, esculpida com esmero.
À medida que o sol dispersa a bruma
e a brisa move arbustos,
seus rostos tomam figura:
sisudos generais, graves políticos.
Mas quem são? Quem foram?
Noto nomes de metal nas pedras: fulanos.
Por que a luz agora tersa não me revela
feitos? Honras, medalhas, brasões?
É como se o auge do dia
revelasse a verdade pressentida:
no bronze preservados estão homens esquecidos.
Alheias em torno passeiam cegos, cães e crianças.
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E ATENÇÃO: Confira a live realizada com o escritor JORGE Sá EARP em 15/03/2022 :
Bem, é isso. Até a próxima!
AC Encontros Literários tem curadoria e apresentação (lives) de César Manzolillo (@cesarmanzolillo).
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