Alexei Bueno é poeta, ensaísta e tradutor. Nasceu no Rio de Janeiro e publicou, até o momento, 18 livros de poemas. É detentor de prêmios literários importantes, como o Jabuti e o Prêmio da Academia Brasileira de Letras. Colaborador de diversos órgãos da imprensa no Brasil e no exterior, é também membro do Pen Clube do Brasil. Confira a entrevista exclusiva que preparamos pra você.
ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?
Alexei Bueno: Pela leitura, muito precocemente, mas, mesmo antes dela, creio que por ouvir poemas recitados por minha mãe — ela sempre foi uma boa leitora de poesia —, especialmente poemas dos nossos grandes românticos, que considero até hoje a melhor iniciação literária para uma criança brasileira, pela união de alta qualidade estética, clareza de expressão e evidente força emocional. Minha primeira base de leitura em livro deve ter sido a muito boa antologia que se encontra no Livro da poesia, do velho Tesouro da juventude, na qual, de Camões a Fernando Pessoa, havia coisas do melhor nível, sem falar de boa poesia traduzida.
AC: Especificamente com relação ao ofício de escrever, que procedimentos costuma adotar? Escreve todos os dias? Reescreve muito? Mostra para alguém durante o processo?
AB: Não, nada de “Nulla dies sine linea”, como Zola gravou na parede do seu escritório. Só escrevo quando “baixa o santo”, aquilo que mais popularmente se chama inspiração, e que os gregos chamavam mania, no sentido de loucura criadora, ou entusiasmo, a possessão pelo deus. É aquele instante irrepetível onde todo um acervo de impressões, emoções, ideias, pensamentos, reminiscências, intuições se une e como que cria uma espécie de molde, um oco prévio que deve ser preenchido verbalmente, como o bronze derretido é vertido no molde oco da futura estátua. Embora tratemos de poesia, a comparação me parece servir para todas as artes. Por isso mesmo, passo períodos enormes sem escrever uma linha, assim como escrevo todo um livro em poucas semanas, ou nove poemas num só dia, não há como antever ou controlar. É o caso, para citar um exemplo dos mais ilustres, da década quase perdida por Rilke antes da eclosão fulminante de toda a parte final das Elegias do Duíno e dos Sonetos a Orfeu. Reescrevo pouco, cada vez menos, e não mostro nada para ninguém.
AC: No seu caso, de onde vem a inspiração?
AB: Ora, de mim mesmo. A definição de Pessoa de que “o poeta é o médium de si próprio” é insuperável.
AC: Como nasce um poema? E um livro de poemas?
AB: Já está respondido acima, ambos nascem de uma eclosão súbita de um agregado de impressões, emoções, ideias, pensamentos, reminiscências, intuições. O livro é o resultado natural e óbvio de um acúmulo de poemas com certo ar de família entre eles, pois surgidos, geralmente, em determinado período.
AC: O fantasma da página em branco: mito ou realidade? Isso acontece com você? Em caso afirmativo, como lida com a questão?
AB: Nenhum, mais um modismo modernoso. Pode existir para outros, para mim não.
AC: Na sua opinião, quais são os 3 poetas brasileiros que todo apreciador de poesia deve conhecer? E os 3 poemas?
AB: Francamente, é uma pergunta absurda, e não tenho e nunca tive essa opinião. Se eu escolhesse três poetas entre todos os grandes poetas brasileiros, coisa que não sei, não posso e não quero fazer, cometeria uma injustiça absurda com todos os outros e, ao escolher três poemas, uma injustiça mil vezes maior, além de um ato de cegueira crítica. Qual o significado disto em relação a qualquer arte? Não passa de uma derivação espúria do que existe com o esporte, com o atletismo, por exemplo, coisa mensurável. Posso perfeitamente dizer quais foram os três melhores corredores de 100 metros em determinada Olimpíada, é só ver os tempos dos três primeiros. Como se pode pensar em aplicar tal coisa no campo da arte? Quais os três melhores pintores da Itália e quais os seus três melhores quadros?
AC: Fale um pouco dos livros que já publicou até hoje.
AB: Não há como falar, só de poemas são 18 livros, com poemas surgidos desde os estertores da década de 1970 até a atualidade. Já mexi em numerosos poemas em momentos de reedição, já os melhorei alterando determinados versos ou determinados trechos nos quais algo me incomodava, que, enfim, me pareciam passíveis de aperfeiçoamento. Fora tais casos, não penso no que escrevi, só nas coisas a escrever.
AC: Sei que você também atua como editor e tradutor. O que poderia nos dizer sobre essas atividades?
AB: Traduzi pouca prosa, interessa-me sobretudo a tradução de poesia, especialmente de poemas em forma fixa, sempre com a manutenção estrita da métrica e do esquema rítmico do original, pois isso implica um desafio às vezes bastante fascinante. Traduzi especialmente do francês e do inglês, algo do italiano e um pouco menos do espanhol, que me interessa menos, pela excessiva proximidade entre os idiomas. Como disse Domingo Faustino Sarmiento, relembrando a parte das línguas na sua formação intelectual, “o português, não é preciso estudar”. Para o Sarmiento, naturalmente, isto foi verdade. Entre outros nomes, traduzi San Juan de la Cruz, Tasso, Shakespeare, Leopardi, Longfellow, Nerval, Poe, Tennyson, Baudelaire, Mallarmé, José Asunción Silva, Rubén Darío, Apollinaire, etc. A minha tradução d’“O corvo”, do Edgar Allan Poe, cuja primeira versão é de 1980, dos meus 17 anos, fez e faz um grande sucesso, no Brasil e em Portugal. O trabalho como editor é basicamente a minha primeira profissão, e creio ter realizado, entre inúmeros títulos, algumas edições importantes, destacadamente a exaustiva edição crítica da Obra completa de Augusto dos Anjos, que saiu em 1994 e que precisa ser reeditada, pois nunca parei, desde então, de atualizá-la.
AC: Projetos futuros: o que vem por aí nos próximos meses?
AB: Acabei de lançar uma muito trabalhosa antologia de sermões do Padre Vieira e um imenso ensaio antológico intitulado A escravidão na poesia brasileira, livro que, curiosamente, ninguém jamais se lembrou de fazer. Tenho, para sair, uma antologia crítica do Bocage e um livro do qual gosto muito, Cinema: cinco ensaios, além de um livro inédito de poemas em prosa, este gênero altamente difícil, sobretudo de definir. No caso, tenho ao menos a convicção de que se trata realmente de poemas em prosa, e escritos em duas épocas bastante afastadas de minha vida, nada com prosa poética, aforismos, etc.
AC: Entre os seguidores do canal de Literatura do Portal ArteCult, muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles?
AB: Só se dediquem à literatura se tiverem absoluta e inafastável convicção de que ela é uma vocação autêntica, e que pode redundar em algo que merece existir, que deve existir. Fora tal caso, afastem-se totalmente dela, no sentido ativo, sejam apenas grandes leitores, pois dedicar a vida à literatura num país periférico, mentalmente colonizado e visceralmente ignorante como o Brasil é uma desgraça.
AC: Para encerrar, pediria que deixasse aqui um poema de sua autoria.
AB: Aí vai um, do meu último livro, O sono dos humildes, que tem a vantagem de ser bem curto:
CROMATISMO
Aquilo que não poderá mais ser
Dorme, afinal,
Liberto do possível, pai do mal,
Até se esvanecer.
As borboletas, êxtases do instante,
E as flores de ontem
Se beijam, tontas, sem olhos que as contem,
E logo, adiante,
Asas e pétalas, na poeira unidas,
A morte e a cor,
Rolam, maiores do que o amor e a dor,
E do que as vidas.
Bem, é isso. Até a próxima!
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AC Encontros Literários tem curadoria e apresentação (lives) de César Manzolillo (@cesarmanzolillo).