Vital e sua moto, e as artes cênicas, que união feliz

Rodrigo Salva (Herbert Vianna), Franco Kuster (João Barone), Gabriel Manita (Bi Ribeiro) e Hamilton Dias (José Fortes) no musical “Vital – O Musical do Paralamas”. Foto:  © Allan Fernando / Divulgação

 

O Brasil tem tantas histórias, tanta musicalidade. A cultura desse país é tão incandescente, tudo tão carregado de emoção… Nossos artistas são tão robustos que homenageá-los passa a ser um dever, e quando isso é feito com consciência, passamos a entender ainda mais quem somos e a nossa grandiosidade.

A história de uma grande banda costuma ter o espírito de sua própria época. Ao mesmo tempo em que torna palpável algo que parecia estar no ar, também nos ajuda a ter mais clareza do que estava escondido nas entrelinhas do cotidiano. Se a turma que começou a fazer rock no Brasil na década de 80 teve o mérito de ser reconhecida como uma geração relevante da música brasileira, os Paralamas do Sucesso têm um crédito nisso aí.

É inegável que a responsabilidade de trazer ao palco um musical da banda é imensa. Afinal, falamos de uma banda icônica, que tocou baladas românticas, entrou em nossas vidas, em nossos romances, em nossa juventude, em nossas noitadas e defendeu a nossa brasilidade sem temer as críticas da sua época .

Se falamos de um musical dos Paralamas do Sucesso, em Vital – O Musical dos Paralamas a música é a palavra de ordem. E, diferente de muitas montagens, o respeito às canções da banda foi uma sacada genial do diretor musical e arranjador Daniel Rocha. Foi mais certeiro que a flecha de Ártemis. Que delícia, que volta ao passado, que delicadeza e reconhecimento a banda e aos seus fãs que esse profissional mostrou. Entendendo que essas músicas construíram uma geração inteira, o rock nacional se embrionou com maior intensidade nessa década, tornando-se, portanto, relíquias musicais.

A iluminação de Paulo César Medeiros simplesmente nos leva ao nosso Circo Voador, ao Rock In Rio, ao hospital onde tememos pela vida de um dos nossos maiores artistas e a todos os lugares que o espetáculo precisou ir para também contar a história de Herbert Vianna, o vocalista do grupo. Parabéns, Paulinho, pela escolha das paletas de cores que você levou ao palco. Nota dez, aliás, 1000!

Rodrigo Salva (Herbert Vianna), Franco Kuster (João Barone), Gabriel Manita (Bi Ribeiro) e Hamilton Dias (José Fortes) no musical VITAL – o musical do Paralamas. Foto: © Allan Fernando/Divulgação

Patricia Andrade e Marcelo Pires, me trouxeram fatos que eu desconhecia e agradeço muitíssimo por isso. São olhares riquíssimos, entre eles o mergulho da banda nesse Brasil, trazendo ritmos bem diferentes do início da banda. Ao iniciar as turnês, o trio mergulhou profundamente em batidas que agradaram o público, e nós embarcamos de gaiato no navio, sem pestanejar. As histórias também foram bem respeitosas e desnudam um Herbert Vianna que até então eu não tinha parado para refletir, o que sangrava o artista para que ele compusesse dessa forma? Dessa magnitude? Assistam à peça!

Outro ponto que a autora trouxe foi a questão das pessoas com deficiência. A frase do ator que divide o palco com o personagem do vocalista chamou minha atenção. Em uma discussão quanto a dificuldade de transitar na cidade na condição de pcd, o artista traz a frase: “É preciso mudar aqui, apontando para a cabeça”, chamando o público a consciência, fantástico!

A assinatura da diretora de movimento e coreógrafa Marcia Rubim foi bastante equilibrada, sem perder o bom senso, perfeita, com movimentos alinhados à banda, como a do artista que faz o baterista, incrível essa fusão entre os movimentos corporais e a banda ao vivo, digno de palmas e brados de euforia dos espectadores.

André Cortez assina a cenografia, vários planos no palco que funcionam muito bem, sem querer mostrar luxo, foi o que percebi. A dinâmica em utilizar o palco criado foi muitíssimo bem acolhida pelo diretor Pedro Brício, há de se dizer que ele me levou ao passado. Como carioca, fui ao Circo e a muitos outros lugares (até cama redonda de espaços íntimos por aí) com as canções que trouxeram a obra. Muito obrigada por sua sofisticação artística que está para além de uma estética visual, mas sim alcançar nossos sentimentos, nossas histórias através da história do outro e também da sua história profissional que o faz chegar em nós.

Karen, a doce Karen, a figurinista, ela como André Cortez, andou linearmente com o rock dos anos oitenta, mas é aquilo, tem horas que andar muito na linha o trem passa por cima, ela sem freios entendeu um dos momentos mais empolgantes da montagem, criou asas como Pégasos e voou alto.

Preciso falar dessa cena, como ela me atravessou.

“Alagados” é uma canção escrita por Bi RibeiroJoão Barone e Herbert Vianna, os três membros do grupo Os Paralamas do Sucesso.

A canção faz um relato da dura realidade da vida nas favelas brasileiras, mais especificamente nas cariocas (como presenciado no verso “a cidade que tem braços abertos num cartão-postal“), durante o período da intensa crise socioeconômica que atingiu o país durante a década de 1980

“E a cidade
Que tem braços abertos num cartão postal
Com os punhos fechados da vida real
Lhe nega oportunidades
Mostra a face dura do mal, ô”

Realidade que até hoje se repete, infelizmente.

Rodrigo Salva (Herbert Vianna), Franco Kuster (João Barone), Gabriel Manita (Bi Ribeiro) e Hamilton Dias (José Fortes) no musical VITAL – o musical do Paralamas Foto: © Allan Fernando/Divulgação

Penso que foi exatamente aí que a banda mostrou a que veio, mostrando a consciência social que o artista precisa ter. Os gritos a favor do povo, esse que coloca o artista em lugares que jamais imaginaria estar. Da fusão da favela da Maré e a leitura da favela de Alagados da obra de Jorge Amado, a música foi classificada em 63º lugar na lista das 100 maiores músicas brasileiras pela revista Rolling Stone.

Nesse momento, Karen, sem pudor nenhum, traz as cores que reconheço no Olodum, com brilhos, uma referência perfeita à Bahia, ao Jorge, à favela de Alagados, a música que também menciona a favela jamaicana  Trenchtown, do reagge que a banda  se banhou, bebeu da fonte com a licença poética perfeita, entre lá e cá e levou multidões a euforia e a resistência social de um povo que até hoje sofre.

Nesse momento, os coadjuvantes saem do palco e reaparecem na plateia, com percussão e muito força. Meu Deus, quase morri, mas segurei a alma no Teatro Net Claro, porque eu não podia perder um segundo daquela execução divinal que os artistas me traziam naquele momento.

Queria saber de onde saíram esses artistas, porque não tenho nada, absolutamente nada que desaprove cada um deles, são pérolas, são jovens, são irreverentes, são cativantes, estão entregues, como se fossem devotos de um santo ao teatro, são leves, são cômicos, carregam a verdade deles e dos personagens, são livres, são muito mais do que esperei quando saí de casa debaixo de chuva para assisti-los, são como Lúcifer antes da queda quando falo de música, são como lobos fugazes, territorialistas, mostrando o que é corpo e território no teatro buscando nos mostrar a arte deles, e como os lobos souberam o que é uma alcateia, deixando expressar a beleza de fazer um coletivo contagiante. Reluzem como ouro de qualquer alquimista. São eles: Franco Kuster, Gabriel Manita, Nando Motta, Hamilton Dias, Barbara Ferr, Herberth Vital, Ivanna Domenyco, Maria Vitória Rodrigues, Pedro Balu e Rodrigo Vechi.

Nando Motta, a vontade de levar o artista para casa é imensa, ele traz exatamente o que Herbert nos trouxe no seu fazer artístico, um contido sedutor. E sua voz…

Pedro Brício, você pecou em sua direção, um pecado que não deixará as portas do céu abertas para ti, preciso escrever, você, sua equipe criativa e seu potente elenco nos contagiam além do que se espera, colocam debaixo dos nossos pés labaredas e somos obrigados a nos manter sentados, não te perdoarei por isso, seu danado!

Obrigada ao Ministério da Cultura por permitir desnudar mais a nossa musicalidade, nossa história, nossa vida e que siga trazendo mais de nós mesmos.

Confira imagens do primeiro Rock In Rio, onde a banda se apresentou no último dia e por último também e nunca mais parou:

 

O musical faz um passeio pelos mais de 40 anos da banda, sendo um importante documento sobre a própria história do Rock brasileiro, que tem nos Paralamas do Sucesso um dos seus maiores expoentes. Além disso, o espetáculo foca no valor da amizade e mostra a união dos integrantes da banda, que permanece com a mesma formação desde o início. Vital – O Musical dos Paralamas passeia pelos grandes clássicos do grupo, mas também aborda momentos fundamentais dessa história. “Contar a trajetória dos Paralamas é narrar a história dos últimos anos do país e de quem cresceu e amadureceu com a banda”, diz Marcelo Pires.

O elenco tem atores que representarão Herbert ViannaBi Ribeiro e João Barone, além do empresário da banda, José Fortes, entre outros personagens. Os Paralamas são interpretados por Rodrigo Salva (Herbert Vianna), Franco Kuster (João Barone) e Gabriel Manita (Bi Ribeiro). Nando Motta é alternante no papel de Herbert Vianna. Já Hamilton Dias vive o empresário José Fortes. O elenco tem também: Barbara FerrHerberth VitalIvanna DomenycoMaria Vitória RodriguesPedro Balu e Rodrigo Vechi 

 

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

 

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Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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