Um nome que merece reconhecimento

Ivanna Cruz. Foto: Jow Coutinho

 

Mão na barra, pé no terreiro, a vida e a dança de Mercedes Baptista’ , um espetáculo produzido com impecável cuidado estético, isso eu posso afirmar.  A montagem em cartaz no Centro Coreográfico, localizado na rua José Higino, no bairro da Tijuca.

A idealizadora do projeto é a atriz Ivanna Cruz, que convidou o professor Luiz Antonio Rocha para conduzir o espetáculo, e é claro que ela fez excelente escolha. Antonio tem sempre cuidado com as obras que apresenta ao público, todos sempre muito potentes, que nos levam aos céus. E não foi diferente dessa vez, ao retratar a trajetória da primeira bailarina negra do Theatro Municipal.

Sinopse

“Uma história de luta e perseverança pelo sonho de brilhar nos palcos com a sua arte, fez com que Mercedes Baptista, tornasse sua trajetória um marco histórico para a dança brasileira, tendo se tornado a primeira bailarina negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, um dos mais importantes palcos do país. Sua história e carreira longeva estará nos palcos em “Mão na barra, pé no terreiro, a vida e a dança de Mercedes Baptista”, onde a atriz e bailarina Ivanna Cruz, conduz o enredo, relembrando origens e as batalhas da mulher negra, tal como ela, para conseguir que sua arte fosse reconhecida. A história de duas gerações que não desistiram!”

Uma das coisas que descobri é que estou longe de ser uma crítica teatral, entendi através do livro Barbara Heliodora – Escritos Sobre Teatro, que sou uma cronista, pois embora eu tenha conhecimento raso de técnicas teatrais, trago em minhas escritas a emoção que algumas obras me presenteiam, o que penso sobre ela e a importância dela através do meu ponto de vista, algo nada imparcial, pois somente os que me tocam estão em minha coluna. Não me vejo na obrigação de falar de um diretor ou qualquer outro, por exemplo. Se apenas vinte minutos me agradam, serão esses vinte minutos que vou escrever, portanto, posso dizer que Mercedes me trouxe um olhar emotivo, sim, há falha do material humano? Tem, mas nem por isso deixa de ser necessário e interessante.

Conheci a bailarina quando minha mãe esteve internada no Hospital dos Servidores, para chegar ao hospital eu precisava atravessar uma rua longa que conecta a Avenida Rio Branco, no Centro do Rio.

Nessa rua, onde eu passava quase todos os dias por ela, há uma estátua de bronze, até que um dia resolvi ler para saber quem era a tal moça, Mercedes Baptista. Ela fica ali no Largo São Francisco da Prainha, no bairro da Saúde, próximo ao  Cais do Valongo, onde desembarcavam os escravizados e eram vendidos, aliás, muitas vezes nem vendidos, mas negociados. Além de estarem muitas vezes doentes, pela razão óbvia de uma travessia marítima desumana, ainda andavam por ali nus.

Posso dizer que esse local é de resistência negra na cidade do Rio de Janeiro.

Então pesquisei despretensiosamente a artista, eu descobri que Erus Volúsia foi professora de Mercedes, que também tinha sido professora de Dora Viváqua ou Luz Del Fuego, ou seja, quantas histórias temos para contar de mulheres como essas, um dia apagadas ou se não completamente apagadas, mas mal interpretadas, mas ainda assim admiradas por nós, mulheres contemporâneas.

Pode-se dizer que o texto da Ivanna chama atenção, há nele uma travessia pessoal que se aproxima da Mercedes, afinal ambas são da cidade de Campos e negras.

A atriz teve o acompanhamento do profissional Jorge Maia, que é bastante reconhecido no meio, um docinho de coco ou um brigadeiro para quem queira julgar pelo seu tom de pele, mas ambos deliciosos e principalmente bem-vindos. O artista foi o preparador vocal da protagonista, acompanhou o processo, o diretor artístico sempre soube escolher a equipe criativa dele, pois se tem uma coisa que ele sabe executar, é um bom teatro e sobre isso não há sequer margem para discussão.

O texto tem momentos bem emocionantes e é um texto educacional, conta a história na íntegra, isso muito me agrada, pois me trouxe a oportunidade do conhecimento, algo que sempre ansiei.

Existem momentos belíssimos no espetáculo, entre eles quando Mercedes sonhava com a vida artística dentro dos cinemas, a iluminação é de uma graciosidade ímpar, uma técnica precisa, também elegante. Planos de refletores a pino muito bem pensado, nas laterais os refletores também estão presentes, trazendo focos majestosos e as palhetas de cores mudam, mas tudo parece estar em perfeita consonância com a proposta criativa do espetáculo. Belíssimo, chamou minha atenção demais, Ricardo Fujii foi quem assinou o desenho de luz.

Já o cenógrafo e figurinista, soube identificar as necessidades da obra, entendeu que menos é mais, e não trouxe nada gritante, tudo muito refinado, de cores quentes aos tons pasteis, equilibrando-se do começo ao fim da obra, sem desequilibrar, ainda que se estivesse andando em uma linha de costura. Os objetos de cena e adereços são excepcionais, acho que jamais vou esquecer a mala que ele desenhou o Theatro Municipal iluminado dentro dela, posso dizer que comparo o objeto a um relicário. Os turbantes e o figurino que remetiam à África são fascinantes, do corte a padronagens, bordados à mão. O trabalho é assertivo porque carrega um olhar de verdade que é dada a cena. As roupas dos percussionistas também chamaram atenção, com brilhos e tecidos bordados e vazados, impossível esquecer o capricho do estandarte do Salgueiro, que traz informações bem bacanas para o espetáculo.

Há um momento de descontração durante a obra, em que somos transportados para um ambiente de rádio, com comerciais e sonoplastias que vinham do palco, dos próprios artistas que atuam. Nesse momento Luiz trouxe Abdias Nascimento que acolheu Mercedes na época, grande Abdias, ele merece toda nossa reverência

Em 1945, Abdias do Nascimento participou da fundação do Congresso Afro-Brasileiro, uma organização que buscava promover a igualdade racial no Brasil. Ao longo dos anos, continuou a trabalhar para sensibilizar a sociedade sobre a importância da igualdade racial.

Resumo que temos uma estética teatral de extremo bom gosto, elegantíssima, um texto que enriquece o saber de nós brasileiros, mas senti falta da essência da Mercedes no que se diz arte da dança, do corpo que dança, ela era uma bailarina, e isso me fez falta, a beleza de um bom dançarino é sempre bem-vindo, principalmente quando falamos de uma mulher como essa, mas valeu a pena, afinal, hoje sei mais que ontem…

Viva Mercedes!

 

FICHA TÉCNICA

Espetáculo ‘Mão na barra, pé no terreiro, a vida e a dança de Mercedes Baptista’

  • Texto: Ivanna Cruz, Luiz Antônio Rocha e Pedro Sá Moraes
  • Canções: Pedro Sá de Moraes
  • Encenação: Luiz Antônio Rocha
  • Atriz: Ivanna Cruz
  • Instrumentistas/atores: Chico Vibe e Lelê Benson
  • Cenário e Figurinos:  Eduardo Albini
  • Projeto de Luz: Ricardo Fujii
  • Coreografia e preparação corporal: Diego Rosa
  • Direção musical:  Pedro Sá Moraes
  • Preparação Vocal: Jorge Maya
  • Assistente de direção: Tai Xavier
  • Consultoria Jongo/ Mana-chica: Neusinha da Hora e Neide da Hora
  • Agradecimentos especiais: Viviane Ramiro e Dona Ruth
  • Fotografia: Jow Coutinho e André Brito
  • Aderecistas: Nilton Souza
  • Confecção figurino raízes: Marcos Vieira
  • Tingimento figurino raízes: Aline Nogueira
  • Costureira:  Maria Madalena de Oliveira
  • Operador de luz: Thiago Monte
  • Assessoria de imprensa: Alessandra Costa
  • Mídias sociais e edição vídeos: Jow Coutinho
  • Design Gráfico: Cristhianne Vassão
  • Elaboração de Leis de incentivos: Lilian Maya
  • Gestão de novos projetos: Jarbas Galhardo
  • Produção Executiva: Ivanna Cruz e Luiz Antônio Rocha
  • Direção de Produção e Prestação de contas: Karina Nadaletto
  • Produção: Arteiro Produções & Espaço Cênico Produções Artísticas & Teatro em Conserva

SERVIÇO

Mão na barra, pé no terreiro, a vida e a dança de Mercedes Baptista

Classificação: Livre

Duração: 80 minutos

Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro de 20 a 23 de novembro – às 19h e 24 de novembro – às 18h

Rua José Higino, 115 – Tijuca

Lotação: 150 lugares

ENTRADA GRATUITA: Retirada de ingressos no site do Rio Cultura

Instituto Pretos Novos de 27 a 29 de novembro – às 15h.

Rua Pedro Ernesto – 32 – 43 – Gamboa

Lotação: 60 lugares

ENTRADA GRATUITA: Retirada de ingressos no site do Sympla

Rede Cine + Itaocara

Rua Coronel Roque Teixeira Alves, 83, Itaocara – dias 02 e 03 de dezembro- às 19h

Lotação: 65 lugares

ENTRADA GRATUITA: Retirada de ingressos no site do Sympla

 

 

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

 

Facebook: @PortalAtuando

 

 

 

 

Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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