STOP, PAREM TUDO! AUGUSTO DE CAMPOS, O MAIOR POETA BRASILEIRO, FEZ SEU ÚLTIMO LIVRO DE POEMAS

STOP, PAREM TUDO! AUGUSTO DE CAMPOS,
O MAIOR POETA BRASILEIRO, FEZ SEU ÚLTIMO LIVRO DE POEMAS

*Luís Turiba

 

O poeta concreto Augusto de Campos, autor de versos que marcam a Era Pós-Moderna da nossa poética, como “pós-tudo”, “Viva Vaia”, “Marte ou Eldorado” – e mais recentemente “Vertade”, “Mito” e o antifascista “já era” – é considerado por seus pares e estudiosos, o maior poeta vivo do Brasil e um dos grandes bardos do planeta Terra. E este conceito vem desde o século passado, quando ele, seu irmão Haroldo e o eterno parceiro Décio Pignatari formaram o marcante trio Noigandres, radicalizando a linguagem poética ao extremo, para o pós-verso.

Aos 94 anos, Augusto é um eterno candidato brasileiro, ao lado do Cacique Raoni, lembrado para Prêmio Nobel de Literatura, quer pela unidade ética-estética e sua obra luminária “verbovocovisual”; ou pelo senso crítico- humanitário de sua mensagem de conteúdo planetário.

Augusto é um poeta planetário. Até porque grande parte de sua obra poética vem à luz por intermédio das “traduções-inventivas”, com destaque para Pound, Cummings, Maiakóvski, Joyce, Gertudre Stein. Dedicou-se aos trovadores provençais, como Arnaut Daniel, aos clássicos, como Dante Alighieri e Guido Cavalcanti e aos “poetas metafísicos” Donne e outros, aos grandes simbolistas como Mallarmé, Rimboud e Corbière; destacando-se as suas coletâneas de ensaios e traduções criativas. Outros livros editados pela Editora Perspectiva reúnem incursões na poesia russa: Poemas de Maiakóvski e Poesia Russa Moderna (com Haroldo de Campos e Boris Schnaliderman).

A partir de 1980, intensificou seus experimentos com as novas mídias, apresentando seus poemas em luminosos, videotextos, neons, hologramas, lasers, animações computadorizadas e outros eventos multimídia. Sua cooperação e parceria com o filho Cid Campos, músico e arranjador, ficou registrado no CD POESIA É RISCO – 1995, reeditado em 2011. Ambos desenvolveram o espetáculo do mesmo nome, para um espetáculo “verbivocovisual” de poesias, músicas e imagens. O espetáculo foi apresentado em várias cidades brasileiras – São Paulo, a primeira; Brasília, a segunda e também no exterior, como Paris.

Ao lançar neste verão de 2025, em São Paulo, o livro “Pós Poemas”, Augusto considera que “fechou” sua obra de poemas em livros – “pra mim, não dá mais”, chegou a declarar.

É totalmente compreensível, pois cada página do seu livro, consume intensas pesquisas espaciais, fonográficas, e com arranjos de cores, espaços. Cada poema, uma obra de arte pictórica, daquelas que enquadramos numa moldura caprichada e penduramos em local nobre numa sala, num corredor, na entrada de um espaço ou numa galeria de arte. Mas eles, os poemas, nos chegam em mágicas páginas, é assim que sua poesia se eterniza. Estamos diante de uma obra memorável.

Segundo o editor Carlos Adriano, em texto na orelha “PÓS-Poemas”:

“este novo livro supostamente fecharia (não sou eu quem diz) uma tetralogia com ”despoesia” (1994); “Não” (2003) e “Outro” (2015). Não creio em fecho, mas em fechadura: buraco negro mallarmaico para o salto-falésia gideano. Creio em inas quatro dimensões, relativas a inaugurar esferas da experiência. Logos de gazua.”

Mais adiante ele afirma:

“sob a musa da recusa, o livro vale por um manifesto – vela a arte poética, profissão de fé no difícil ofício (afazer de amador), a instaurar a missão não messiânica de afasia na poesia, remissão ao repertório de rizomático paideuma. Tradução é abdução. (a)ventura no prumo do desconhecido. O testemunho do poeta agitprop que arguiu à hõlderlin; a cronomicrometragem da vitalidade-cumming.

Encerrar não é só concluir, mas recolher e compreender. Pós poemas tem a audácia de quem desbrava, com a devida visão do vazio e da vida que vaza; cinzel, crisol, após os pós, restam poemas. E que poemas.”

Recentemente, trocando ideias com o poeta bahiano-paulista Edson Cruz sobre os conceitos do mestre Augusto de Campos, recebi dele um trecho pequeno e contagiante da entrevista dada pelo concretista para a Ilustríssima, da Folha de São Paulo.

Sobre o rigor da poesia atual, Augusto fez o seguinte comentário:

“Hoje, com raras exceções, a poesia que se faz não tem melos, não tem melodia. As pessoas não têm ouvido. A poesia engrena numa espécie de prosa recortada.”

Edson Cruz então completa:

“Reparafraseando Pound, podemos dizer que a poesia “vai deixando de ser poesia quando se afasta da música.”

E por falar em música, na longa entrevista que deu a Claudio Leal, jornalista e mestre em teoria e história contra o cria do Cinema pela USP, houve excelente espaço para a raiz museu, ical de Augusto. Mesmo sem pedir uma licença formal ao professor Claudio Leal, há trechos lindos que merecem ser reproduzidos e divulgados por mostrarem um Augusto ainda muito desconhecido do seu público leitor. Selecionei alguns parágrafos:

“(…) Na capa de “Pós Poemas”, sua despedida dos livros de Poesia, AC aparece no alto de rochas apontadas contra o céu, na Serra do Rola-Moça, em Minas Gerais. Em 1963, na fotografia feita por Lygia de Azeredo, sua esposa, o poeta tinha 32 anos e participava da Semana de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte, e concluía a obra-prima “Cidade”.

“(…) A extrema direita, média ou mínima, é sempre abominável. Sempre fui de esquerda. Mas também sempre anti-stalinista. À esquerda da esquerda, como gostava de se definir o poeta Iessiênin. Estudei russo com Boris Schnaiderman, dele Maiakóviski: “Sem forma revolucionária não há arte revolucionária, que levei para justapor-se ao nosso manifesto”.

“(…) Como o bolsotrumpismo continua solto por aí, é preciso reagir”

“(…) AC surpreendeu a todos ao recitar de cor trechos de poemas lidos na juventude. “O Lobisomem” de Décio Pignatari, ou “La casada Infiel”, de Federico Garcia Lorca. Apontou belezas em temperamentos poéticos diversos dos seus, como ao elogiar um verso aliterativo do romântico Castro Alves – “Auriverde pendão da minha terra/ Que a brisa do Brasil beija e balança”.

Em outro dia, em busca dos originais de um livro no computador, AC encontrou de passagem uma a gente arquivo com “Perguntas”, de Carlos Drummond de Andrade, um dos poemas favoritos dele e de Pignatari em “Claro Enigma” (1951 ). Por um minuto, suspendeu a pesquisa e me pediu para ouvir a interpretação de Drummond a um fantasma.

“No voo que desfere/ silente e melancólico/ rumo da eternidade/ ele apenas responde ( se o acaso é responder/ a mistérios, somar-lhes / um mistério mais alto) – “Amar, depois de perder.”

“- Isso derruba a gente. Drummond é um caso sério”, disse com admiração ao encerrar a leitura.”

Augusto, o Augusto. É isso e muito mais. Que dávida: ter praticamente todos os livros e ter convivido com ele na elaboração, edição e publicação das oito revistas Bric-a-Brac.

Que orgulho! Como todos, aprendemos com o Mestre.

 

Texto de LUIS TURIBA

Luis Turiba em Brasilia. Foto de Rose Araujo.

*Luís Turiba é jornalista aposentado, poeta com 3 livros editados pela 7 Letras do RJ, e outros 8 livros no campo da poesia independente e/ou marginal.É editor da revista anual de invenções poéticas Bric a Brac, criada em Brasília, em 1985. A Bric a Brac 8, última edição, saiu em 2022, uma celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 e ainda pode ser encontrada nas melhores livrarias de Ramos.

@luisturiba

 

 

 

 

 

Author

Pernambucano, carioca, brasiliense, planetário. Rubro-negro e mangueirense. Pai de cinco filhos, avô de cinco netos. O brasileiro Luiz Artur Toribio, conhecido no universo poético como Luís Turiba, inventou e editou a partir de 1985 - ano da eleição de Tancredo Neves/José Sarney para presidente e vice da Abertura Democrática - o primeiro número (1) da revista de invenção poética Bric-a-Brac. Ao longo dos anos 80 e 90 foram confeccionadas seis edições com uma média de 100 páginas e tiragem nunca inferior a mil exemplares, que saíam anualmente com poemas textuais e gráficos; ensaios fotográficos e entrevistas que se fizeram históricas com Augusto de Campos, o bibliófilo e acadêmico José Mindlin; o cantor e compositor Paulinho da Viola; o poeta pantaneiro Manoel de Barros – entrevista feita com trocas de cartas ao longo de seis meses e resultou em 15 páginas na revista -, além da psiquiatra Nilse da Silveira, do babalorixá franco-baiano Pierre Verger; e uma visita-entrevista a Caetano Veloso com a presença de Augusto de Campos. A Bric-a-Brac era editada coletivamente por Luis Turiba, João Borges, Lúcia Leão e o extraordinário designer Luis Eduardo Resende, o Resa, com seu traço inconfundível. A última Bric foi editada em Belo Horizonte em 2022, uma celebração ao centenário da Semana de Arte de 22 com um artigo histórico de Augusto de Campos comentando as relações do grupo Noigandres com os modernistas Mário e Oswald de Andrade. Mas afinal, quem é Luís Turiba? Jornalista e poeta, cronista da vida do brasileiro comum, Turiba é pernambucano do Recife, “cidade pequena, porém descente”, terra de Manuel Bandeira, João Cabral de Mello Neto, Capiba, Luiz Gonzaga e Chico Science. Aos 23 anos, iniciou sua carreira de Repórter no jornal O Globo e depois na editora Bloch/Manchete. A convite, mudou para Brasília, onde foi trabalhar na sucursal do jornal Gazeta Mercantil, editor de Matérias Primas, onde teve a oportunidade de cobrir e conhecer obras e projetos do chamado “Brasil Grande”, como a Transamazônica e o garimpo de Serra Pelada, e outras na região amazônica. Em Brasília, como repórter, ganhou alguns prêmios, entre os quais destacam-se dois Prêmios Essos: um no Jornal de Brasília, contando detalhes de um encontro do seu estagiário Renato Manfredini (no Jornal da Feira do Ministério da Agricultura), o Renato Russo da banda Legião Urbana, com o então todo-poderoso ministro da Agricultura Delfim Neto. O outro Esso foi no Correio Braziliense, com uma cobertura coletiva sobre as áreas públicas brasilienses que estavam sendo legalizadas para a construção de condomínios residenciais para residências de altos funcionários e militares que serviram à ditadura militar. Teve experiências no Jornalismo Político, na Assessoria de Imprensa da Câmara dos Deputados, durante a Assembleia Constituinte que formulou a Constituição de 1988. Na ocasião, assistiu do plenário da Câmara dos Deputados, a famoso discurso do jovem líder indígena Ailton Krenak, que falou vestindo um terno branco e pintando o rosto com pasta preta de jenipapo. Cobriu toda a campanha das Diretas Já e a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral para a presidência da República em 1985. Na ocasião, Tancredo criou o Ministério da Cultura e convidou para ser seu ministro o deputado mineiro José Aparecido. Anos depois, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente, Turiba foi convidado para ser Assessor de Comunicação do MinC na gestão de Gilberto Gil, entre 2002 e 2005. Editou um pequeno livro sobre a política do “Do-In Antropológico”, os Pontos de Cultura e os discursos programático do compositor de “Domingo no Parque” à frente do MinC. Em 2003, produziu os documentários "Gil na ONU" e “A Capoeira no Mundo”, com um programa mundial para a Capoeira. Ambos foram editados em DVDs com o apoio da Natura. Paralelamente à sua carreira de repórter/jornalista, publicou livros de poesia no Rio e em Brasília. Estreou com “Kiprokó”, em 1977, e depois o destaque ficou por conta do premiado “Cadê”, que venceu o Prêmio Candango de Literatura, em 1998. Voltou a morar no Rio de Janeiro em 2010, quando se aposentou do jornalismo. No Rio, publicou três livros de poesias pela editora carioca 7 Letras: “Quetais”, em 2014; “Poeira Cósmica” e em 2020, o “Desacontecimentos”, em 2022. Desde 2023, escreve um romance jornalístico-poético com suas experiências pelo mundo político com histórias vividas no histórico ano de 1968; a prisão pelo DOI-Codi em 1972; a abertura democrática e a Constituinte de 1988; a eleição de Tancredo/Sarney no Colégio Eleitoral; a eleição de Lula em 2002; o retrocesso provocado pela eleição do direitista negacionista que tentou um atrapalhado golpe de Estado em 2023. Título do livro que deve ser editado em 2025: “VIVA ZÉ PEREIRA; Aventuras e Desventuras de uma geração”. Ele já avisou: “o livro será um calhamaço de mais de 400 páginas, um rico material iconográfico e as dez principais entrevistas culturais que fiz na minha carreira e pelo menos 100 poemas inseridos na sua narrativa.” Turiba orgulha-se de ter nascido no mesmo ano que o Estádio do Maracanã, onde a seleção brasileira perdeu o jogo final para a seleção uruguaia por 2 a 1 e mostrou ao mundo, segundo Nelson Rodrigues, “todo o seu complexo de vira-latas”. Apesar da data possuir uma aura de trauma coletivo para os amantes do futebol, o personagem em questão considera esta data uma conquista aos avessos. “Quem viveu um “Maracanaço” só poderia ter como compensação o negro Pelé, filho da terra e redenção humana para a conquista de cinco Copas do Mundo. Por isso, o karma da derrota em 50 “não me pertence. Nem a mim, nem à minha geração. Vivemos a glória de uma geração futebolística pentacampeã do mundo. A única. Perdemos o complexo de vira-latas””, costuma afirmar orgulhoso o poeta editor da Bric-a Brac e agora colunista.

One comment

  • Que bela crítica amorosa, meu poeta querido. Augusto, na sua linguagem inventiva, inovadora, criadora é inigualável! Parabéns pelo texto. Abraços deste seu fã

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