Coluna de Márcio Calixto
Sobre Andar de Moto
Passei a vida ouvindo sobre o perigo de se andar de moto. É perigosa mesmo. Inegável. Durante anos, principalmente os primeiros de minha vida, escutei sobre Popô, amigo de meu pai, trabalhavam juntos no Jornal O Globo, que morreu na Avenida Brasil, de moto. Porém, meu fascínio por motores era maior. Se havia ódio à moto, na mesma proporção havia o amor ao carro. Herdei esse amor do velho, do mesmo velho que perdeu Popô.
Apolônio se foi e deixou esse misto de raiva e medo no meu pai. Não posso dizer que fiquei incólume. Nunca vi Apolônio, tornou-se folclore. Um dia tomarei coragem e vou perguntar ao meu pai onde Popô faleceu de moto, em que altura da Avenida Brasil. Passo pela mesma avenida sempre para ir à escola do Município onde dou aula. Cruzo-a todinha, em um misto de prazer e preocupação. Amo andar de moto. Melhor, pilotá-la. É prazer e prazer. Há quase todos os prazeres na moto.
Pilotar moto é navegar no deserto particular. É praticar aquele infinito singular, sem cronômetro, ponteiros e um tique taque de cobrança. Por mais que se firme ir de um lugar ao outro, haver um destino e se deligar a máquina, voltar a vida comum, trabalho comum, oxigênio comum, sobre a moto, há aquela divina respiração de vida. O ar inunda. Acima dos oitenta por hora, há deuses no ar. Ou o próprio Deus.
Demorei muito para começar a pilotar. Minha paixão por carros, pelo Fusca, me fez ficar refém. Levei 20 anos para voltar à autoescola. O custo de vida diminuiu com a moto, mas não é isso que me move – apesar de ter aqui explicitado – há alguns anos tenho buscado aquilo que mais a tem a oferecer em seu esplendor. Tem algo de amor nesse processo de autoamor, de me descobrir em mim mesmo. E ainda, aos 45 anos, já sou há mais de um ano um motociclista feliz.
Os mais próximos podem colocar esse autoamor e amor pela moto no universo do Heavy Metal. Claro que casam e me torno ainda mais caricato. Barrigão, bração, barbão, deixei o cabelo crescer depois do segundo filho, tatuagens, uma obviedade atrás de obviedade. Em miúdos, cheguei à meia idade. Para os mais novos – ou minha filha – tornei-me cringe. Por sorte, a minha gótica gratiluz gosta, “Pai, estou amando essa sua nova fase”.
Fico pensativo. Será fase? Volto-me ao processo de autoamor. Amar-se. Amar a si mesmo. Piegas. Bonito. Meio autoajuda de Instagram. De TIKTOK. Olho para a moto: uma Custom de 150cc com dez anos de idade e que chegou agora a dez mil rodados. Comprei-a de um coroa também. Meia idade, Buscava uma 250cc chamada Horizon. Minha moto tem o nome de Kansas. Ele a havia deixado parada. Tinha 3 mil rodados . Queria fazer um projeto. Nunca foi para frente. A Kansas é que agora roda.
MÁRCIO CALIXTO
Professor e Escritor
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Márcio Calixto. Foto: Divulgação.
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