Oi, amigos e amigas, aqui é o poeta Tanussi Cardoso. Vamos iniciar a coluna “SEXTAS POÉTICAS” de hoje, com um poema que sairá no meu próximo livro, intitulado, “Depois do Sol”. Espero que gostem.
SALTO
Eu, que tenho a idade dos lobos nas festas dos cemitérios
Eu, que sinto o pulso das marés nas ondas que não mais surfo
Eu, que vi o último pássaro a vagar solto pelos vales soturnos
aprendi a liberdade do beijo na boca saborosa do espelho
Eu, que tenho o sexo a latejar loucuras, punhais, venenos
e vi meninos negros a mendigar brinquedos
acreditei em estrelas, luas, mistérios e desejos
Eu, que compreendo os velhos que do amor não souberam
e cresci ouvindo o pai dizer homem não chora
ainda choro ao ouvir o som das sanfonas nos desertos
Eu, que no escuro cego ainda sinto os dedos fálicos e crus
dos mágicos sonhos secretos e gozo
Eu, que desde antes do Dilúvio perdi a fé
aprendi que Deus é um ser estranho
fantasma que come seus frutos
Eu, incêndio inaugurando o mar
Eu, o permanente escândalo dos rumores e provérbios
a água que não pode ser bebida
a hóstia que não pode ser servida
a pele que não pode ser tocada
o corpo que não pode ser comido
para que o labirinto não se desfaça
e a esfinge não perca o seu encanto
Eu, que sei o insustentável peso da paixão
do preço de um homem no chão
do olho que só me vê fora de mim
espião
de mim mesmo o ladrão
alma que se liberta do seu cão
Eu, esse descompasso corporal
aprendi que fazer poemas é equilibrar ócio e vício
e me assusta a luz da lua entrando
pela janela aberta desse edifício
(Tanussi Cardoso)
“DICA DA SEXTA”:
LUIZ EUDES – “MANHÃ NA GARGANTA” (Pragmatha Editora, 2024)
LUIZ EUDES nasceu em Sátiro Dias, Bahia. É especialista em teoria literária, escritor, curador, roteirista, cineasta, ativista cultural, além de escrever livros infantis. Entre seus diversos livros (incluindo, antologias físicas, no Brasil e em Portugal), a novela “Cangalha do Vento” foi publicada, também, em Portugal e Angola e traduzida para o italiano, bem como seu romance “Rosário Desgastado”, igualmente traduzido ao italiano. Organizou diversas antologias. Colaborou com o livro “Arraial do Junco: crônica da sua existência”, de Tom Torres; e é coorganizador da “Coletânea Caboco Setenta – Antônio Torres: 50 anos de literatura”. Entre suas várias moções culturais, podemos destacar a “Personalidade de Importância Cultural” (União Baiana de Escritores), a comenda Rachel de Queiroz (Academia de Letras de Fortaleza) e o “Prêmio Ibero-americano pela Cultura e a Paz” (SP). É filiado à Associação Brasileira de Jornalistas, bem como, Curador do “Sarau da Cidade” e do “Literatura com Cachaça” (Alagoinhas), do “Sarau in Sampa” (São Paulo) e da “FliPaiaiá” (Nova Soure). É membro de diversas associações literárias, como “Academia de Cultura da Bahia”, “Casa do Poeta de Alagoinhas” e pertence à União Baiana de Escritores, à UBE-SP, à Academia de Letras e Artes de Fortaleza, à Academia Contemporânea de Letras (SP) e ao Círculo Acadêmico de Letras de Moçambique.
Sobre o livro “MANHÃ NA GARGANTA” (Pragmatha Editora), diz o escritor, historiador e quadrinista, Darlan Zurc: “O estilo eudesiano é típico do modernismo: não faz curva desnecessária, esclarece logo o que deseja, evita rodeios. (…) A vida no campo se impôs no livro. A cidade foi tragada por suas reminiscências bucólicas junto aos pais, às filhas, ao cachorro Vinagre, às árvores secas, à cigarra colorida, ao silêncio recolhido etc. (…) Eudes fez um mergulho em si mesmo de maneira tão intensa que tudo parece confissão. (…) Outro aspecto curioso nos versos dele é a alusão ao próprio ato de escrevê-los. (…) A poesia de Eudes é fragmentada o suficiente para que as coisas tenham várias e várias interpretações. (…) Amarrado a algumas convenções que a prosa de modo geral estabelece, Eudes se soltou nos poemas.”
Com vocês, a voz do poeta LUIZ EUDES:
DE QUE SÃO FEITAS AS HORAS?
Vale a palavra e a terra azul
a menina da tarde florida
o relógio de olhos sonolentos da manhã.
Tudo volta no gesto silencioso
Do moço de capa de chuva sob as estrelas
Na noite ferida de inquietude parda.
De que são feitas as horas?
(Luiz Eudes)
Portanto, não deixem de ler e adquirir o livro de LUIZ EUDES: “MANHÃ NA GARGANTA” (Pragmatha Editora, 2024), belo a partir do título.
“DICAS DE EVENTOS”:
– Hoje, dia 19 de abril, das 09 às 17h, “DIA DOS POVOS INDÍGENAS” – Feira Urussumirim Karioka. Local: Museu Nacional dos Povos Indígenas – Rua das Palmeiras, 55, Botafogo. Entrada gratuita. Retirada de ingressos no site da Sympla.
– Dia 23 de abril, às 15h, “SALVE, JORGE!”, com roda de samba do grupo MISTURA DE SANTA, que tem como integrantes o poeta LUÍS TURIBA, e LUCA ANDRADE, em homenagem a São Jorge, com direito a feijão amigo. Local: Bar da Fatinha, na Rua Áurea 2A, Santa Teresa. IMPERDÍVEL!
– Dia 24 de abril, às 19h, BALBÚRDIA POÉTICA 3: Leminski + Torquato à + de 80, sarau em homenagem aos poetas PAULO LEMINSKI e TORQUATO NETO, uma produção de ARTUR GOMES, LUÍS TURIBA e TCHELLO d’ BARROS. Poetas confirmados, até hoje: ARTUR GOMES & FIL BUC, ANNA MARIA FERNANDES, AROLDO PEREIRA, CARMEN MORENO, DELAYNE BRASIL, EUGÊNIA HENRIQUES, FERNANDO ANDRADE, FABIO PESSANHA, IGOR CALAZANS, JORGE PIRI, JORGE VENTURA, KARLA JULIA, LUIS TURIBA, MARCELA GIANNINI, MARGARETH BRAVO, MÔNICA SERPA, PAULO LEMINSKI NETO & CLAUDIA LEMINSKI, RICARDO REIS, RONALDO WERNECK, ROSE ARAUJO, SADY BIANCHIN, TANUSSI CARDOSO, TCHELLO D’BARROS, TELMA DA COSTA, TONINHO VAZ e WANDA MONTEIRO. Lançamentos dos livros de ARTUR GOMES e TONINHO VAZ. No Bar do Ernesto, Lapa. Entrada gratuita.
– Dando continuidade ao seu “CICLOS DE PALESTRAS”, a Academia Brasileira de Letras (ABL) apresenta “Poesia na Academia”: dia 25 de abril: GILBERTO GIL. Na Av. Presidente Wilson 203, Centro. Ou pelo site www.academia.org.br. Entrada franca.
– Até 28 de abril, BRUCE GOMLEVSKY, depois de encantar com o seu “Renato Russo – O Musical”, encarna, agora, outra figura mítica, em “RAUL SEIXAS – O MUSICAL”, com direção e dramaturgia de LEONARDO DA SELVA, no Teatro EcoVillariHappy, Sala Tom Jobim, Rua Jardim Botânico, 1008, às sextas e sábados às 20h e domingos, às 19h. Ingressos: https://eventim.com.br/artist/raul-seixas-o-musical/
– Dia 29 de abril, às 15h, “O ELIXIR DOS GÊNIOS GUIMARAENS”, palestra do Professor IVAN PROENÇA, com lançamento do livro “CORRENTEZAS EM TINTA E VERSOS” (Ibis Libris), reunindo 11 poetas da família Guimaraens, num projeto de tirar o fôlego. IMPERDÍVEL!
– Até 02 de junho, de terça a sábado, das 9h às 18h, BRACKBERRY, Palavra e Imagem, exposição de WALTER SILVEIRA, com curadoria de DANIEL RANGEL, no Sesc São Gonçalo, Av. Pres. Kennedy, 755 – Estrela do Norte, São Gonçalo. Entrada franca.
NOTA FINAL:
No mundo da literatura e das artes, em geral, tantas vezes o ego sobrepõe-se a amizades e as relações se tornam vazias, ocas, supérfluas. Por isso, ficamos imensamente felizes e gratos quando gestos delicados e generosos emergem desse mundo. Nos últimos dias, fui acarinhado por dois grandes poetas, com atos simbólicos de poesia e afeto.
O poeta JORGE ECHENIQUE FEBRERO, uruguaio, mas, cada vez mais brasileiro, atualmente, morando no Piauí, esteve presente no evento do nosso querido IGOR CALAZANS, “VI SARAU EPOCHÉ”, e me presenteou com seu livro “HASTA”, um poema criado em 1988, em Montevidéu, uma verdadeira raridade, que ainda por cima, veio acompanhado de um DON PASCUAL, Reserve, Tannat, uruguaio, 2022. Meu agradecimento ao amigo JORGE ECHENIQUE FEBRERO, conhecido desde o tempo da poesia marginal, quando eu e a poeta LEILA MÍCCOLIS organizávamos a Editora Trote. Grande abraço fraterno, meu irmão.
O outro grande presente veio de um de nossos maiores poetas: DINOVALDO GILIOLI, que, também, acompanho desde os anos 80-90. DINO teve a gentileza de me enviar, delicadamente envolto num pano azul, com laço da mesma cor, um livrinho feito de forma artesanal, com somente 50 exemplares numerados, intitulado “PALAVRAS TRAÇADAS” (2024), desde já, também, uma raridade. Para que se entenda melhor a sutileza e a ironia do título é bom dizer que ele é todo escrito a mão, em papel “comido” pelas traças. O livro veio acompanhado de um belo texto que peço permissão para dividir com vocês:
“Tanussi, que o tempo é efêmero e que sobre ele, no sistema em que vivemos, temos pouco domínio, é fato. Que com o tempo há o desgaste natural das coisas e de coisas que não são coisas, nós humanos por exemplo, também é fato. Que coisas guardadas por muito tempo, à espera de se concretizar, estão sujeitas a estragar, a se deteriorar, é mais um fato. Sabendo de tudo isso, deixei por mais de quinze anos uma proposta pendurada na cabeça. As razões são muitas e múltiplas e não vale a pena mencioná-las. O que de fato interessa é que agora, apesar dos estragos causados na tal coisa, ela chega até você do melhor jeito possível. Palavras traçadas é propositalmente chamada assim pelo óbvio da aparência, resultado do ataque de insetos, apesar de todo o cuidado ao ser guardada. Por falar em aparência, a ideia aqui é que ela ganhe menos evidência, menor importância, em tempos em que a imagem parece ter mais valor que o conteúdo da mensagem. Aposto na tentativa de ressignificar o objeto que pode ser classificado como estragado, rejeitável, descartável. Na sociedade de consumo rápido e exacerbado, brilhar efusivamente e durar pouco faz todo sentido. Mas o que faz sentido mesmo é o que a gente sente! Por isso, a minha alegria de poder compartilhar com você palavras traçadas de afeto, senso crítico e amor. Que elas possam lhe tocar de algum modo, num momento em que até crianças viram estatística de mortes numa guerra insana de adultos. Beijos alargados em seu coração! Ilha de Santa Catarina, primavera 2023. Dino Gilioli.”
Assim, emocionado e grato, deixo com vocês a poesia milimetricamente bela e grandiosa do poeta e amigo DINOVALDO GILIOLI.
“adoro conversar / com palavras / são boas de ouvido”
“tenho sede de palavras / às vezes me afogo”
“com palavras / se pode calar”
(DINOVALDO GILIOLI)
Por hoje, é só. Grande abraço poético do Tanussi Cardoso e até à próxima Sextas Poéticas.
TANUSSI CARDOSO
Confira as colunas do Projeto AC Versos & Prosas:
com César Manzolillo
Eu amo as sextas poéticas.
Que maravilha è ler esse coluna da Tanussi, notícias vivas, pulsantes e que nos inspiram e impulsionam.
Seu poema é, como sempre, grandioso e estupendo.
Minha gratidão ao poeta e sua generosidade
Bric-abraços
Luis Turiba
Muito bonito, meu bróder. A assonância do “eu” me lembrou do poema Deus negro, de Neimar de Barros.
Tanussi, sextas poéticas é um benção em tempos de tantas bestas. Seu poema salto assaltou meu coração. Suas dicas literárias, atuais e necessárias. Grato pelo carinho e gentil comentário sobre “palavras traçadas”. Sigamos trançando poemas, despertando consciências, encharcando almas…
Gratidão, por tão boa Sexta poética! Sucesso querido Tanussi!