Rótulos e a invisibilidade

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Escritores “malditos” ou “marginais” não têm muito espaço no mercado literário

Heitor Villa-Lobos, ao ser apresentado como compositor brasileiro, reagia indignado: “Não sou um compositor brasileiro, sou músico e faço música universal”.

Os rótulos sempre existiram para indivíduos, grupos ou movimentos. Foi lá pelo final da década de 1940 que uns caras, Jack Kerouac, John Clellon Holmes e Allen Ginsberg, criaram o movimento autodenominado Beatnik. Eles flertavam com o submundo e remavam contra a corrente careta, estabelecida nos EUA pós-guerra.   Foi o start para uma juventude inconformada com os conceitos sociais, políticos e filosóficos, reinventar a liberdade de ser, estar e criar. Na mesma onda, muitos outros surgiram: vanguarda, underground (udigrudi no Brasil), marginal, e uma infinidade de outros movimentos que surgem e desaparecem. Deixam fragmentos de histórias e pretextos para novas crias.

Tais manifestações sempre foram encaradas como ideologias, que tornam possível fugir das balizas controladoras do capitalismo ou da angústia causada por ele. São, também, no que diz respeito à cultura, em sua mais abrangente significação, o contraponto ao Mainstream, ou aquilo que é para as massas, o que é familiar, comum ou usual, a alienação oferecida em forma escrachada, a morte da inteligência e a reverência ao dinheiro. Como afirma Frédéric Martel em seu livro Mainstream – a Guerra Global das Mídias e das Culturas, “Os meios de comunicação são cada vez mais direcionados para essa corrente, e a internet  potenciou essa cultura de forma espantosa”.

Os movimentos de contracultura sempre foram, portanto, uma real ameaça. É aí que aparecem os rótulos, armas poderosas contra tudo o que coloca em perigo o status quo da cultura estabelecida. Como se fossem demonstrações folclóricas de pequenos grupos, recebem o tratamento, na mídia, de coisa nova e passageira, uma forma interessante, mas estranha e até ingênua de ver o mundo. E se replica em todas as instâncias, seja na literatura, no audiovisual, nas artes plásticas, na moda e no comportamento.

2 - Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus

Um exemplo de rotulagem recente é a efêmera exaltação da literatura marginal, como se tivesse acabado de surgir. Apresentam com citações, indicam autores e livros, em matérias curtas e rasas, e deixam cair o pano.

Assim, pescam um ou outro, com tratamento de ave rara, num generoso reconhecimento e garantem a invisibilidade das mais autênticas, inovadoras e incômodas criações.

Como repudiava Villa-Lobos, somos todos escritores produzindo literatura. Se boa, ou ruim, o julgamento deve ser do leitor.

Para não deixar passar a oportunidade, apresento dois autores que, se não fossem “marginais”, estariam em todas as estantes:

Carolina Maria de Jesus: seu diário foi publicado em 1960, intitulado Quarto de despejo. Publicou também Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de fome e Provérbios (1963).

Diário de Bitita (1982), Meu estranho diário (1996), Antologia pessoal (1996) e Onde Estás Felicidade (2014) foram publicados após sua morte, em 1977.

 

3 - Escritor_Sacolinha_Foto - Wanderley Costa

Escritor Sacolinha / foto: Wanderley Costa

Sacolinha: suas obras: Graduado em marginalidade (2005), Estação terminal – Romances (2010), 85 letras e um disparo (2006),  Manteiga de cacau – Contos (2012),  Peripécias de minha infância – Infanto-juvenil (2010), e Como a água do rio – Autobiografia (2013)

 

Author

Marco Simas é cineasta, escritor e roteirista. Mineiro de Nepomuceno, radicado há muitos anos no Rio de Janeiro. Sempre ligado ao cinema, como roteirista e diretor, realizou vários filmes de curta-metragem,entre eles, os premiados "Um dia, Maria", "Solo do Coração" e "Com o andar de Robert Taylor". É ainda autor dos livros "Barbara não quer perdão", "Último Trem" e "Aqui Estamos Nós - Identidade".