Em nosso ritual havia uma profunda cumplicidade. Era eu chegar a casa, ainda no carro, ela subia em meu colo, só me deixava sair quando a acariciava ou quando a beijava. Foi a minha cachorra. Aquela que realmente me soube ser completa, em uma vivicidade só nossa. Por que se foi, Minha Cachorra? Por quê?
Recebo a notícia de sua partida. Passei a noite deitado em frente dela, acariciando-a. Respiração pesada, olhar absorto, eram seus últimos momentos. Lembro de todos os nossos momentos. De quando me salvou de uma cobra. De outra cobra. De quando me trouxe uma preá morta. Um sagui. Gato também. Chateei-me mesmo quando ela matou uma família inteira de corujas buraqueiras. Havia cortado uma mangueira, que ameaçava tombar para cima da casa. Com o toco restante, ficou um lugar perfeito para uma família de buraqueiras. Convivemos por dois meses. Adorava o crocitar delas. Me acordavam no momento certo em que eu deveria acordar para ir dar aula. Pena que durou pouco. Acho que Menina ficou com ciúme e comeu a família toda. Fui eu voltar para casa que só vi penas dispostas pelo jardim. Reclamei muito. Briguei. Ela ficou sentida. Nunca mais pegou uma coruja depois dessa. Seu alvo se tornou pombos. Adorava-os.
Depois de minha separação, ela foi para a casa onde também estava a minha filha. Fui morar em um apartamento, isso ia acabar com a cachorra. Porém, não perdemos contato. Menina passou a morar onde havia uma veterinária à disposição. Descobriu-se um câncer nela. Depois de tratada, ela teve 4 AVC’s. O câncer voltou. Sua idade avançada cobrou o tempo.
A mãe de minha filha liga, era o aviso. Parti para ver Menina. Com a minha chegada, ela ganhou sobrevida. Recuperara um pouco de suas capacidades. Resolvi voltar para casa. Seria prova de Sofia no dia seguinte na escola. De noite, a notícia. Pensei mesmo que ela fosse suportar até um pouco mais. Mas não. Menina se foi. E ela se torna insubstituível.
Vá em paz, filha. Você foi a melhor!
MÁRCIO CALIXTO
Professor e Escritor
Coluna de Márcio Calixto