“Escrevo por obsessão e por querer chegar aos outros. Não tenho ilusão de atingir um público imenso, quero apenas ter a possibilidade de fazer quem me lê refletir sobre realidades mais complexas e – por que não? – mais delicadas e sugestivas do que as que nos oferece um surrado dia-a-dia.”
Nascido e criado no pequeno povoado mineiro de Tebas, o jornalista, escritor e artista plástico Elias Fajardo se aventurou na cidade grande com apenas 18 anos.
E todas as suas aventuras, vivências, lembranças, desejos, fantasias e causos são expostos em suas obras. A mais recente, o romance “Belo como um Abismo”, ficou entre os 10 melhores livros de 2015 do prêmio Jabuti, o Oscar da literatura nacional.
A paixão pela escrita teve que “brigar” por espaço com a paixão pela pintura, que já o levou até a fazer algumas modestas exposições. Mas nada que abale o talento e a tranquilidade desse mineiro típico.
Quando começou essa sua paixão pela arte da escrita? A profissão de jornalista teve influência?
Quando criança, queria ser escritor e pintor. Vim morar no Rio de Janeiro aos 18 anos e fui atraído pelo jornalismo: seria um caminho pra virar escritor. Mas horários puxados nas redações me deixavam pouca energia pra escrever. Publiquei dois livros de contos e uma novela nos anos 70/80. Fiz um romance e não consegui publicar. Passei mais de dez anos “de mal” com a literatura.
Em 2008, meu filho único foi morar na Austrália e, para me distrair do impacto desta separação, retomei o romance. Daí, surgiu “Ser tão menino”. Depois, publiquei “Aventuras de Rapaz”- ambos romances de formação – e, finalmente, “Belo como um abismo”, uma narrativa picaresca astral, todos pela 7Letras.
Que temas inspiram ou interessam a você?
Meus dois primeiros romances têm aspectos autobiográficos fantasiados, mitos, histórias da carochinha, mentiras, verdades, desespero, alegria, dor, iniciação sexual e política, perplexidade diante do vazio e curiosidade diante do mundo. Uma infância mineira de alguém que se desprende da terrinha e vem viver no Rio de Janeiro no período de 1965-1968, quando o mundo se descortinava diante de nós e cabia à nossa geração conquistá-lo e ajudar a construir um país mais justo e solidário.
Mas cansei do personagem “eu” e de escrever sobre a “mineiridade”. Daí, fiz “Belo como um abismo” tendo como personagens uma gata vira-latas que encarna duas escritoras consideradas símbolos de uma relação tumultuada e mal-sucedida em vida com a tal da escrita: a inglesa Emily Brontë e a americana Emily Dickinson. Elas viajam no tempo e no espaço e convivem com personagens do século XXI.
O escritor deve poder escrever sobre tudo, desde que ponha intensidade no texto e as palavras tenham asas para fazer o leitor viajar. O grande autor turco Orhan Pamuk diz que “o paradoxo central da arte do romance é a maneira como o romancista luta para expressar sua visão pessoal do mundo no mesmo passo em que enxerga o mundo por olhos alheios”.
É muito bom, ainda que a recompensa financeira seja pífia. Escrevo por obsessão e por querer chegar aos outros. Não tenho ilusão de atingir um público imenso, quero apenas ter a possibilidade de fazer quem me lê refletir sobre realidades mais complexas e – por que não? – mais delicadas e sugestivas do que as que nos oferece um surrado dia-a-dia.
Além de escritor, você é artista plástico. Como um talento colabora e dialoga com o outro?
Quando “briguei” com a literatura, dediquei-me mais às artes visuais, fiz cursos no Parque Lage, tentei criar novas possibilidades misturando minhas fotos com pintura em tinta acrílica. Fiz algumas exposições e, de vez em quando, vendo alguns quadros. A pintura me interessa muito e farei este ano uma exposição chamada “Viva Leopoldina!” na minha cidade mineira natal. Na verdade, sou de um povoado chamado Tebas e ainda penso que quem não é de sua terra não é de lugar nenhum.
Mas existe um risco: assoviar e chupar cana ao mesmo tempo pode não resultar nem numa boa pintura nem numa boa ficção.
Seu último romance, “Belo como um abismo”, ficou entre os 10 melhores livros brasileiros de 2015, concorrendo ao prêmio Jabuti. O que esse reconhecimento significa para um escritor?
Inscrevi meus dois primeiros romances no Jabuti e não foram selecionados. Quase desisti de inscrever o “Belo”. Depois pensei: este talvez seja meu trabalho mais elaborado de ficção, nele tentei ir mais fundo e refundar minha linguagem. Então, desembolsei a grana da inscrição e fiquei feliz demais de estar entre os dez melhores em um dos concursos mais expressivos do país, em que se inscreveram mais de 200 romancistas. Ainda estou lambendo minha cria.
Tem alguma nova obra no prelo?
Tenho um novo livro de contos pela metade. Mas há mais de dez anos, estimulado por meu amigo Wagner Nogueira, que me pediu algumas letras pra suas canções, me arrisquei a letrar e depois “poemar”. A poesia é o mais difícil dos gêneros literários: já foi muito praticada e esculhambada, e haja fôlego pra enveredar por este caminho.
Há alguns anos comecei a ler e a estudar haicais japoneses e brasileiros e, depois, a postar no facebook os meus poemas. A certa altura, achei possível reunir isto em um livro e, assim, nasceu “Poemas do vai e vem”, que está sendo lançado entre abril e maio de 2016 pela 7Letras. Hoje, quando alguém me diz o que acha dos meus “mal ou bem traçados” versos ganho meu dia, fico contente demais!
Minha inspiração vem em parte de uma visão taoísta da relação com a natureza e os seres vivos.
Com o quê sonha um escritor/artista plástico?
Sonho em tomar o leitor e o espectador pela mão e levá-los a passear pela floresta mágica do texto e pelos jardins encantados das formas e cores.
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