Obviamente Jorge Amado adoraria essa “Gabriela”

 

Eu quero escrever, mas não sei por onde começar.

No último sábado, fui a procura de algum espetáculo, eu estava certa de assistir a cantora Rita Benedito no Circo Voador, e pensei comigo mesma que eu poderia sair mais cedo e assistir a uma peça no centro, ali por perto da casa de show que eu iria. Entrei no Instagram e vi o dramaturgo Adalberto falando sobre a montagem “Gabriela”, entrei em contato com ele perguntando como era a peça, ele foi tão gentil e tão alegre ao responder, a voz transmitia uma energia tão prazerosa aos meus ouvidos, que não tive dúvidas quanto ao que eu ia assistir.
Entrei em contato com a produção através do insta e fui respondida de imediato, e tive a impressão que tudo daria certo. Ledo engano…

Porque tudo isso não foi absolutamente nada diante da obra que assisti, que surpresa formidável, que obra GOSTOSA, que leveza, que brasilidade, que musicalidade, que tudo, que riqueza. Sabe, eu vi naquele palco o futuro do teatro, jovens artistas que trilharão seus caminhos, que vão brilhar, isso é incontestável.

Sou fã do Jorge Amado e não posso deixar de dizer que também do Caymmi, são dois artistas brasileiros que tenho devoção, a mais honesta admiração e amor. O legado deles durará enquanto esse país existir, porque trazem exatamente tudo que somos. Podemos dizer que somos da terra da “Gabriela – Cravo e Canela” e dos “Capitães de Areia”, somos da terra do mar, como cantou Caymmi, acho isso tão sofisticado, essa representatividade brasileira que eles trazem para nós.

No momento, estamos em alta pelo mundo, com o filme “Ainda Estou Aqui”, que conta a história de uma família brasileira durante a terrível ditadura, conhecida como anos de chumbo, e quem conhece a história de Jorge, sabe bem que o artista teve que sair do Brasil, quem era encontrado lendo suas obras era preso. Se hoje falamos sobre nossas religiões no Brasil com liberdade, se somos uns pais laico, devemos a ele, que levou ao congresso em 1946 o projeto, por ser macumbeiro, ele não suportava mais o secretismo. Foi amigo da mãe Menininha do Gantoes, foi responsável por tirar de um museu a cabeça do Lampião, Maria Bonita e de outros cangaceiros expostas, levando conforto as famílias. Hoje considerados ícones de resistência e da cultura nordestina. Tinha algo em Jorge muito humano, muito para além do que posso dizer, argumentar, ele foi um homem distinto quando se permitia olhar para o outro.

A obra “Gabriela” quando ele vendeu os direitos autorais, deu a oportunidade de comprar a casa que hoje é o seu memorial, um brasileiro que não admira Jorge Amado, não é brasileiro de corpo, alma e coração, muito menos entende de Brasil e suas questões sociais.

A obra assistida no Teatro Dulcina é dos alunos da escola de teatro musical Ceftem, e diante disso fui ao teatro tranquila, sem me preocupar com os erros que os jovens artistas poderiam cometer no palco, mas foi aí que levei uma bela banda, e assisti uma obra inusitada, inteligente, com comicidade, maturidade e cores.

Não vi tensão artística, nada disso, e talvez exatamente por isso notei que eles estavam como flores que desabrocham no tempo de cada um deles no palco, sem se preocuparem conosco, com críticos e academia, os doutores do teatro. É isso que coroa a obra, a faz mais humana, menos cruel, um manjar estilo Molière e Zé Celso.

A obra é conduzida por Marresi e João Fonseca, feras do teatro carioca, podemos dizer do teatro brasileiro. João foi assertivo em sua direção, soube trabalhar com os alunos, eles estavam felizes, isso é tão visível…
Existe a responsabilidade de fazer bem feito, mas não da forma que muitas vezes mostrar ao patrocinador que valeu a pena ter me dado a oportunidade, nada disso, muito longe disso. É tudo tao mágico, tão embebido no frescor, que apenas digo, que delícia poder sentar e assistir algo que nos leva a risos, a apenas assistir, a compreensão, a entender a obra.

Que me perdoe o cenógrafo, o iluminador e figurinista, mas dessa vez, eu quero mesmo é falar do futuro, dos jovens que entenderam a proeza do Tony Lucchesi e seu arranjos, a brasilidade, nossas músicas, meu Deus, que travessia MARAVILHOSA. Quase tudo ia em direção do nordeste, no ritmo forroziado, que eu, filha de nordestino, simplesmente ADORO!

Djavan, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Caymmi, tudo ali, com arranjos de mais alto nível, aliás não posso deixar de mencionar a qualidade do som, uma proeza dos técnicos envolvidos. Um som limpo e sem ruídos, bravíssimo.

Todos os artistas no palco se comportam bem, cheios de vigor, de sede, mas uma sede saudável, sem se atropelarem nas cenas. Alguns personagens me chamaram mais a atenção. Posso começar falando da Glorinha (Isadora Gomes), a personagem que vive presa ao Coronel Coriolano (Jhony Maia), fazem um belo casal em cena, mas a atriz entendeu a chave de virada da personagem dela, que está ligada aos ais e mesmo tom de música quando entra em cena. Ótima!
Tonico Bastos (Matheus Damaso) é um personagem que nos faz rir só de olhar para ele. O texto ficou bem para o jovem artista, quase me matou de rir! Belíssima voz também.
Malvina (Gabiá), canta com excelência, principalmente quando cantou “Frevo Mulher”, foi de arrepiar, expressão facial fascinante.
Gabriela (Tarini) foi uma delícia de ver, com e sem malícia, corpo solto, voz belíssima, não tem como não simpatizar com a personagem.
Zarolha (Marcela Amorim Pô), a quenga que ama, está ótima em cena.
A mãe da Malvina (Beatriz Faria) é uma personagem madura e imponente, a atriz tem uma voz belíssima e nos deixa com uma atuação mais ponderada, mas muitíssimo bem-vinda.
As quengas são muito boas, apimentam a obra, a vida sem quenga não tem graça. E literatura sem amor de quenga, não tem tanta graça, né?

Jorge teria amado essa montagem, logo ele que incentivou a esposa Zélia Gatai a escrever “Anarquista Graças a Deus”, sem se preocupar com a literatura, apenas escrever, ele iria dizer: eles encenaram…

Posso dizer que estou em estado de encantamento com a obra assistida, em êxtase mesmo, estive no teatro tantas vezes esse ano, mas confesso de coração que fecho o ano muito feliz em saber que ainda temos obras como essa, que trazem mensagens contra o machismo sem tanta visceralidade e sem gritos, mas acreditando no futuro sem ele, que ele é demodê, e isso me fez bem, me fez flutuar, eu estava tão a vontade, como se fosse minha sala de estar, sei lá, uma sensação libertadora de que a vida e o trabalho podem ser levados com sutileza, e de maneira simples executarmos com delicadeza nossas funções, as deixando belas e apreciáveis.

Muito obrigada a vocês alunos e aos maestros professores, juntos vocês são o amanhecer de uma nova era, ao menos para mim.

Valeu muito assistir!

 

Sinopse

GABRIELA – O MUSICAL é uma adaptação de um dos livros mais premiados da literatura brasileira: “Gabriela, cravo e canela”, de Jorge Amado.

O espetáculo é uma homenagem à Cultura Brasileira e está chegando ao Rio de Janeiro com uma equipe criativa única, composta por profissionais renomados do mercado de Teatro Musical. A trilha sonora combina músicas originais de João Fonseca e Tony Lucchesi com clássicos da música popular, conhecidos nas vozes de artistas como Gal Costa, Maria Bethânia, Zé Ramalho e Geraldo Azevedo.

A trama, ambientada em Ilhéus na década de 1920, gira em torno do romance entre o sírio Nacib e a jovem retirante Gabriela, uma das personagens femininas mais icônicas de Jorge Amado. Ela personifica as transformações de uma sociedade patriarcal, arcaica e autoritária da época, impulsionada por uma renovação cultural, política e econômica, através de seu jeito livre de ser.

A adaptação faz um paralelo com a atualidade, abordando temas como a liberdade feminina e direitos das mulheres, incentivando o público a refletir, de forma leve e divertida.

 

Ficha Técnica

Gabriela – O Musical
Uma história de Jorge Amado

Adaptação: Vitor de Oliveira
Músicas originais: João Fonseca e Tony Lucchesi

Direção geral: João Fonseca e Nello Marrese
Direção musical: Tony Lucchesi
Coreografias: Bella Mac

Elenco: Allan Baluwt, André Celant, Avner Proba, Beatriz Faria, Clarissa Chaves, Dan Mello, Fernanda Botelho, Gabiá, Igor Barros, Isabella Antunes, Isadora Gomes, Jennifer Lemos, Jhony Maia, Julio Lima, Lucas San, Luísa Gomes, Marcela Amorim, Matheus Damaso, Mathias José, Sarah Aysha, Sofia Kirk, Sônia Corrêa, Tairini e Vinícius Medeiros.

Realização: CEFTEM Produções

 

SERVIÇO

Gabriela – O Musical

Curta temporada
22 de novembro a 8 de dezembro de 2024
Sextas e sábados às 19h e domingos às 18h
Teatro Dulcina – Cinelândia | Rio de Janeiro (R. Alcindo Guanabara, 17 – Centro)
Ingressos: R$80 inteira e R$40 meia-entrada
Mais informações em @gabrielaomusical

 

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

 

 

 

 

 

Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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