O tubarão que abraçou a paz

Foto: Renato Mangolin

 

Ah! Se eu pudesse, eu gritaria para todas as mães cariocas: levem seus filhos ao teatro, vão assistir “Bertoldo, o Tubarão que Queria Ser Gente”!

Sinopse

Inspirado no conto “Se os tubarões fossem homens”, de Bertolt Brecht, o espetáculo parte de uma pergunta que toda criança já fez: quem decide o que é certo?
Em cena, um tubarão confuso é convencido pelo enigmático Professor Ninguém a ensinar peixinhos a nadar até a sua boca. Do outro lado, o astuto Professor Alguém arma estratégias para desmanchar a armadilha.
A fábula — atual, divertida e contundente — fala de poder, manipulação e responsabilidade coletiva, sem subestimar a inteligência do público mirim.

Quanto amor tenho por essa companhia! Temos histórias juntos, e vê-la caminhar, aprendendo e dando passos cada vez maiores, faz com que meu coração entre em compasso harmônico com esses artistas.

Os vi pela primeira vez no Sesc Tijuca, com o espetáculo “Cabelos Arrepiados”, texto de Karen Acioly. Com inspiração plástica em Tim Burton, foi arrebatador.

Depois, em 2024, estive em Manaus, fui ao FETAM – Festival de Teatro de lá, e conheci o espaço da Cia Buia — um local acolhedor, feito para assistir teatro. Lembro que me senti tão orgulhosa de estar ali, por já ter uma aproximação com a companhia.

Ao ver em uma das minhas páginas sociais que a nova montagem estaria por aqui, contei os minutos. Eles não sabem disso, mas sou fã deles.
E lá fui eu para a estreia — uma das mais esperadas do ano, pelo menos por mim.

Sobre a Buia Teatro

Fundada em 2015, em Manaus, por Tércio Silva e Maria Hagge, a Buia Teatro Company é hoje uma das mais destacadas companhias brasileiras dedicadas ao teatro para as infâncias.
Com sede própria no centro histórico da capital amazonense, a Buia desenvolve um trabalho autoral, comprometido com a escuta ativa das crianças, a experimentação estética e a valorização da cultura do Norte do Brasil.

Já conhecia o conto brechtiano; ganhei de um amigo. Fiquei muito emocionada enquanto lia aquele livro. Pensar que um dramaturgo, um fazedor de teatro, precisou fugir do regime nazista para defender a própria vida — e, mesmo assim, escrevia, deixando esse lastro contra ditadores, especialmente para leitores na tenra idade — é profundamente tocante.

Ao chegar ao Teatro Nelson Rodrigues, não vi um cenário robusto como de costume. E é exatamente aí que, mais uma vez, a Buia me surpreendeu, deixando-me de boca aberta diante de seus feitos.

Tudo foi mágico demais: dentes de tubarão, pratos, barcos, velas, estandartes — tudo gritava teatro, tudo gritava vida.

Ao começar a história, o texto nos revela a importância da escrita. Claro que chorei, pois entendo bem o poder de um lápis e de um papel. Assim como Malala, acredito no poder da educação!

E assim começa a história, através do metateatro, onde o teatro é contado dentro do próprio espetáculo. As crianças são convidadas a subir ao palco, sobre um tapete de linóleo, com giz de cera nas mãos, e começam a desenhar o mar — tudo isso para contar a história.

E desenham ondas, peixinhos, sereias, estrelas do mar — tudo que uma criança entende!
Tudo isso nasceu de um laboratório de teatro amazônico, em que as próprias crianças auxiliaram na montagem. Divido esse processo, e julgo essencial: quem trabalha para crianças precisa se desligar de muitas convenções. Críticas teatrais, por exemplo, são uma delas. O teatro infantil deve ser feito e elaborado para crianças, e, nesse fio de pensamento, como eles, não abro mão.

As crianças descem do palco — ou do mar já desenhado por elas — e são apresentados os personagens. São convidadas a cantar e fazer coreografias de peixinhos em suas poltronas.
Mais uma vez, chorei, porque vi aquelas crianças entregues, dentro da história. Emocionei-me por isso: um teatro altamente preocupado em ensinar e encantar seu espectador. Eles dançam a coreografia ensinada, um desbunde!

E daí temos o desenrolar do texto, onde tudo é contado para elas. Os tiranos tentam, de alguma forma, engaiolar os peixinhos; o personagem do tubarão fica feliz com a ideia de mandar em tudo — mas, depois, ele acorda. Quem dera o mundo fosse assim!

Na história surge o peixinho, representado por Maria, que chama os demais peixinhos da plateia a se negarem a esse tipo de coação. Ela convida os pequenos a analisarem e não aceitarem a “ditadura” imposta pelo tubarão. O antagonista entende, então, que a escolha pela paz é o mais certo a fazer.

Interessante notar que Maria é a única mulher em cena, e é dela que nasce a ideia de que peixinhos unidos jamais serão vencidos.
Achei muito bem-vinda essa colocação, entendendo as lutas diárias que nós, mulheres, enfrentamos contra o machismo. Não sei se foi a intenção da companhia, mas ficou evidente para mim essa leitura.

Muita música, sanfona, tambores e piano. O que queremos mais? Música e criança combinam!
Gustavo Kurlat e Tércio Silva são assertivos nessa assinatura.

Os atores são além da conta: Arnaldo Barreto, Dimas Mendonça, Elton Nogueira, Maria Hagge e Yago Reis — sou fã incondicional de cada um deles, que trazem seus corpos e expressões faciais envolventes.

Maria Hagge é a figurinista. Eu não tinha entendido, a princípio, porque havia pouca cor no figurino — algo mais terroso, sem escamas ou colares elisabetanos. Quando ela compartilhou seu olhar, percebi: não queria o óbvio. Bordou como Bispo do Rosário, homenageou Shakespeare, e a paleta de cores nasceu do Rio Solimões, barrento. Que bênção de concepção, meu Deus!

Sergio Nascimento traz o estandarte, mais Brasil que isso, impossível!

Embora o teatro seja vizinho da Candelária, segundo meu amigo, o arquiteto e professor da UERJ, a arquitetura é de iluminação velada, trazendo luz somente ao centro, para que as atenções estejam voltadas ao sagrado.
Ao contrário disso, o designer de luz Orlando Schaider explode em luminosidade — porque o teatro é lugar de análise, de ressignificar ideias. Assim acontece: o dinamismo da luz nos anima e fortalece a montagem, trazendo vida. Nada velado — tudo para todos.

E claro, ele, DANTE!
Traz todos os objetos de cena — barcos, tubarão, velas! Incrível a força desse artista, que se consolida cada vez mais no cenário teatral através das artes plásticas que carrega. Um artista de peso.

No projeto, é oferecida uma oficina — levei meus sobrinhos, e foi fantástico!
Dante nos abençoa com sua arte.

Quero agradecer a Christine Röhrig, por esse texto lindíssimo; à Buia por essa construção e pelas que virão; ao Tércio, sempre presente; à Caixa Econômica, por tantos anos ao lado do povo brasileiro; e ao Ministério da Cultura.
Estou em êxtase e nunca vou esquecer como meus sobrinhos aprenderam que nada é mais forte do que a união do povo — e acabamos de mostrar isso ao mundo há pouquíssimo tempo!

Com todo o meu amor,
Paty Lopes

 

Ficha técnica

“Bertoldo, o Tubarão que Queria Ser Gente”

Texto: Christine Röhrig
Direção e concepção: Tércio Silva
Elenco: Arnaldo Barreto, Dimas Mendonça, Elton Nogueira, Maria Hagge e Yago Reis
Músicas originais: Gustavo Kurlat e Tércio Silva
Direção musical: Regina Santos e Elton Nogueira
Visagismo: Eugênio Lima
Direção de movimento: Monique Andrade
Formas animadas: Dante
Iluminação: Orlando Schaider
Figurinos e bordados: Maria Hagge
Costura: Solange Ramos
Identidade visual: Dante
Estandartes: Sergio Nascimento
Produção geral: Buia Teatro
Consulta e tratamento artístico: Márcio Vinicius

 

SERVIÇO

[Infantil] “Bertoldo, Estudo Nº 1 – O Tubarão que Queria Ser Gente”

  • Local: CAIXA Cultural Rio de Janeiro – Teatro Nelson Rodrigues (Av. República do Paraguai, 230 – Centro – Tel. 21 3509-9621)
  • Datas: 3, 4, 5, 10, 11 e 12 de outubro
  • Horários: sextas, às 15h; sábados e domingos, às 15h e às 17h
  • Ingressos: Plateia R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) | Balcão R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia)
  • Classificação: livre | Duração: 59 minutos | Capacidade: 417 lugares
  • Acessibilidade: acesso para pessoas com deficiência
  • Patrocínio: CAIXA e Governo Federal
  • Mais informações: @caixaculturalrj | @buiateatro

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

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Author

Dramaturga, com textos contemplados em editais do governo do estado do Rio de Janeiro, Teatro Prudential e literatura no Sesi Firjan/RJ. Autora do texto Maria Bonita e a Peleja com o Sol apresentado na Funarj e Luz e Fogo, no edital da prefeitura para o projeto Paixão de Ler. Contemplada no edital de literatura Sesi Fiesp/Avenida Paulista, onde conta a História de Maria Felipa par Crianças em 2024. Curadora e idealizadora da Exposição Radio Negro em 2022 no MIS - Museu de Imagem e Som, duas passagens pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com montagem teatral e de dança. Contemplada com o projeto "A Menina Dança" para o público infantil para o SESC e Funarte (Retomada Cultural/2024). Formadora de plateia e incentivadora cultural da cidade.

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