“Prezado Marco, se tiver tempo, por favor, leia o que escrevi depois que você falou do filme ‘O Segredo dos Seus Olhos’. Fiquei muito empolgada e deu uma vontade danada de escrever. Comecei como se alguém fosse fazer um comentário sobre o filme, mas não sei, a coisa foi mudando, reescrevi umas seiscentas vezes e, talvez, tenha exagerado. Acho que virou um conto e ficou bem legal, hehehe, sem modéstia. Seja sincero e pode ser cruel na crítica. Sempre quis ser escritora e quero muito aprender. Obrigada”.
Alguns meses depois de um encontro com alunos em uma escola de periferia, quando falei de literatura e cinema, de criação, da imprevisibilidade da arte e, principalmente, de como “ser artista” é tão duro como qualquer “ser profissional”, recebi este e-mail com o conto anexado. Confesso não me lembrar, particularmente, da aluna, que se descreveu e fez questão de dizer que estava lá atrás na sala de aula e já fez 16 anos. Muitos quiseram saber o que fazer para ser escritor. Um garoto perguntou: “qual é a mágica pro livro ser publicado e o escritor ganhar muito dinheiro?”
Apesar de tudo, ser autor publicado ainda mexe com a imaginação e mantém certo glamour.
Não sou de desanimar ninguém e acho que o primeiro quesito para se escrever bem, que é ler muito, só pode fazer bem. Mas não dá pra ser romântico e passar a falsa premissa de que quem escreve será publicado, e o sucesso virá. Persistência é a palavra para atingir qualquer objetivo. Mas antes que isto aqui vire uma autoajuda, vou direto ao ponto: o conto foi uma surpresa em todos os sentidos, o entendimento do que foi dito, a originalidade da ideia e de cada personagem, o rigor na escrita e um final que beira a genialidade.
Durante a conversa, falamos muito da importância de qualquer manifestação artística surpreender, tirar o chão, propor o singular, arrebatar, por fim. Senão, é como qualquer entretenimento, decoração ou passatempo.
O melhor de tudo é que a aluna\escritora confessa, no final do e-mail, que não viu o filme, pois ir ao cinema é muito caro. O que a inspirou foram as possibilidades do título. E afirmou que a frase, que nem me lembrava de ter dito: “criar é saltar no escuro e confiar no pouso”, foi definitiva pra que se jogasse.
Confesso, humildemente, que me surpreendi com tudo, até comigo mesmo.
Não consegui contato com a aluna pra que me autorizasse revelar seu nome. Se obtiver a autorização digo quem é e publicamos o conto, que começa assim:
O casal passeava e passava nos reflexos das vitrines. Não entrou no cinema. Ver o filme não estava nas vontades. Mas aquele título, ali na fachada garrafal, O SEGREDO DOS SEUS OLHOS, foi suficiente para que um imergisse no outro, sem nenhuma garantia ao emergir…”