Em dois mil e vinte e dois tivemos alguns bons motivos para grandes comemorações em nosso país, duzentos anos da nossa Independência, cem anos de rádio e a Semana de Arte Moderna, mas não comemoramos como deveríamos, a cultura na época era vista como trincheira de guerra. Enfim, acho que não vale lembrar momentos ruins diante da façanha de uma das maiores atrizes do teatro brasileiro dois anos depois desse momento caótico da nossa história. O espetáculo “Tarsila” esteve no Rio de Janeiro e nos emocionou, mais que isso, reavivou o orgulho de sermos brasileiros.
O espetáculo esteve no Vivo Rio, ao lado do MAM – Museu de Arte Moderna, onde temos uma das minhas obras prediletas da artista Malfatti, O Farol de Monhegan.
A obra de arte “Tarsila” é encantadora, capaz de derrubar qualquer opinião contrária no que diz respeito da capacidade de fazermos teatro tão bem, ou melhor, que muitos países que lideram o ranking de grandes musicais. A propósito, essa obra tem um diferencial, ela fala muito de nós, de ontem e de hoje. Merece estar rodando o mundo e mostrando quem realmente somos, como somos imensos teatralmente.
O primeiro ato começa com uma bela homenagem aos indígenas, o tupi guarani é cantado e dançado, PERFEIÇÃO resume esse momento, sem contar a emoção que nos cerca. A dramaturga Anna Toledo fez pesquisas profundas, tão profundas que mais um pouco chegaria ao petróleo, FATO! Posso dizer que raramente essa não inibição ao conhecimento é encontrada.
Trazer os indígenas e os calocarem nesse espetáculo é entender mesmo dessa semana. O modernista John Louis Graz, levou os indígenas as suas telas na época. Então podemos dizer que a referência indígena está muito bem colocada, também por entendermos que somos um povo multicultural e que há muita arte vinda dos povos originários.
Vale lembrar que esse movimento artístico também foi social, era essa uma das vertentes da Semana de 22. basta lembrar o modernista Portinari, que mais tardar trouxe a situação caótica dos nordestinos, através da obra “Os Retirantes”.
Quanto a Semana de 22, essa foi contada com detalhes, como a leitura do texto “O Sapo ” do Manuel Bandeira, que foi vaiado pela plateia ao ser lida. A dramaturga também lembrou a chegada do Heitor Villa- Lobos no teatro, com motivos que chamaram atenção dos que estavam presentes.
Assistir ao espetáculo me fez entender mais da artista plástica Tarsila, embora eu tenha maior queda pela percussora desso movimento, Anita Malfatti. Ela sempre foi uma predileção, até mesmo com suas telas. Anita enfrentou grandes dificuldades em sua vida, não era escravocrata, vinha de uma família mais simples, professora e deficiente física, desde nascença. Aliás, outra grande sacada da dramaturga foi mencionar a crítica do ignóbil Monteiro Lobato a Anita, “Paranoia ou Mistificação”, onde o crítico levou a artista a uma profunda depressão em 1917. Aliás, tal resenha levou os artistas a Semana de Arte Moderna, quando nasceu a nossa identidade artística, ou seja, a “arte anormal” segundo Lobato nos colocou em outro patamar. Falando em Anita, não posso deixar de mencionar a delicadeza do grandioso figurinista Fábio Namatame, que por meio de lenços cobria um dos braços da atriz Keila Bueno ao interpretar Anita. Que lindo Fábio, jamais o esquecerei por isso, também sou portadora de deficiência em um dos meus braços.
Há no espetáculo muita representatividade, não só dos artistas no palco, mas da nossa origem, da nossa construção. Quando Tarsila mostra o seu quadro A Negra, o quadro que retrata o mito da mãe negra na formação do povo brasileiro, entendemos então que Tarsila entendia bem mais dos brasileiros que podíamos imaginar, embora fosse oriunda de família escravocrata. Através do espetáculo é possível entender mais da Tarsila, seus desenhos e cores primárias tão utilizadas, seu mergulho em nossa terra. um verdadeiro desaguar da maior artista plástica do país. Namatame também não poupor ao desenhar as indumentárias da atriz, que são sublimes, bem mais do que podíamos esperar. Trata-se de um figurinista de extrema elegância, assertivo em absolutamente tudo, se me perguntarem qual a indumentária predielta, eu não saberei escolher, pois falo de uma arte que se aproxima do que entendemos ser divino.
Com a ajuda do visagista que pareceu viver em 1922 e grande amigo da Tarsila, Dicko Lorenzo, fez ressurgir a artista plástica. Pasmem, junto ao diretor de movimento Alonso, a verdade chega. Curvada todo tempo, maquiagem e cabelos, tudo nos levava a Tarsila, a elegância da atista Claudia Raia ajudou ainda mais a composição da personagem.
Os movimentos, assinados por Alonso, são belíssimos e coloca Tarsila em lugar de destaque. Que aproveitamento belo. Ainda no primeiro ato, quando é apresemtada a criação do quadro Abapuru, temos uma coreografia belíssima e arrebatadora. Tarsila em evidência, brilha em um figurno branco riquíssimo.
A obra apareceu no palco, imensa, sendo prestigiada como merece ser. Inclusive essa arte também tem um significado modernista relevante, seu nome indígena que siginifica “homem que come gente”, além de trazer um cacto, que desenha o Brasil. Os cactos são muito comuns na Caatinga, principal bioma do nordeste brasileiro. Na realidade, eles são grandes símbolos dessa região, sendo facilmente atrelados ao povo nordestino. Logo entende-se que a obra de Tarsila é aos olhos nus, um dos maiores resumos de nós brasileiros, ou seja, uma obra brasileiríssima!
As vezes eu viajava no tempo, pensando que aqueles joves jamais imaginariam estar diante da obra mais importante do país.
O figurino de Namatame é uma viagem certa, com mangas que caem, brilhos, cores e desenhos geométricos, que garantem a presença da Tarsila. O profissional vestiu-se do clássico para falar dessa mulher de peso para nós. O vestido de noiva merece um destaque, o de renda laranja do primeiro ato e até mesmo a indumentária criada com pouco tecido para um solo da artista Claudia Raia, em tudo há beleza. Com a iluminação do Wagner Freire, o figurino menos pomposo também é enriquecido.
Não posso de falar da emoção que Wagner me trouxe. No final do segundo ato a fumaça veio em demasia ao palco e quando isso acontece palhetas de luz são lançadas sobre ela e nos deixam enibriados. Nos leva a festa das cores. Há muita beleza nesse momento, nesse e nos demais.
Ainda falando do desenho de luz do Wagner, o espetáculo é bem iluminado, não briga com a cenografia do Renato Theobaldo. Tudo bem visível, sempre que assisto obras teatrais, olho para os refletores posicionados nas varas cênicas, mas dessa vezes Wagner me deixou presa ao espetáculo, ele me deixou ver tudom até mesmo os brincos que a érsonagem trazia.
As projeções do cenógrafo Renato, também estão de mãos dadas com os elementos cenográficos que compoe a casa da Tarsila, ou partes da casa, como quarto, sala de jantar e ateliê da artista plástica, uma maravilha sem fim.
Falamos de um musical, sendo assim precisamos reverenciar Tony Lucchesi e Guilherme Terra, ambos nos levam a uma musicalidade nada monótona, são três horas de música e atuaçães infindavelmente fantásticas. Palmas e mais palmas.
A direção de Jose Possi foi linda, um olhar de lince, o profissional captou detalhes, nos abençoou com eles. Em dois mil e vinte três, o diretor completou 50 anos de teatro, que complete mais cinquenta, porque há indubitavelmente coerência e magnitude em seu fazer artistico.
Da cronologia histórica contada pela autora e sua forma fidedigna que é levada para o palco, ele soube orquestrar um grupo de artistas de grandeza ímpar.
Não sei dizer de onde patiu a ideia do carro no palco, um cadilac, a cena é linda, vivida com graça e majestade. Algo jovial, bem típico de “jovens transviados”, risos.
Vamos aos artistas.
Jarbas, como Oswald entendeu a criação desse personagem que tem muita importãncia para o país, mas que ao mesmo tempo cometeu algumas falhas que o comprometeu para muitos, não artisticamente, afirmo. Ah! Jarbas, vc estava sensacional na atuação e canto, dança, tudo é bem vindo de você!
Ele encarnou esse personagem com beleza e infinita verdade.
Dennis Pinheiro, nosso Mario de Andrade, com uma postura que não peca no palco também nos trouxe uma canção que nos fez mergulhar em nós mesmos, no Brasil que deveríamos amar mais e mais. Mario de Andrade esteve muito bem representado pelo artista, cuja caracterização foi uma preciosidade. Mais uma vez impossível não ovacionar o visagista que junto ao Dennis nos surpreendeu, ele não foi mais ou menos que seu personagem pedia, um equilibrio rico do artista.
Carol Costa, a danada Pagu, foi a antagonista? Não! Apenas uma mulher de 17 anos que se perdeu no meio dos modernistas, Carol foi excentrica e muito Patricia Galvão. Uma personagem importante, Pagu foi a primeira mulher presa por manifestações politicas e se não me engano a primeira tradutora do dramaturgo do teatro do absurdo no Brasil, ela traduziu Ionesco, logo entende-se a importãncia dela. A personagem esta linda e muito Pagu mesmo, como um dia cantada pela eterna Rita Lee!
Ivan Parente foi Menotti Del Picchia. Menotti Del Picchia foi um dos principais articuladores, ativistas e colaboradores da Semana de Arte Moderna, foi para academia brasileira de letras. Ele escreveu Salomé, uma obra que foi reverberada na decada de noventa através da teledramaturgia. O artista está muito bem colocado, inclusive com sua postura corporal, nos remete a elegância.
Liane Maya atuou através de uma personagem tão modernistas quanto os artistas, chegou representando uma figura importante da década, a amiga da Tarsila, Dona Olivia Guedes Penteado. Que voz ecoa dessa artista, um canto lírico irradiante. Vale mencionar que essa mulher lutou pelo direito de voto de nós mulheres, claro que ela merece nosso reconhecimento, assim como Liane!
Keila Bueno, a nossa Anita. A voz imensa se une a um corpo que mais me lembrou aqueles perfumes importados de frascos pequenos, que ao abrir a fragrância nos envolve e nos tornamos fãs inveterados. Keila entendeu quem era Anita e principalmente suas verdades. Minha eterna ídala Anita estava a minha frente.
Entre os essembles, meu querido Andre Luiz Odin que esteve por aqui em “Funny Girl”, mais uma vez me arrancou suspiros, Renato Bellini como Picasso foi fantástico. Os essembles são exceletentes. Entre eles a voz do Rafael Leal chamou muito a minha atenção.
Claudia, o que falar da Claudia? O que falar para Claudia? Vá, voe e nos permita dizer com muito orgulho, SOMOS BRASIELEIROS! Uma obra dessa que nos faz megulhar em nossos territórios, traz a delicadeza da mulher, a força da mulher, não merece parar. Claudia desnudou a Tarsila por trás daquele vestido vermelho do Namatame, aquela do quadro, do autorretrato. A Atriz nos mostrou que ela chorou, chorou como qualquer uma de nós, as dores do amor e uma das piores dores da vida de uma mulher, a perda de um filho. Ela perdeu bens, foi presa (dita comunista), foram muitos dessabores, mas seguia. ela era reconhecida entre os grandes, como Jorge Amado, por exemplo. Todos estavam ao seu redor e ela ao redor de todos, Tarsila através da Claudia reviveu, veio do passado para cada um de nós presente na plateia. Obrigada Claudia Raia, muito obrigada!
Chorei com a Tarsila de preto no palco perdendo aos poucos tudo de mais importante que a vida pode nos oferecer, o amor. Ela perdeu os amores, mas não perdeu a cor, ela é digna de toda essa homenagem e nossa admiração.
Chorei tambem com a grande ideia em trazer para o palco grandes nomes da nossa cultura, inesquecível!
Penso que obras como essa deveriam circular dentro e fora do país, temos arte e arte boa. A senhora Ministra deveria abrir essa porta através dessa obra, buscar fora do país espaço para que possamos ser reconhecidos como o país do teatro e não só do futebol, que anda meio falido…
Novos tempos Brasil!
Vale lembrar que na época a queda do café fez com que o governador de São Paulo pensasse mais sobre a cultura como perspectiva de desenvolvimento econômico, e até hoje pleiteamos isso. Senhora Margareth Menezes, a senhora tem em mãos um dos maiores espetáculos teatrais do Brasil, vamos arrumar as malas e seguirmos em busca de novos horizontes, temos muitos artistas bons dentro dos teatros brasileiros.
O ministério da cultura, fez bem em dar ao espetáculo “Tarsila, a Brasileira” a oportunidade de nos educarmos mais, nos educarmos da verdade, das cores e beleza que nossa arte oferece.
Aos que reclamam, vale lembrar do camarote do governador do Rio, que durante o carnaval rendeu a ele e aos amigos excelentes noites milionárias, enquanto esse espetáculo levou centenas de pesssoas através das ongs que dão acessibilidade ao povo a espaços culturais da cidade, sem que pagassem por seus ingressos, democratizando a cultura.
Acho que é isso, não tenho mais o o que falar, apenas lembrar que durante o espetáculo tivemos uma orquestra refinada e impactante, que abriu o espetáculo com o erudito “O Guarani”. Grata a todos, as camareiras, aos técnicos e operadores, aos assistentes de produção, aqueles que nos entrgam os ingressos, grata por me fazerem feliz nessa noite de sábado inesquecível, estará ára sempre em minha memória, principalmente por me lembrar que posso ser patriota sem seguir ideiais mediocres, mas uma patriota cultural!
Segue o link com pequena entrevista com a grandiosa Tarsila, onde ela fala sobre a importãncia daquela semana, que segundo a história acelerou nossa arte até os dias atuais. Nos nossos livros escolares estudamos sobre ela, e claro que devemos dar enfase ao movimento, afinal as cores explodiram as verdades daquela época e explodem até os dias atuais por artistas contaminados pela Semana de Arte Moderna!
Sinopse
A história começa com a chegada de Tarsila a São Paulo, em 1922, vinda da Escola de Artes de Paris, e seu encontro com os modernistas, que daria origem ao famoso Grupo dos Cinco (Tarsila, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti del Picchia) e seria o início de um tórrido romance entre ela e Oswald. A ação então passa pela efervescência e excessos dos modernistas, a vida entre São Paulo e Paris, o atribulado e concorrido atelier de Tarsila em Paris, frequentado pela nata artística da época (Pablo Picasso, Igor Stravinsky, Eric Satie, Jean Cocteau, entre outros), o “redescobrimento do Brasil” e as revoluções estéticas que culminaram no movimento Antropofágico e na criação do Abaporu, ponto máximo da colaboração artística entre Tarsila e Oswald.
A segunda parte da história começa justamente com a Crise de 1929, quando Tarsila perde toda a sua fortuna e descobre a traição de Oswald com Pagu, jovem protegida do casal. Separada de Oswald e destituída de suas fazendas, Tarsila viaja para Moscou e dá início a sua fase de pinturas “sociais”, retratando os trabalhadores brasileiros. Tarsila é presa pela polícia de Getúlio Vargas, suspeita por atividades “revolucionárias” pelo simples fato de ter ido à Rússia. Acolhida e amparada pelos amigos, Tarsila então conhece seu último amor, o jornalista carioca Luis Martins, 24 anos mais jovem do que ela, com quem viveria por dezoito anos.
Após a morte da sua filha e sua neta, da separação de Luís, e da morte de Mário, Anita e Oswald, Tarsila reflete sobre suas perdas e encontra consolo na espiritualidade – mais especificamente, na doutrina espírita de Chico Xavier. Numa epifania, Tarsila revela sua visão e renova sua convicção na Arte como possibilidade de transcendência e de encontro com as pessoas que amou e as pessoas que compartilharam do mesmo sonho, que se funde com a Retrospectiva da Semana de Arte Moderna, cem anos depois, numa grande consagração da Cultura brasileira.
EQUIPE CRIATIVA COMPLETA
Texto e Letras de
Anna Toledo e José Possi Neto
Músicas: Guilherme Terra e Tony Lucchesi
Encenação e Direção de Arte: José Possi Neto
Coreografia e Direção de Movimento: Alonso Barros
Direção Musical: Guilherme Terra
Cenário: Renato Theobaldo
Figurino: Fábio Namatame
Visagismo: Dicko Lorenzo
Realização: Oito Graus Produções e Rega Início Produções Artísticas
Idealização: Raia Produções
Facebook: @PortalAtuando