A beleza salvará o mundo.
Fiódor Mikhailovitch Dostoievski (1821-1881)
filósofo, escritor e jornalista russo
Na primeira parte deste longo artigo, situamos o contexto histórico e algumas questões filosóficas, por assim dizer, sobre os quais as mitologias pelo mundo, de um modo geral, foram edificadas. Na segunda parte, a temática versou sobre a mitologia grega, talvez uma das mais famosas em todo mundo. Na terceira parte, mergulhamos em passagens mitológicas da nossa terrinha tupiniquim, com histórias dos povos originários e dos negros africanos que foram, indignamente, escravizados e trazidos para o Brasil. Na quarta parte, começamos, efetivamente, digamos deste modo, a passear pelas mitologias de vários povos, iniciando, este passeio, pela nossa América Latina, com históricas dos povos pré-colombianos e mesoamericanos. Na quinta parte, regressaremos para a Europa, com partes de histórias que, também, muito influenciaram a nossa cultura brasileira, até porque, mantiveram forte relação com a cultura da Grécia Antiga, no caso da mitologia romana, ou que nos fascinam sobremaneira, até os dias atuais, como a egípcia. Na sexta parte, falaremos, brevemente, sobre dois povos um tanto menos conhecidos dos que os gregos, os romanos e os egípcios, mas que com eles mantiveram profundas relações culturais e, especialmente, conflituosas, os frígios e o hititas. Estes últimos, com destaque especial para as várias guerras travadas com os egípcios. A despeito do espírito guerreiro, suas mitologias também são capazes de nos encantar. Continuemos, pois, nossa viagem encantada pelo mundo antigo e suas belas histórias. Na parte sétima, passeamos um pouco pelas culturas árabe e persa, diferentes, porém, um tanto conectadas entre si, bem como, por mais incrível que possa parecer para alguns, com a cultura judaica, isso, para além da localização geográfica e histórica. Na oitava parte, em nossa viagem, fomos mais para o norte do globo terrestre, mais precisamente, para as terras bárbaras (germanos, eslavos, tártaro-mongóis, vikings etc.) do deus Thor e de tantos outros queridos personagens mitológicos. Na nona parte, rumamos para o Oriente distante, para o segundo maior território nacional, que abriga a maior população do planeta e dialogamos um tanto com a mitologia do vasto, complexo e bonito Império Chinês. Fomos para o Extremo Oriente e rumamos para o Império do Sol Nascente, o Japão e sua rica cultura milenar. Agora, mantendo a viagem pelo Oriente, conheçamos um tanto da cultura mitológica dos povos eslavos (entre eles, os russos), povos tão fascinantes quanto misteriosos.
Mitologia Eslava / Russa
Os antigos eslavos acreditavam que todas as respostas aos fenômenos que vivenciavam podiam ser encontradas na Natureza – tal como muitos povos antigos, como os Celtas, por exemplo. Além de pessoas e animais, os eslavos explicavam o mundo por intermédio, especialmente, de criaturas mitológicas representadas em diferentes formas e contextos. Também eram Animistas, ou seja, acreditavam que todas as coisas na Natureza estariam vivas, incluindo pedras, árvores, florestas, plantas etc. A mitologia eslava abrangia, segundo estudiosos, religiões de várias etnias diferentes, que hoje compõem russos (majoritários) poloneses, tchecos, morávios, servos, masuris e silésios, dentre outros grupamentos minoritários.
A mitologia eslava se baseava na ideia de princípios duais, posto que a crença era de que haveria uma raça de divindades boas (claras) e outra de divindades más (escuras). Perun, Veles, Dagdbog, Makosh e Svarog estavam do lado da luz, do Sol e do calor (fogo), enquanto deuses como Koshei, Chernobog e Morana estavam do lado da escuridão, da noite, do frio e da morte. Os seres humanos viviam no lugar chamado Yav e deveriam alcançar os céus e evitar as trevas, chamadas de Nav, e seguir determinados códigos determinantes do que diziam ser as “leis da vida”, sintetizadas no Prav. Acreditavam, os eslavos, que todas as almas após a morte, iriam para o Irii, a versão eslava do céu católico e residência dos deuses, onde um rio de leite corria por ele, a Via Láctea.
Deuses da mitologia eslava, o Panteão Masculino Eslavo
Perun ou Perkunas (o nome significa “bater” ou “golpear” ou “aquele que golpeia”) era o Deus Supremo, adorado em grandes extensões da Europa eslava (do Mar Báltico ao Mar Negro); era o Senhor Reinante dos Déus e o Deus do Relâmpago e do Trovão (como Zeus, como Thor…).
De acordo com as primeiras crônicas da Rutênia, hoje dispersa em territórios como Hungria, Ucrânia, Bielorrússia e Rússia, o Príncipe Vladimir, o Grande, teria erguido uma estátua de culto a Perun (junto com outros ídolos pagãos) fora de seu palácio em Kiev, logo após ele iniciar seu governo em 980 d.C. Em 988, o Cristianismo foi adotado e os ídolos pagãos fossem destruídos. A estátua de Perun foi amarrada a um cavalo, arrastada por uma colina abaixo, destruída e, lançada no rio Dnieper, flutuou rio abaixo em um local que passou a ser conhecido como Perunja Ren (o “Raso de Perun”).
Porevit (significa “Senhor da Força”; Deus da G uerra) e Porenut eram filhos gêmeos de Perun, ídolos multifacetados, típicos do culto religioso de vários povos antigos, como os hindus e os eslavos. Porevit era representado com cinco cabeças e Porenut com quatro, além de uma quinta face esculpida em seu peito.
Veles ou Volos (significa “Deus do Gado”) é tido, por estudiosos, como, talvez, o segundo deus mais importante da mitologia eslava. É vinculado à magia, à poesia, aos juramentos, ao submundo e aos mortos; em outras versões da história, Veles é tido como inimigo de Perun. Alguns historiadores sugerem que, após a cristianização, essa rivalidade pode estar relacionada ao velho antagonismo entre Deus e o Diabo. No folclore Tcheco, diz-se a frase “Jdi za moře k Velesu!” (“Atravesse o mar para Veles”) como um sinônimo de “Vá para o diabo!”.
Triglav era um deus ligado aos juramentos e às adivinhações (algo parecido com o Apolo grego). Em algumas versões é identificado com o Deus Veles. Representado como tendo três cabeças de Triglav e comumente com a boca coberta para representar a recusa do deus em testemunhar os pecados das pessoas. Essas três cabeças representam o céu, a Terra e o submundo.
Sventovit, também conhecido como Svetovid ou Svantovit é um dos mais famosos deuses eslavos, um deus com várias cabeças, sempre retratado em um cavalo branco e segurando um chifre para suas bebidas, em uma das mãos. Sua história é originada nas lendas de Arcona, na ilha de Rugia, onde uma grande estátua foi erguida no ponto central do templo a ele dedicado. Uma possível encarnação de Sventovit seria Jarovit ou Gerovit, que alguns estudiosos comparavam à Marte, deus romano da guerra.
Svarog era o Deus do Sol, do Fogo Celestial e da Ferraria; pesquisadores o identificam, por vezes, com o grego Hefesto, deus inventor e artífice dos deuses olimpianos.
Dažbog era filho de Svarog (também conhecido como Svarožič); como seu pai, era também uma divindade solar, Deus do Fogo Sagrado da Lareira.
Hors era uma das divindades adoradas em Kiev, atual Ucrânia, desde antes do Cristianismo; possivelmente era uma divindade lunar, Hors pode ser originário, segundo estudiosos, da mitologia iraniana.
Semargl era uma divindade da vegetação, ligada às boas colheitas. Assim como Hors, ele pode ter origem na mitologia iraniana, onde uma criatura semelhante, um grifo com corpo de cachorro, era conhecido como Simurgh.
Rod, Deus do Destino e da Ancestralidade, em tradições neo-pagãs, era considerado criador de toda a vida e existência na Terra, embora para alguns pesquisadores, Rod, no entanto, aparecia como apenas mais um espírito com poderes sobrenaturais, no máximo, uma semidivindade.
Stribog era o Deus da Riqueza e dos Ventos.
Deusas da mitologia eslava, o Panteão Feminino Eslavo
Makosh ou Mokosh (significa “Mãe Fortuna”), era uma das principais divindades da mitologia eslava e tida como a deusa que zelava pelas mulheres; era representada, comumente, com uma grande cabeça e, por vezes, com chifres. Seu domínio é a fertilidade, a colheita, a magia e as riquezas da casa, além de ser tida como a observadora e guardiã do “tear do destino”, tendo Dolya e Nedolya como divindades auxiliares.
Morana ou Mara ou Marana era a Deusa das Pestes, da Escuridão do Inverno e da Morte e seu mito afirma que era inimiga do Sol, tentando sempre destruí-lo. Seus símbolos conhecidos são crânios humanos rachados, uma lua negra e uma foice com a qual ela cortaria os fios da vida de quem desejasse. Era filha de Lada, irmã de Giva e Lelya, e esposa de Koshei.
Mati Syra Zemlya era a Mãe Terra ou a Natureza Encarnada e era representada como uma linda mulher. Segundo o mito, teria sido ela, junto com Svarog (que representa o céu) que criou o nosso planeta e tudo o que há nele.
Lada é a mãe de Lelya, Giva e Morana e esposa de Svarog. Era a deusa do amor, da beleza, da fertilidade e da felicidade na família, algo similar à deusa grega Afrodite. Lada teria um irmão gêmeo, em algumas versões, mas seria esposa, em outras, de Lado, casal, independente de grau de parentesco ou relação, de mesmas atribuições. Alguns estudiosos situam como provável origem de Lada, outras deusas eslavas ou bálticas, como os gregos Leda e Leto. Giva era a deusa da vida, do verão e da fertilidade. Ela também, em algumas versões de mitos locais, irmã de Perun.
Deuses secundários, semidivindades, espíritos e demônios do folclore local
Além dos deuses principais, a mitologia eslava tinha uma série de divindades menores, deuses locais, espíritos domésticos e, claro, demônios. Talvez o mais importante desses deuses secundários tenha sido, como visto antes, o deus Rod, cujo mito, geralmente, o apresenta acompanhado por uma ou mais das Rozhanitsy – criaturas femininas invisíveis que, imediatamente após o nascimento de uma criança, decidiam seu destino. Os nomes de Rod e Rozhanitzy remontam à raiz eslava que significa “nascimento”. Dola é outra deusa secundária importante, uma divindade feminina ou espírito protetor, que cuidava das casas e, às vezes, das crianças.
Polevik ou Polevoi era um personagem da mitologia polonesa, representado por um homem baixinho com o rosto cheio de espinhas e orelhas feitas de grãos. Polevik caminhava e vagava pelos campos de dia. disfarçado, tentando enganar as pessoas que encontrava, além de conduzir estranhos para a direção errada, com o objetivo de fazê-los se perderem. Esse deus foi, por estas razões, considerado uma criatura maligna e que, além de tudo, gostava de estrangular e matar as pessoas que dormiam nos campos, sendo especialmente hostil com os bêbados.
Werewolves (Lobisomens)
Homens amaldiçoados que se transformam em lobos nas noites de lua cheia. Lobisomens estão presentes nas histórias de todos os países eslavos e são centrados em uma criatura que se parece com um lobo, mas se torna mal, agressivo e hostil o suficiente para matar qualquer um que cruzasse seu caminho, mesmo que fosse alguém conhecido. Acreditava-se que a transformação de qualquer um aconteceria se fosse mordida por um lobo; essa pessoa, também ela, seria amaldiçoada. Há versões mitológicas em que os lobisomens são retratados como vítimas de magia negra e/ou que deveriam vingar alguém ou levar terceiros à justiça, em versões mais benévolas.
Russalka ou Vila, no folclore eslavo, pertencia ao reino dos chamados demônios (ou espíritos) da água. Russalka faz parte da mitologia russa e polonesa, enquanto Vila, Veela, Vily ou Wila seria um personagem mítico do sul eslavo. Russalka ou Vila seria um demônio feminino da água e do mal, retratada como uma bela jovem, vestida com um manto prateado transparente, com longos e lisos cabelos verdes, de pele clara; usava uma coroa de flores e ervas finas na cabeça e vivia à beira de rios ou dentro de lagos ou lagoas. A lenda é que ela teria sido uma mulher que, pouco antes de se casar, afogou-se; ela, inconformada com seu destino, tal como as sereias gregas e árabes, atrairiam homens com ela e por sua beleza, até que eles também se afogassem nas águas de rios e lagos. Outra versão é que, por crueldade, elas dançariam com os homens até que eles morressem por exaustão. Outra característica importante da Russalka era sua capacidade de se transformar em animais como cobras, lobos, cisnes, cavalos ou falcões.
A título de informação geográfica, lagos, lagoas e lagunas são corpos hídricos semelhantes e a diferença básica é de tamanho, sendo os lagos maiores e mais profundos do que as lagoas; lagos podem receber suas águas de fontes aqüíferas, mas ambos se originam de deposição sedimentar, detritos eroridos, vindos das áreas mais altas do relevo; já as lagunas são variações desses corpos hídricos, mas são, normalmente, salgadas, ligadas a um mar ou oceano por um canal.
Baba Yaga ou Baba Jaga é uma das criaturas mais famosas da mitologia eslava, presente em muitos contos russos, bielorrussos e ucranianos; é retratada como uma velha bruxa. Ela monta um almofariz (recipiente feito de materiais diversos, como metal, pedra ou madeira, usado para triturar substâncias sólidas; é um tipo de pilão) ou uma vassoura. Baba Yaga vivia no meio de florestas e perseguia, assustava e comia pessoas, principalmente crianças, embora também adultos, e até hoje, usam a sua história para assustar a criançada. A casa da floresta de Baba Yaga teria cascos na porta e telhado de palha. Ela é representada como uma vilã, embora muitas versões do conto também a conectem ao conceito do caminho da sabedoria, retratando-a como alguém que dá desafios e lições às pessoas, no que pode ser comparada, sob certa ponto de vista, talvez, à Esfinge greco-egípcia e suas charadas.
Essa história muito se parece com uma do folclore brasileiro, a do “homem do saco”, em que um senhor malvado raptava crianças para vendê-las como escravas, segundo relatos de pesquisadores como Câmara Cascudo. É possível que o “homem do saco” seja uma leitura brasileira do “bicho-papão” ou, em outra versão, e de modo um tanto distinto, do “boi da cara preta”. Há variações desta lenda ao longo do mundo todo. Não obstante, há quem afirme que esta história é real e foi baseada no assassino em série Laerte Patrocínio Orpinelli que, entre 1970 e 1990, admitiu ter assassinado mais de 100 crianças na região de Rio Claro, interior de São Paulo. Mas esta é outra história e, infelizmente, nada mitológica.
Domovois são criaturas que viveriam na casa de alguém e poderiam amaldiçoá-lo ou desempenhar o papel de amuleto da sorte (dependendo do dono da casa e da família). Um Domovoi é representado como um velho que se esconde no porão ou no sótão e pode proteger a casa (mas apenas se o dono não o irritar). Caso o faça, ele amaldiçoaria a casa e a família e apenas coisas ruins aconteceriam aos moradores. Se uma pessoa quisesse manter boas relações com ele, deveria deixar para a criatura, uma fatia de pão, lã de ovelha ou um objeto brilhante como presente de gratidão.
Licho ou Liho era um demônio (horrível) da mitologia polonesa, sendo o epítome (aquele ou aquilo de simboliza, que representa) de todas as coisas más e horríveis do mundo, como pragas, doenças, problemas, tristeza e pobreza. Licho era representada como uma mulher de pele e osso que tinha um olho no meio da cabeça e usava farrapos. Seu cabelo era viscoso e sua pele quebradiça. O folclore polonês contém muitos provérbios relacionados à má sorte, cautela e problemas e todos eles mencionam Licho como a principal causadora de problemas.
Kikimora era uma criatura representada como uma versão feminina de um Domovoi. Kikimora é imaginada morando na casa de alguém, atrás do fogão na cozinha ou no porão e normalmente se notaria sua presença na forma de sons feitos por um rato mordiscando. Kikimora foi a primeira explicação para a paralisia do sono na cultura russa; dizia-se que ela entrava pelo buraco da fechadura, sentava no seu peito enquanto você dormia e tentava estrangulá-lo.
Poroniec era a personificação de uma força obscura que causava medo e morte inesperada, de modo, normalmente, violento; ele representava os espíritos de crianças que faleciam antes de serem batizadas ou que morreram antes de virem a este mundo, já que se acreditava que seus espíritos teriam inveja da vida que nunca começou para elas. De acordo com antigas crenças, Poroniecs eram almas eternamente condenadas e muitas vezes apareciam tarde da noite como filhotes de pássaros que atacavam crianças e mulheres grávidas.
Alkonost era um pássaro gigante da mitologia polonesa que aparecia apenas à noite e tinha um rosto de uma linda mulher. No entanto, algumas versões da lenda consideram Alkonost como uma criatura demoníaca cuja cabeça representa as mulheres que se suicidaram depois de terem assassinado seus próprios filhos. Em um dos contos, a Alkonost cantava lindamente e assim atraía os homens que ela mais tarde enlouquecia, tal, novamente, como as sereias gregas e egípcias ou como a nossa Iara. Em outra versão, o Alkonost viveria no Submundo, mas emergiria com o objetivo de pôr seus ovos na praia e, depois, os levando para o fundo do mar para que eclodissem, e quando isso acontecia, aconteceria uma tempestade e o mar se transformaria em uma força destrutiva sem igual. Portanto, Alkonost era considerado o presságio das tempestades e, por extensão, para alguns, da própria morte.
Zmey Gorynych era o grande Dragão Eslavo, mais especificamente, russo e ucraniano, que os contos mitológicos representavam como “a Cobra das Montanhas”, que tinha o corpo coberto por escamas verdes ou vermelhas e garras de ferro. Esta criatura é apresentada como uma criatura policéfala, como a Hidra grega, que falava a língua dos humanos. Uma de suas principais características era a capacidade de mudar de forma e aparência. Em alguns contos em que é personagem, o dragão se transformaria em um belo jovem e, engando seus inimigos, conseguiria roubar uma jovem e torná-la sua noiva. Alguma semelhança com a História da Heitor e Helena, de Tróia? Na mitologia brasileira, temos algo parecido, também: a história do Boto Cor de Rosa.
Poludnitsa ou Lady Midday ou Lady Rye era um demônio feminino dos campos, das estepes russas. Ela podia assustar qualquer um que trabalhasse no calor durante o verão e acreditava-se que costumava aparecer ao meio-dia, quando o Sol estava mais forte. Poludnitsa é representada como uma mulher pálida, alta e magra, de cabelos longos e vestida com um vestido branco transparente; por vezes, um esqueleto, mesmo ou ainda, em outras versões, como uma velha bruxa, que enganava as pessoas e passava a controlá-las os homens que cruzavam o seu caminho, especialmente, os bêbados. Essa personagem mitológica teria origem, segundo estudiosos, a partir da alma de uma mulher que sofreu uma morte trágica antes de seu casamento e morreu solteira, inconformando-se com esta situação. A única maneira de se proteger de Poludnitsa era evitar trabalhar nos campos no meio do dia no verão, supostamente, hora da sua morte.
Lechie ou Lechy ou Lesovik era uma divindade, ou seja, espírito das florestas e da caça na mitologia eslava, representado como um homem com características corporais antropomorfizadas (que não são, necessariamente, humanas, mas que a nós se assemelha; corpos inanimados também podem ser antropomorfizados). Lechy era capaz de mudar seu tamanho e altura e, às vezes, era retratado como uma criatura com chifres e cercada por matilhas de ursos e lobos. Algumas lendas o representavam como uma divindade maligna que enganava as pessoas e as desviava dos caminhos, físicos ou de vida; por vezes, sequestrava os filhos das pessoas para fazê-los escravos ou, não raro, por pura maldade.
Dodola era a Deusa da Chuva e era a esposa do deus maior do Panteão eslavo, Perun; era uma entidade, por suposto, pagã e até hoje é cultuada por alguns povos eslavos, notadamente no Balcãs (Albânia; Bósnia; Macedônia; Kosovo; Sérvia; Romênia; Montenegro; Bulgária; Croácia; Grécia e Eslovénia). Os eslavos acreditavam que o céu e as nuvens acima eram vacas que ela ordenhava e com esse gesto fazia a chuva cair na Terra. Quando a primavera chegava, dizia-se que Dodola voava sobre os campos e florestas e embelezava as copas das árvores com frutas e flores. Esta tradição, até hoje mantida, é uma cerimônia em que uma menina (no passado, era sempre uma órfã; hoje, até onde pude apurar, não mais, necessariamente) usava uma saia de trepadeiras e ramos verdes. Essa menina desfila pela aldeia, cantando, dançando e visitando as casas e, parando em frente às portas, recebe gotas de água que sobre ela são jogadas pelos moradores, representando a chuva, a fertilidade e o florescer da vida na primavera. Não que seja assim, tão semelhante, mas se a querida leitora e o prezado leitor fizerem uma viagem à cidade fluminense de Conservatória, constatarão que as casas do bucólico pequeno distrito de Barra do Piraí tem placas nas casas, com nomes de músicas famosas do cancioneiro popular. Há um cortejo de músicos que seguem e, parando de frente para cada casa, canta a música que está nominada na placa, com os moradores, em lá estando, saem de casa e acompanham o cortejo musical. Os festejos principais ocorrem no mês de maio, mas há eventos o ano todo.
Azhdaha era uma criatura mitológica, tida como uma versão demoníaca do dragão eslavo Zmey; era representada como uma serpente que comia outras serpentes gigantes e que, por ter vivido por muito tempo, acabou por se tornar enorme. Algumas lendas representam a Azhdaha com mais cabeças que cospem fogo e emitem sons aterrorizantes – lembrando a Hidra grega, morta por Hércules em um de seus 12 trabalhos. Ela vivia em montanhas ou cavernas e devorava humanos.
Chuma representava as pragas, como a Peste Negra, nos contos populares. No folclore sérvio, esse personagem foi retratado como uma velha assustadora com cabelos desgrenhados e olhos grandes. Acreditava-se que ela aparecia à noite, carregando uma tigela de barro com flechas nas mãos com as quais matava as pessoas que encontrava.
Para o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), belo é tudo aquilo que proporciona prazer às pessoas e a vida não prescinde da beleza e da estética (seja qual for, visual, auditiva, sensitiva…). Dostoievski profetizou, por assim dizer, na frase que abre este artigo, que a beleza salvará o mundo, dando uma dimensão coletiva ao que é belo, em Kant, que se referia ao ser humano, individualmente. O fato, segundo entendo, é que a beleza é fundamental, como declamava nosso poeta Vinícius de Moraes (1913-1980), na medida em que o prazer, carnal ou espiritual, ambos compondo lugares importantes em nossas vidas, nos dá motivação para viver, como a bela mitologia eslava e russa acaba de nos mostrar, creio. E por falar em beleza espiritual, nossa próxima parada, neste viagem pelas mitologias planetárias, fala muito ao espírito humano. Vamos a Índia, conhecer os Hindus?
Carlos Fernando Galvão,
Geógrafo, Doutor em Ciências Sociais e Pós Doutor em Geografia Humana
Bibliografia de consulta e sugerida para aprofundamento
- LANDIM, Bianca Et al. Mitologia Eslava. São Paulo: Editora Alarde, 2022.