Outro dia, escutei uma história que ficou ecoando na minha cabeça. Os antigos, na região do Oriente, iam pescar em alto mar e traziam peixes vivos em grandes aquários nos barcos. Mesmo assim, até chegar à costa, muitos já tinham morrido. Eles apodreciam e a perda era grande. Não se sabe exatamente como, mas o fato é que descobriram que, colocando um tubarão dentro, junto, os peixes chegavam vivos. A tensão era tanta que os peixes precisavam ficar atentos para fugir do tubarão. Era preciso estar vivo, e muito, para escapar. O estado de alerta os salvava.
Conclusão: os peixes tinham que agradecer a existência do tubarão e, mais que isso, o fato de o tubarão estar tão perto deles. Uau! Quantos e quantos tubarões odiamos por serem tubarões e nós, simples peixes e, principalmente, por estarem tão perto da gente. Será que é o caso de agradecer essa galera de dente afiado?
Tentando olhar esse povo com um pouco mais de simpatia, pensei no Lewgoy! Nosso mais amado eterno vilão. Dos filmes preto e branco, com Oscarito e Grande Otelo, aos coloridos! José Lewgoy em clássicos da chanchada e fazendo maldades com Roberto e Erasmo no “Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-rosa”. Este grande ator fez mais de cem filmes, inclusive o mítico “Terra em Transe” de Glauber Rocha, no papel de um político populista. Encarnou aquele vilão clássico que, desde a hora que acorda até a hora que vai dormir, só pensa em maldade, 100% mau! Mau, mau como um pica-pau. Amo o Lewgoy, no presente mesmo, porque esse tipo de sentimento é eterno!
Outro vilão amado, na verdade, amada, é a Cuca, do Sítio do Pica-Pau Amarelo, aquela gargalhada era de arrepiar os cabelinhos do dedão do pé até o último fio de cabelo, credo. Hoje, olho para esse jacaré de cabelos vermelhos com simpatia, na verdade, com o maior carinho. Ela me ajudou a crescer; difícil de imaginar isso quando eu era criança, mas é fato.
Por outro lado, tem também os malvados de difícil digestão, aqueles que o herói da história não identifica de pronto, acha que é um amiguinho e, na hora H, créu!, leva o bote. Pois eles também são necessários numa boa história, fazem o herói evoluir, as coisas andarem. Nessa linha, temos os vilões com o requinte de Nelson Rodrigues. Em “O Beijo no Asfalto”, um elenco divino composto por Ney Latorraca, Cristiane Torloni, Lídia Brondi e Tarcísio Meira são atormentados por um delegado (Oswaldo Loureiro) e o inescrupuloso jornalista interpretado por Daniel Filho.
Daniel Filho deu alguns presentes para o cinema brasileiro e interpretou outro grande canalha com Jesse Valadão em “Os Cafajestes”, com direção de Ruy Guerra. A vítima é interpretada por Norma Bengell. E o ponto alto é uma cena de pura maldade, uma cena clássica do nosso cinema. Com vocês, o primeiro nu frontal do cinema brasileiro, um primor em termos de linguagem cinematográfica. Fortíssimo.
Notinhas
Cuca – https://www.youtube.com/watch?v=5XW3B7v_DbI
Música “A Cuca te pega” – Cássia Eller – https://www.youtube.com/watch?v=y4YLN0ZQdyk
O filme “O Saci” de 1951 – https://www.youtube.com/watch?v=3hW77NwN9vc
José Lewgoy – https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Lewgoy
O Beijo no Asfalto – https://www.youtube.com/watch?v=ouQli_0ez58
Pedras no Caminho – Fernando Pessoa – http://genius.com/Fernando-pessoa-pedras-no-caminho-annotated