Sempre diziam pra mim – que sou de São Paulo – que, no Rio, talvez por causa da grande influência da TV Globo, o pessoal os atores eram mais descompromissados, mais blasé. E, realmente, até sinto um pouco isso na atmosfera, num sentido geral. Parece que o trabalho do ator é uma coisa que paira no ar… Que é envolvido por certo glamour que … eu, particularmente nunca vi, nem vivi. “É porque você não é famosa”, uns vão dizer. E até pode ser…
Mas não sei bem ainda NO QUE o glamour ajuda no trabalho do ator. Às vezes, chego a pensar que é uma crueldade colocar o trabalho do ator junto a esse glamour. Primeiro, porque é mentiroso, é uma representação social ilusória do trabalho artístico. Depois, porque é mais uma coisa que o ator, que acredita nesse glamour, vai ter que retirar de si. E retirar coisas de si dá um trabalho…!
Em um processo artístico, de peça de teatro ou dança, de música, de livro, poema, texto e, imagino eu, de artes plásticas, ou qualquer outra arte, fica-se no “limbo” durante muito tempo. Não é nada glamuroso. É um tempo eterno de “não sei’s”. É um tempo eterno numa escuridão. É procurar uma coisa sem a menor garantia de que vai se encontrar um-dezesseis-avos dessa coisa.
É pensar, falando agora especificamente de teatro, como construir um “si” novo e verdadeiro ao mesmo tempo ficcional e (sobretudo!) interessante, digno de ser doado a alguém. É uma escuridão sem fim. Que nunca estará completamente iluminada, clara e límpida. Iluminada, clara e límpida é construção de photoshop ou de algum editor de vídeo que não sei o nome, é o glamour. Na maior parte do tempo, é não saber se está certo, se dará certo, é caçar uma coisa que nem se sabe o que é… é uma escuridão que só! É saber suportar, como diz a Nina n’A Gaivota*, um dos textos mais lindos que há! É ter que trabalhar em si mesmo o “não poder ter a preocupação com acertar”. Isso é o mais difícil, porque isso é se liberar e a liberdade é a lição humana mais difícil.
E tem também o trabalho, né? O não dormir, o pesquisar, o leeeeeeeeeer sem fim, o aquecer, o ensaiar, o suar, o repetir, repetir, repetir, repetir, o suar ininterruptamente o suar, o repetir, repetir, repetir e repetir, a dor, principalmente na dança, a dor, o continuar, o esperar, o continuar . E tem o dia seguinte que é tudo de novo.
Eu ainda não conheço muito do meio artístico teatral aqui do Rio, então posso estar sendo leviana. Ou, quem sabe, essa seja uma visão ainda imatura, um pouco sugestionada. E isso que digo é uma coisa, assim, “no geral”. Claro que existe trabalho, trabalho, trabalho aqui na cidade maravilhosa. É só olhar pra trajetória da Cia dos Atores, do Áreas Coletivo de Arte, da Aquela Cia. de Teatro, o Nós do Morro, Cia dos Comuns e, pra profissionais como a Duda Maia, Jô Bilac, Hilton Cobra e tantos outros que estão por aí na escuridão, ensaiando, criando, pesquisando, caçando uma coisa bem mais íntima e difícil do que Pokémon. Nada contra, cada um que cuide da sua caçada, né?.
E, claro, também que há os momentos de clareza. Ou de certa clareza. Depois de muito erro, vem. Depois de muito tatear, muito tiro na água, vem aquele feixe de luz, aquele indício de encontro bom. E daí voltamos a lembrar porque nos colocamos nessa pesquisa dessa escuridão tamanha que é a alma humana. Não é que daí venha o glamour. Daí é que vem o ar mesmo. Ar. Aquela coisa sem a qual não dá pra viver, sabe?!
E, no fim… É isso aí… É o quão bravos e corajosos conseguimos ser pra suportar a escuridão. É o quanto sabemos (não só “acreditamos”, mas sim, “sabemos”) que tudo vai germinar, que tudo está sempre germinando a todo o momento. E saber que uma hora, por lei da natureza… Um brotinho surge.
*Agora eu sei, Kóstia, agora eu compreendo que no nosso trabalho, representando no palco ou escrevendo, o que importa não é a glória, não é o esplendor, não é aquilo com que eu tanto sonhava, mas sim a capacidade de suportar. Aprenda a carregar a sua cruz e acredite. Eu acredito e, assim, nem sofro tanto e, quando penso em minha profissão, não sinto medo da vida.
(Nina em A Gaivota, de Tchekhov)