O que despertou esta reflexão foi mais uma brincadeira, como outras tantas, que surgem nas redes sociais. Uma provocação simpática: deveríamos postar, sem pensar muito, o nome de quinze autores que nos influenciaram ou fizeram parte da nossa formação literária. Traduzindo: escritores de quem mais gostamos; aqueles que nos vêm logo à cabeça quando nos fazem tal pergunta. Listei rapidamente e, claro, faltaram muitos. O rol chegaria fácil aos cinquenta. Passei adiante, provoquei amigos e conferi, com alguns, coincidências e divergências.
Um detalhe passaria despercebido não fosse o olhar crítico de minha filha, que comentou meu post: “Poxa, pai, só duas autoras?” Procurei alguma defesa, mas a todas em que me agarrava expunham um laivo de desconhecimento, de falta de formação e, o pior dos pecados, um fiapo – fiapo, aqui, usado como amparo – de machismo.
Para confirmar a teoria, bisbilhotei dez outras listas, com o cuidado de equilibrar entre mulheres e homens. Na média, apenas duas autoras foram citadas em cada lista. Lembrei-me de uma conversa de faculdade, lá pelos anos 1980 e tal, em que a colega reclamava, com razão: “Você vê alguma citação de compositoras de músicas clássicas? Já viu, por aí, referência às artistas plásticas, mesmo deste século?” Raras, foi minha resposta, enquanto elencava, constrangido, apenas Djanira, Camille Claudel, Tarsila e Frida Kahlo.
Procurei explicações para o caso específico da literatura de autoria feminina. É possível encontrar trabalhos e pesquisas sérias, sobre produção e crítica, tanto no Brasil quanto no mundo. Foquei em nosso quintal e dei de cara com a frase do jornalista e cronista João do Rio, que evidencia o preconceito no início do século 20 – ainda e então: “Por que escrevem essas senhoras? Ninguém o soube; ninguém o saberá. Com certeza porque não tinham mais o que fazer…”
Em meados do século 19 e início do século 20, no Brasil, escritora era espécie rara e marginalizada. Seus textos refletiam os padrões vigentes, as personagens eram mulheres submissas ao poder patriarcal de pais e maridos, que se realizavam no casamento e na maternidade. São exemplos deste período os romances Dedicação de uma amiga (1850), de Nísia Floresta e A sucessora (1934), de Carolina Nabuco.
Mais tarde, pós 2ª Guerra, surgiram autoras que até hoje são reconhecidas, estudadas, comentadas: Adélia Prado, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, entre outras, mas são pouco lembradas pelas gerações de leitores formadas no mesmo espaço e tempo político e social, que mantiveram por base obras de autoria masculina, as aclamadas obras canônicas, em cujas listagens constavam raras mulheres.
Hoje, século 21, mesmo com o mundo de informações na ponta dos dedos, uma profusão de ótimas escritoras e seus livros com diversidade de estilos, temas, modalidades, produzindo poemas, romances, contos, as escritoras continuam raras nas listagens. A pergunta é:
O que não mudou?