Cena 1
O velho fusca branco corta a veia marrom, quase rosa, por entre as montanhas. Pulsa no ritmo da emoção, miríade de sonhos e expectativas.
No comando, tal qual o timoneiro da Arca de boas novas, Estrela segue o caminho batido, mas sempre renovado pela alegria.
Cena 2
A menina, nove anos. A aflição brilha nos olhos. Inquieta, criança que é, questiona a mãe pela décima quinta vez:
– Posso ir, mãe?
– Já falei, Priscila, não abriu. A dona Stella nem acordou.
– Espero lá perto da porteira e vejo a hora que abrir. Deixa, mãe. Já fiz o almoço pro pai e varri em roda da casa…
– Diacho. Vai. Pega o que tem pra pegar e volta no mesmo pé.
Cena 3
A menina parte em disparada pelo quilômetro e meio, descalça, a pele grossa contra o cascalho, o peito arde, um pouquinho pela falta de ar e muito pela ansiedade. Corre pela imaginação, antevê os lugares e todas aquelas pessoas que jamais imaginou conhecer.
Cena 4
Priscila, nove anos. Anda de um lado ao outro, avalia a altura do sol. Sobe na pedra pra uma visão melhor da estrada. Nada da poeira anunciadora. Lê a placa pregada na porta, uma, duas, dez vezes.
Finalmente, a poeira esvoaça dourada contra o sol, que se desprendeu, preguiçoso, detrás da enorme pedra.
Cena 5
O fusquinha vem devagar e traz, com o pó, o remoinho de novidades. Dona Estrela, de cabeleira à solta, sorri feliz para a sua recompensa.
– Ei, querida, chegou cedo…
– A senhora trouxe?
– Claro, nunca ia esquecer. Ajuda a tirar a caixa aí do banco.
Cena 6
A menina senta no banquinho. Recebe, acaricia, abre e, com a ponta do dedo, percorre as primeiras palavras, com a intimidade de uma carícia.
Então lê. Tropeça nas vírgulas, escorrega na acentuação e segue em frente, determinada, emocionada, emocionando.
Conversa com o Pessoa. Ela é o Pessoa.
Podia ser uma ficção. Uma história inventada. Uma tentativa de motivação. Só que é tudo verdade.
O cenário é a zona rural de Pedro do Rio, Petrópolis. Dona Estrela é Stella Maris Cermeño Mendonça. Priscila é real e Pessoa é o Fernando.
Vejam o vídeo dessa história: