
O texto de ABSOLVIÇÃO é embriagante, mas isso não seria suficiente se o artista não trouxesse um trabalho de corpo gestual e voz do mesmo nível.
A obra tem um desfecho inesperado, o texto é divino, embora traga para nós uma realidade cruel e real.
Em 2023, ganhei o livro “Pedofilia na Igreja“, um dossiê inédito sobre casos de abusos envolvendo padres católicos no Brasil, dos autores Fabio Gusmão e Giampaolo Morgado Braga.
E por que não falarmos sobre isso? Por que fechar os olhos? Certo que profanar o sagrado nos causa uma certa angústia, no entanto, não somos nós que o fazemos, mas certos padres que já o fazem, e fingir que isso não acontece é calar meninos e meninas inocentes, que sofrem nas mãos dos “santos”.
A direção de Daniel Herz é assertiva como de costume, o diretor não abre mão do veterano Aurélio que, mesmo em um espaço menor, contribui com uma excelente palheta de cores e movimentação de luz, levando os espectadores a diversos espaços. Se de um lado o iluminador faz um trabalho prodigioso, o figurino e cenário são do artista Wanderley Gomes, que atuam com elegância, sobriedade nos trajes e também verdade. O cenário nos lembra um imenso confessionário, enquanto placas coloridas que me remetem a acrílicos quebrados estão pendurados no teto rebaixado do teatro, me lembram vitrais das igrejas, e que dizem de alguma forma sobre o que a montagem quer contar, o espaço em que permeia a história contada.
Quanto a Andriu, o suor do artista parece nos avisar que há passos milimetricamente contados. Expressões faciais que nos convencem, um riso muitas vezes sádico, o que é preciso, com plena sofisticação no atuar, ele transforma o que é simples em refinamento.
O personagem é um assassino que conta com detalhes os crimes cometidos contra alguns pedófilos religiosos, mas também conta os motivos. Há movimentos e objetos de cena que nos leva ao ato, como uma cadeira que se transformam em “vitimas” do assassino e em cama. Andriu se transforma em vários personagens, com tons de voz diferenciados durante o espetáculo.
Não falo de uma obra rasa, muito menos leve, mas sim de uma montagem densa que exige do ator muita concentração e movimentos bruscos, brotando dos poros o suor que evidencia os esforços físicos.
Para além do espetáculo no atual livro “Pedofilia na Igreja”, temos vários olhares, que nos leva à reflexão. Aqui no Brasil esse crime não pertence somente a alguns sacerdotes do catolicismo, mas também os de igrejas evangélicas e em terreiros de candomblé.
O que assusta é o que acontece ao cidadão, que muitas vezes vai a procura de ajuda, e recebe um “acolhimento criminal”.
Faz pouco tempo que para este tipo de crime a sansão deveria ser maior, era um projeto, não sei se foi aceito na câmara. A inflexibilidade do Papa Francisco contra esse tipo de crime contou também para essa luta.
Sempre que uma criança é abusada há um “assassinato de alma” e para que isso não ocorra é necessário que a família esteja atenta e sempre desconfiada.
Ao findar o espetáculo, algumas pessoas receberam papéis onde o personagem que matava os pedófilos poderia ser inocentado ou culpado pela plateia. Embora eu seja contra a justiça com as próprias mãos, porque entendo existir leis para isso, soltei um respiro aliviada. O personagem foi inocentado. A justiça é morosa e enquanto ela não anda mais crimes acontecem e quando eles acontecem, as crianças sofrem e vão continuar sofrendo, carregando em suas memórias e nos corpos o terror de serem abusadas sexualmente, exatamente por isso, respirei.
Quando um cidadão como esse é tirado do meio da sociedade, temos mais chances de defender os pequenos, que muitas vezes não são defendidos nem mesmo pelos pais, por vergonha ou receio.
O espetáculo é forte, com uma bela plasticidade e redondo, desce bem, embora fiquemos paralisados com os casos e descrição dos assassinatos cometidos.
O espetáculo “Absolvição” é maduro, mas que ainda deve chocar pessoas por não quererem tirar as vendas dos olhos. Como disse, mexer com o sagrado é muito complexo para muitas pessoas.
Assisti ao espetáculo no Centro Cultural do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (CCPJ), espaço que promove o enriquecimento cultural dos profissionais do sistema de Justiça e da sociedade em geral, em defesa de uma visão mais ampla e humanística da Justiça.
O Centro Cultural destina-se a ser um locus de fomento de cultura, educação e cidadania, oferecendo à comunidade carioca atividades como peças teatrais, espetáculos de dança e de música, mostras de cinema, cursos, seminários, palestras, debates, leituras dramatizadas sobre os principais temas que integram o diálogo entre as demais instâncias da sociedade e a Justiça.
E com excelentes funcionários que lá nos recebem.
https://portaltj.tjrj.jus.br/centro-cultural-do-poder-judiciario-do-estado-do-rio-de-janeiro
Sinopse
O monólogo, interpretado pelo ator Andriu Freitas, trata de temas como justiça e saúde mental, e, ao denunciar violências extremas contra a infância, isto é, abuso sexual e pedofilia, e a impunidade desses crimes, promove reflexão sobre questões como culpa e punição. Ao se tornar um veículo para fomentar o diálogo sobre possíveis ações concretas contra injustiças silenciadas, Absolvição se apresenta como contribuição relevante para o teatro e a sociedade atuais.
Ficha Técnica
Atuação e Idealização: Andriu Freitas.
Texto: Owen O’Neill.
Tradução: Diego Teza.
Direção: Daniel Herz.
Diretora Assistente: Carol Santaroni.
Cenário e Figurino: Wanderley Gomes.
Iluminação: Aurélio de Simoni.
ABSOLVIÇÃO – terceira temporada (gratuita)
Centro Cultural do Poder Judiciário do Estado do RJ – Museu da Justiça (ao lado do Fórum, Centro)
️ Ingressos gratuitos, através de reserva pelo Sympla
https://www.sympla.com.br/produtor/ccpjrj
Temporada: Agosto – apenas seis apresentações (3 semanas)
Dias: 05, 06, 11, 13, 18 e 20 de agosto
Horário: 18h30

Paty Lopes (@arteriaingressos). Foto: Divulgação.

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