
(in)delicadezas
Dilemas humanos e vitais são abordados com sensibilidade pela poeta e juíza Kíria Garcia no livro que marca sua estreia na literatura
Com os pedaços que me faltam
Faço uma arte de mim (Kiria Garcia)
“Há momentos dolorosos na vida/Em que precisamos nos livrar de pedaços que não se renovam/ São órgãos doentes/dentes podres/ Amizades e amores vencidos”…
Amadurecer exige coragem. Estrear também. E, aos 52 anos, a poeta e juíza do Trabalho Kiria Garcia sabe bem disso. Grande conhecedora das leis, ela tem na poesia outra de suas paixões. E, através da escrita, expurga e expõe sua visão sobre questões cruciais da vida como o amor e seus (des)encontros, a passagem do tempo, essa entidade inexorável, além de dilemas relacionados à mulher como a própria autonomia, reconhecimento, maternidade e a relação com esses seres chamados filhos. A escritora reúne 63 de seus textos em (in)delicadezas, coletânea que marca sua estreia na literatura. A edição chega às livrarias em setembro pela Editora Litteris com apresentação do escritor e editor Artur Rodrigues e com o texto da orelha assinado pela cantora, compositora e influenciadora Patrícia Mellodi.
“Suas letras, como faróis, capturam nossa atenção e nos arrebatam com uma força vigorosa e urgente”, observa Artur no prefácio chamando atenção para o fato de o cotidiano ser uma das matérias da autora. Sim, o cotidiano. “E do que falaria o poeta senão do seu cotidiano?”, indagou, certa vez, Adélia Prado já farta de comentar a pecha de “Poeta do Cotidiano” comumente atribuída a ela. Sim, o poeta fala de si e da vida, e seu diferencial está na forma abordada. E, sob este aspecto, Kíria segue as insígnias da poeta mineira, referência a seus pares da contemporaneidade. “Aprendi/ Que a poesia está em mim/ No meu jeito de olhar o céu, a lua, o mar”, corrobora então a discípula.

Livro (in)delicadezas. Foto: Divulgação.
“Eu sinto muito/ Sinto tudo, muito/ Sinto muito mesmo” revela-nos Kiria já no poema que abre a coletânea. E, assim, de forma despudoradamente sincera, a escritora desfia as muitas linhas que formam sua teia de pensamentos e vivências. E neste bojo estão dissabores e desencontros amorosos, segredados em subterrâneos: “Guardo meus ex-amores/Dentro de um cofre atrás da estante/ Catalogados por data ou importância/Como dinheiro velho”.
“Escrever/ É fazer faxina nas emoções (…) Não é uma escolha/ É uma necessidade”, constata Kíria. E, sob este aspecto, ela não se faz de rogada e levanta a poeira, revirando pelo avesso sentimentos e extraindo deles o suprassumo da poesia: “Me desfiz de todo o peso/ das joias de família/ Álbuns de fotografia/ Amizades vencidas/ Amores tóxicos/Em cada queda/ Me despi”.
E, assim, desnudada, ela nos confronta e espelha , expondo dissabores e anseios, coisas pretéritas ou pretensas. “Não se trata só de um livro, mas sim de um espelho de mulher, de uma mulher paradoxal, plural e multifacetada” como bem observa Mellodi na orelha.
Espelho do ser humano, podemos acrescentar. Afinal, como a própria Kiria nos diz, os “poetas anestesiam com palavras/ As dores que bêbados afogam em copos”. E assim ela segue com sua fala personalíssima o percurso iniciado agora com este livro. “Ando pra me sentir livre/ Ando porque não sei voar”, constata marotamente a poeta.
Acontece que ela sabe – e voa alto .
Texto:
Christovam de Chevalier

Confira a entrevista com Kíria Garcia, Autora de (in)delicadezas
1. ARTECULT: Estrear aos 52 anos é um ato de coragem. O que te impulsionou a transformar suas vivências em poesia e decidir publicá-las agora?
KIRIA GARCIA: Acho que completar 50 anos mexe com o ser humano. Você sabe que o tempo que falta é menor do que o tempo vivido. E passa mais rápido. Te obriga a lidar com a urgência de se fazer o que não foi feito. Realizar sonhos e desejos.

Kiria Garcia. Foto: Divulgação.
2. Seu livro fala de perdas, rupturas e amadurecimento. Como a escrita te ajudou a atravessar esses momentos difíceis?
Elaborar o que sentimos, através da escrita ou qualquer outra arte, é necessário, é uma catarse. Acho que todos deveríamos fazer.
3. Como juíza do Trabalho, você lida com conflitos humanos diariamente. De que forma essa vivência profissional influencia sua escrita poética?
Todas as vidas são ricas em experiências e me sinto privilegiada de lidar com tantas pessoas e seus conflitos em meu dia a dia. Tenho a oportunidade de ver o pior e o melhor do ser humano é isso me enriquece, inclusive na escrita.
Nesse primeiro livro, acabei falando muito de mim. Mas ainda quero contar as histórias que não vivi, coisas que não senti, mas ouvi.
4. Você afirma que “escrever é fazer faxina nas emoções”. Que tipo de limpeza emocional você acredita que o leitor pode experimentar ao ler (in)delicadezas?
Apesar de sermos bilhões de indivíduos no planeta terra, cada um de um jeito, nossas dores e alegrias são muito semelhantes. Espero que possam se identificar e transformar as perdas e dores em poesia, como tentei fazer.
5. A maternidade aparece como tema recorrente. Como a relação com seus filhos moldou sua visão sobre autonomia e identidade feminina?
Meus filhos são minha maior fonte de aprendizado nessa vida. Com eles aprendi a amar incondicionalmente, ser coadjuvante na minha história, buscar paciência e sabedoria. Coisas das deusas como Nanã, Isis, Gaia, Oxum e yemanja. Ser mãe é se conectar ao sagrado feminino e dele retirar forças pra não esmorecer.
6. Você cita Adélia Prado como referência. Que outras vozes femininas da literatura te inspiram e dialogam com sua escrita?
São tantas autoras incríveis! Amo Cora Coralina, Clarice Linspector, Annie Ernaux, Maria Carolina de Jesus, Conceição Evaristo, Cecília Meireles, Marina Colsanti.
7. No poema “Ando pra me sentir livre / Ando porque não sei voar”, há uma metáfora potente. Hoje, após lançar seu primeiro livro, você sente que já começou a voar?
Generosa sua pergunta. Ainda não! Mas estou colocando minhas asinhas pra fora! Rs
SOBRE A AUTORA

Kiria Garcia. Foto: DIvulgação
Graduada em Direito pela UFRJ, Kíria Garcia trabalhou como advogada e professora de Direito e, desde 2003, atua como juíza do Trabalho no Rio de Janeiro. Leitora voraz de poesia e escrevendo desde que se entende por gente, faz com (in)delicadezas sua estreia na literatura.
SERVIÇO

Coquetel de Lançamento do livro (in)delicadezas de Kiria Garcia
- Dia 18 de setembro, a partir das 19h
- Livraria da Travessa – Shopping Leblon. Av. Afranio de Melo Franco, 290. Leblon, Rio de Janeiro (RJ)
Dados do Livro
- Título: (in)delicadezas
- Autora: Kíria Garcia
- Editora: Litteris
- Lançamento: setembro de 2025
- Formato: 14 X 21cm
- Número de páginas: 96
- Preço: R$ 55,00
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