Maria Firmina dos Reis (São Luís, 11 de outubro de 1825 — Guimarães, 11 de novembro 1917) foi uma escritora brasileira, considerada a primeira romancista brasileira.
Hoje o Google Doodle homenageia a primeira romancista do Brasil!
Veja como está aparecendo o Doodle hoje:
A trajetória intelectual de Maria Firmina dos Reis pode ser considerada bastante incomum se a compararmos com a dos demais escritores e personalidades de seu tempo. Conversamos com Rafael Balseiro Zin, sociólogo e pesquisador do Núcleo de Arte, Mídia e Política da PUC-SP, onde cursa o doutorado em Ciências Sociais e vem aprofundando seus estudos sobre a autora por meio de uma tese na qual investiga a participação de escritoras abolicionistas do Brasil-império na luta contra a escravidão.
Zin nos conta um pouco mais sobre essa maranhense que nasceu em 11 de março de 1822, na ilha de São Luís, e foi registrada como filha de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis, mas nunca conheceu o pai.
Cresceu em uma casa de mulheres, na companhia da avó, da mãe e de suas duas únicas amigas, a prima Balduína e a irmã Amália Augusta dos Reis. Em 1847, aos 25 anos, foi aprovada em um concurso público para a Cadeira de Instrução Primária em Guimarães, tornando-se, a primeira mulher a integrar oficialmente os quadros do magistério maranhense como professora efetiva. Aposentou-se em 1881 e fundou a primeira escola mista e gratuita do País, no vilarejo de Maçaricó.
“Úrsula”, sua primeira obra, foi publicada em 1859, em São Luís, pela Tipografia do Progresso. Sob o pseudônimo “Uma Maranhense…”, de forma inédita, a autora aborda a questão da servidão a partir do entendimento do negro. Num momento em que as mulheres viviam submetidas a inúmeras limitações e preconceitos, a ausência do nome, somada à indicação da autoria feminina, aliam-se ao tratamento absolutamente inovador dado ao tema da escravidão no contexto do patriarcado brasileiro.
Em seu romance inaugural, Firmina já expunha as duras condições do cativeiro, revelando as contradições entre a fé cristã e as crueldades do regime escravagista. Foi um exemplo de erudição, mas apesar de ocupar um lugar proeminente no cenário cultural maranhense oitocentista ficou esquecida por décadas. Esse possível silenciamento ideológico teria vindo das elites condutoras da vida intelectual brasileira e perdurado por mais de um século. Firmina morreu em 11 de novembro de 1917, cega, pobre e sem nenhuma honraria.
Apesar da tímida produção literária, Maria Firmina dos Reis é um dos nomes mais importantes para a historiografia da literatura brasileira. “Úrsula” está consolidado como o primeiro romance de autoria negra e feminina do Brasil, além de ser o primeiro de cunho abolicionista. É também o romance inaugural da chamada literatura afro-brasileira, entendida como a produção literária que tematiza a negritude sob uma perspectiva interna. Os contos “Gupeva” e “A escrava” e o livro de poesias “Cantos à beira-mar” são outras obras de destaque.
Firmina encontrou na literatura uma forma de expressão estética e política. Mesmo não tendo vivido sob a condição de cativa, assistiu de perto as mazelas da escravidão, o que fica evidente em boa parte de seus trabalhos. Alguns de seus textos literários ou jornalísticos provavelmente não chegaram ao nosso conhecimento. Como as políticas de preservação dos acervos históricos nacionais nunca receberam a devida atenção dos governantes, especula-se que uma parte de suas criações possa ter se perdido.
Apesar das conquistas sociais da população negra nos últimos anos, o racismo e o sexismo continuam estruturando as relações sociais no Brasil. Por esse motivo, as recentes reedições das obras de Maria Firmina dos Reis tornam-se fundamentais, uma vez que denunciam o lugar social destinado a negros e mulheres em nosso País.
Para se ter uma ideia, de setembro do ano passado, quando rememoramos o centenário de falecimento da autora, até novembro deste ano, já foram publicadas 11 novas edições do romance Úrsula.
Obras clássicas da nossa literatura fizeram aniversário em 2018 e não tiveram a mesma repercussão. “Urupês”, de Monteiro Lobato, por exemplo, completou o seu primeiro centenário de publicação neste ano. “Macunaíma”, de Mario de Andrade, fez 90 anos. “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, atingiu 80 anos de publicação.
“Úrsula” passou a integrar a lista de leituras obrigatórias para o vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A instituição mudou a concepção da prova de literatura para o exame de 2019 e incluiu as obras de Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus (já contemplada na edição do ano passado) e Florbela Espanca.
No ano do centenário de falecimento da autora, o Centro de Pesquisa e Formação do SESC-SP promoveu um ciclo de debates intitulado “Desvendando Maria Firmina dos Reis”. Como desdobramento desse primeiro encontro foi criada a Rede de Pesquisadores sobre Maria Firmina dos Reis, que conta com cerca de quarenta membros de 17 estados.
O objetivo é articular e aprofundar os estudos sobre a autora, além de fazer circular as informações e as novas documentações em torno do seu nome. Ao mesmo tempo, divulgar suas ideias e fazer com que passe a ocupar o lugar que lhe é devido: o de pioneira das belas-letras nacionais.
Em 2019, comemoram-se os 160 anos de publicação da primeira edição do romance “Úrsula” e em 2022, os 200 anos de nascimento da autora. Com essa novidade, e somando esforços de pesquisa, espera-se conseguir fortalecer e espraiar pelos quatro cantos do país o pensamento e os escritos dessa maranhense.
“Embora a atuação política de Maria Firmina dos Reis tenha se dado de modo indireto e através das letras, ela não pode e nem deve ser subestimada. Até porque, a resistência e a luta das mulheres contra a escravidão resgatam uma forma de participação informal exercida quase sempre fora das esferas de poder e dos quadros político-partidários.
Portanto, recuperar a produção literária e as ideias dessa escritora, uma das poucas intelectuais negras do século XIX, revela de que forma, naquela decadente sociedade brasileira oitocentista, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade se estabeleceram e se propagaram, contribuindo na luta pela construção de um país mais justo e sem opressão”, conclui Zin.
Fonte: Texto Pesquisa em Carta Capital